Serafina
Feitos com pouco dinheiro, fanzines ganham status de obra de arte
O editor catalão Samuel Riba sonhou a vida inteira em encontrar um grande livro que pudesse editar. Já aposentado, concluiu que não havia encontrado nada que realmente valesse a pena ser publicado, e que a era do livro impresso estava chegando ao fim.
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Se Riba existisse, em vez de ser um personagem ficcional criado pelo escritor espanhol Enrique Vila-Matas no livro "Dublinesca" (2010), ele seria a antítese dos editores que carregam a bandeira da produção gráfica independente hoje em dia.
Esses novos editores são jovens, tatuados, otimistas e raramente publicam literatura. Produzem muito, e não são predestinados à edição, mas a enxergam, na maioria das vezes, como um hobbie que divide o tempo com suas ocupações reais -designers, arquitetos, jornalistas, músicos.
Enquanto as editoras tradicionais se preocupam com a internet, os e-books e o fim do impresso, o mesmo não se pode dizer sobre o movimento das produções gráficas independentes.
Em alta no país, crescem rapidamente as publicações realizadas por pequenas editoras independentes, artistas, galerias, coletivos e "zineiros", nome dado aos produtores de zines, publicações de baixíssima circulação e geralmente reproduzidas por fotocópias.
Só no primeiro semestre, a cidade de São Paulo contará com três feiras dedicadas à exposição desse tipo de publicação, além de um espaço destinado a elas na SP-Arte, a maior feira de arte do hemisfério sul.
EXPOSITORES
No Brasil, a crescente das novas edições autorais não se limita a São Paulo. Na Feira Plana, evento realizado no mês de março no MIS (Museu da Imagem e do Som), por exemplo, compareceram expositores de dez Estados diferentes. Já o coletivo Turnê organiza uma feira itinerante em seis capitais do país, de Porto Alegre à Recife.
Para Ana Luiza Fonseca, organizadora da Feira de Arte Impressa do Tijuana, vinculada à Galeria Vermelho, o aumento no número de editores independentes é evidente. "Depois de quatro anos de feira, vemos que os nossos visitantes das primeiras edições já estão virando expositores", afirma.
Matheus Chiaratti, 24, é um desses novos "publishers". Usuário do Flickr, ele se juntou a outros 11 jovens da rede social para criar um coletivo, a Companhia Rapadura. Em julho do ano passado o grupo lançou seu primeiro livro, e desde então não para de produzir. "Comprar um livro de foto é muito caro", diz Chiaratti, "os zines deixam a fotografia menos pretensiosa, mais natural, de fácil acesso".
A produção gráfica independente é alimentada por pessoas que não gostam dos limites digitais. A qualidade da publicação, o toque do papel, a materialidade do produto,
tudo é importante ali. Existe certo charme "vintage" nessa postura. Não à toa, há quem compare a onda à ressurreição do vinil.
Maurício Zuffo Kuhlmann, o MZK, 44, produz seus zines desde 1989. Conhecido no mundo das artes gráficas, MZK atribui o sucesso dos zines de hoje em dia a uma espécie de "resgate". "Está rolando um interesse por essa coisa artesanal, de manusear ali mesmo, ter a coisa para ler, escolher o papel", diz.
"O livro está virando uma obra", afirma Pedro Vieira, responsável pelo núcleo editorial da SP-Arte e fã assumido de publicações independentes.
"Você pode comprar um livro hoje por R$ 50 e, de repente, daqui a alguns anos ele está custando R$5 mil", especula
Pedro, sem esconder a lógica de mercado por trás da feira.
Para a maioria dos zineiros e artistas, no entanto, a realidade mercadológica da SP-Arte ainda é um universo distante.
A maioria deles parece não se importar. O movimento das produções gráficas independentes é corajoso, e não se assusta com a internet, os e-books ou a falta de compradores. Talvez no futuro eles sejam pessimistas como Samuel Riba, o editor personagem do livro de Vila-Matas, mas nada no presente indica que assim será.
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