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Serafina

Viúva de Kubrick cuida do legado do diretor e traz exposição a SP

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Quando Stanley Kubrick morreu, em 1999, sua mulher, Christiane, viu-se afundada num oceano de caixas.

Nos estábulos transformados em miniestúdios da casa dos dois, havia umas 800, cheias de moviolas, câmeras, desenhos, roteiros, fotos, figurinos e documentos dos filmes do marido. "Comecei a abrir as caixas, a olhar e a chorar. Não sabia o que fazer." A primeira tentação foi guardar os objetos mais pessoais e queimar o resto.

Por sorte, ela hesitou. E o conteúdo das caixas virou uma grande mostra que retrata a vida e a obra do diretor de alguns dos maiores clássicos do cinema do século 20, como "2001- Uma Odisseia no Espaço" (1968) e "Laranja Mecânica" (1971).

A exposição, que rodou o mundo e está em cartaz em Los Angeles até junho, chega ao Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo em outubro. Em paralelo, a Mostra Internacional de Cinema de SP vai exibir uma retrospectiva com todos os seus filmes.

Fãs de Kubrick e apaixonados por cinema terão a sua frente os figurinos de "Spartacus" (1960), a máquina de escrever e os vestidinhos das meninas de "O Iluminado" (1980) e até o "Starchild", o bebê de olhos esbugalhados de "2001".

"Antes do computador, no cinema, tudo era feito com luz. Foi assim que um boneco comum virou aquele bebê no fim de '2001'. Era preciso iluminá-lo para fazê-lo parecer uma estrela. E Stanley iluminou tanto que ele quase queimou", diz Christiane, que vem para o Brasil junto com a mostra.

O objeto favorito da Sra. Kubrick, no entanto, não é o bebê, mas "um Stanley de papelão, ridículo, em tamanho real". "Quando vi, pensei: 'Ele é uma gracinha'. Era igual a ele quando o vi pela primeira vez."

O americano Stanley, 29, e a alemã Christiane, 25, se conheceram durante as filmagens de "Glória Feita de Sangue" (1957), um dos primeiros filmes de sucesso do cineasta.

É ela a mocinha alemã envergonhada (creditada como Susanne Christian), apresentada como "uma pérola trazida à terra pelas ondas da guerra" e que desarma um batalhão de soldados ao cantar uma música no fim do filme.

Oito semanas depois das filmagens, já tinham decidido casar. Terceira mulher do diretor, Christiane ficou 42 anos com Kubrick, até a morte dele. O casal teve duas filhas -e o diretor também assumiu a primeira filha dela, de outro casamento.

A MULHER DE STANLEY

Da casa de campo em que viviam juntos e onde Kubrick foi enterrado, em Hertfordshire, a 30 minutos de trem de Londres, Christiane toma conta do legado do marido. E é daquelas mulheres que dá esperança às que têm medo de envelhecer.

Linda e vaidosa aos 80 anos, recebe a reportagem de Serafina com um lenço no cabelo, maquiagem caprichada por trás dos óculos e uma espécie de vestido-avental por cima da camisa azul.

O avental não é de cozinheira, mas de pintora. Christiane teve uma curta carreira de atriz e logo decidiu se dedicar às artes plásticas.

Depois da morte do marido, começou a dar aulas de pintura e a promover um festival de artes duas vezes por ano, como forma de manter a casa cheia de gente e movimento.

"No começo, vinham muitos curiosos só para ver onde Stanley morava, mas isso passou e conquistei o meu público."

O mesmo acontece com quem compra suas obras de arte, influenciadas pelos pós-impressionistas. "Tenho dois tipos de colecionadores: os que me conhecem de galerias e exposições e os que compram porque sou a mulher de Stanley, porque viram minhas pinturas em seus filmes."

Os quadros de Christiane aparecem em dois clássicos do marido. Em "Laranja Mecânica", é na frente de uma pintura dela que o protagonista Alex e sua gangue abusam de uma mulher ao som de "Singin' in the Rain" ("Ele queria algo inocente, um fundo neutro e quieto para algo horrível acontecer").

Em "De Olhos Bem Fechados", o último filme, de 1999, são dela as obras que enfeitam quase todas as paredes da casa de Tom Cruise e Nicole
Kidman. "Pensamos que a mulher do médico podia ter uma galeria. Assim, podíamos copiar o nosso próprio apartamento e ter certeza de que aquilo parecia real."

Não eram só as pinturas que ele emprestava da mulher, mas também as roupas, móveis e joias. "Quando queria decorar algo, ele dizia: 'Por que não usamos as nossas coisas? São muito mais bonitas'", ri Christiane.

OLHOS QUASE FECHADOS

Assim como Kubrick, Christiane não é fã de dar entrevistas. E não gostava da fama de recluso e rabugento que o marido ganhou. "Ele dizia: 'Não consigo ser eu mesmo quando alguém põe um microfone na minha boca e pede: 'Tente ser charmoso'", conta Christiane.

A irritação com o assédio da imprensa foi uma das razões que levou os Kubrick a mudar para o interior da Inglaterra ("Hollywood é um internato, é claustrofóbico."). Em território neutro, o casal viveu cercado de atores, escritores, pintores, crianças e cachorros.

E foi lá que se concretizou a ideia de filmar "De Olhos Bem Fechados", surgida ainda nos anos 1960. No começo, Christiane considerava a temática sexual repugnante. "Tínhamos brigas feias. Eu achava a história horrível. Dizia: 'Não mexa com as fantasias sexuais das pessoas. É muito destrutivo'."

Quarenta anos depois, a já senhora Christiane mudou de ideia. "Quando você está mais velho, já tomou suas decisões e viveu do jeito que quis. Então pode ter algo importante a dizer sobre esse tema. Stanley ficou feliz por ter feito esse filme como um homem velho."

Essa é a única vez em que Christiane enquadra o marido na categoria "velho". No resto da conversa, seu Stanley mais parece um menino. "Ele era aficionado do computador quando ninguém tinha um. Hoje, seria uma dessas pessoas hiperconectadas. Seria o pior", ri Christiane. "Cada vez que vou a uma loja de eletrônicos e vejo uma novidade, penso: 'Stanley ia amar isso!'"

Mas não compra nada. Pouco tecnológica, Christiane segue hiperconectada apenas à figura do marido, aquele jovem eternizado em papelão.

Augusto Bartolomei/Estúdio Bê
Ilustração de Christiane Kubrick, utilizando ícones que remetem aos filmes do marido, o diretor Stanley Kubrick (Crédito: ESTÚDIO BÊ)
Ilustração de Christiane Kubrick, com objetos que remetem aos filmes do diretor
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