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Serafina

Criado em fazenda no MS, estilista faz sucesso com estúdio em Londres

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Lucas Nascimento começou a costurar escondido do pai. Cosme, o patriarca da família, não entendia como o único filho homem podia demonstrar tanto desinteresse pela lavoura de soja e milho.

Criado numa fazenda em Bonito, no interior do Mato Grosso do Sul, o menino preferia ficar em casa vendo a mãe, Carmen, fazer tricô. Passava horas observando a trama de fios que se transformava em casacos para ele e as duas irmãs usarem no inverno.

As meninas se contentavam em vestir as roupas, mas Lucas também queria fabricá-las. Com um discreto aval materno, fez sua primeira peça aos 11 anos. Nunca mais parou.

"Meu pai odiava aquilo. Ele preferia que eu estivesse no campo, em cima de um trator", lembra hoje, aos risos.

Muito depois, o tricô viraria a marca registrada de Lucas, que tem 32 anos e pilota uma festejada grife com seu próprio nome em Londres. Ele conquistou espaço na semana de moda da capital britânica e se tornou um dos estilistas brasileiros mais requisitados no circuito europeu.

MALHARIA RETILÍNEA

Hoje, o trabalho do brasileiro tem pouco a ver com suas origens artesanais. Lucas projeta seus modelos no computador e fabrica as peças numa enorme máquina alemã Stoll, avaliada em 70 mil libras, cerca de R$ 220 mil. A mudança o fez desdenhar a palavra tricô, embora a crítica ainda use o termo para descrever as suas roupas.

"O tricô é feito à mão. Eu faço malharia retilínea", pontua. "Meu trabalho é 'high-tech'."

O maquinário reforça a atmosfera industrial do seu estúdio, no térreo de um galpão em Hackney Wick, bairro do leste de Londres. A região foi valorizada pela construção do Parque Olímpico, do outro lado da linha do trem, mas ainda preserva a paisagem de subúrbio fabril. Muito diferente da badalação do oeste da cidade, onde estão as principais grifes de alta-costura.

"Como os aluguéis aqui eram mais baratos, o bairro juntou muita gente criativa e que precisava de espaço. Eu acho interessante. Em West London, tudo parece muito mais sério", ele diz.

Lucas define o próprio estilo como "new minimalism" (neominimalismo). A maioria das peças que selecionou para as fotos desta reportagem apresenta cores lisas. Os detalhes só são visíveis de perto, na variação de texturas do tricô -ou da malha retilínea, como ele prefere.

"Até 2010 estava tudo muito colorido, com muita informação ao mesmo tempo. Agora, está todo mundo limpando, e eu acho que faço parte dessa turma. Não é que seja mais básico. É mais limpo", teoriza Lucas.

O próximo passo, ele sonha, é a abertura de lojas próprias para vender sua produção. Hoje, suas peças podem ser encontradas em lojas europeias como a parisiense Le Bon Marché. Na londrina LN-CC, uma jaqueta de manga curta sai por 1.276 libras, cerca de R$ 4.000.

"Meu produto é caro. A pessoa sabe que foi desenhado na Inglaterra, que o fio vem da Itália. Não estou competindo com as ruas", ele diz, referindo-se às lojas de preços mais acessíveis.

LONDRES

Foi em Londres, onde pisou pela primeira vez aos 17, que o garoto da roça se rendeu à vocação para a moda.

"Eu adorei a cidade. Falei: 'É aqui que eu quero ficar!'" Em 2005, entrou na London College of Fashion, onde se especializou em tricô.

"Na turma, eram 16 mulheres e eu", conta. Hoje, em seu ateliê, continua a ser o bendito fruto. Segundo ele, mera coincidência. "Está chegando um rapaz. Não está?", perguntou, numa tarde de abril, a uma das três assistentes que acompanharam sua entrevista à Serafina.

O curso universitário foi complementado por um emprego como assistente de Sid Bryan, colaborador de grifes como Fendi e Prada. "Na faculdade, eles te estimulam a ser criativo, mas não mostram como é a indústria. Quem me abriu essa porta foi o Sid", diz.

A outra porta, para as passarelas, foi aberta por marcas brasileiras, como Amapô e 2nd Floor, que levaram o trabalho de Lucas para a São Paulo Fashion Week. A Folha o citou pela primeira vez em junho de 2008, ao fim de uma reportagem sobre o desfile da Ellus.

"O trabalho artesanal do tricoteiro Lucas Nascimento, que veio nos vestidos com fios de seda revestidos de metal, também deu certo e merecia ser mais bem explorado", dizia o texto.

O organizador da SPFW, Paulo Borges, também achou que Lucas merecia ser mais bem aproveitado. Surgiu assim o convite para que ele fizesse sua estreia solo, no Fashion Rio, em 2010.

NA FAZENDA

Depois disso, Lucas se candidatou ao Newgen, programa britânico de incentivo a novos talentos na moda, que ajudou a revelar estrelas como Alexander McQueen, selecionado em 1993.

No ano passado, a lista de escolhidos incluiu Lucas, que também foi convidado a mostrar suas peças na London Fashion Week -ele acaba de repetir a dose, em fevereiro, com novo sucesso de crítica. Para ele, o nome do Brasil o ajudou a conquistar seu espaço.

Segundo Lucas, os impostos sobre a importação para o Brasil, em torno dos 40%, impedem a venda das roupas no país. Mas as notícias não param na alfândega, e até o pai rigoroso, que continua na fazenda, já passou a ver o tricô com outros olhos.

"Agora eu saio na revista, né?", ele diz, e ri mais uma vez.

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