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Serafina

Maior estilista do Brasil, Alexandre Herchcovitch pensa em pedir asilo político em outro país

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Alexandre Herchcovitch, 41, não sabe se ama o Brasil ou deixa-o. O maior estilista do país estava no protesto que tomou pontes e marginais de São Paulo em 17 de junho. Mas cogita pedir asilo político a outra nação. "São ideias", desconversa -que há tempo cruzam sua cabeça.

"Não tenho nenhum apego por SP. Absorvi tudo o que a cidade poderia dar como influência", disse há um ano, em entrevista a um site.

Ainda assim, foi às ruas com o povo paulistano. "Andei no máximo um quilômetro, fora as duas horas na concentração." Na manhã seguinte, sua conta no Twitter causou tumulto virtual. A frase publicada era: "Por que não acontecem manifestações no Norte e Nordeste? É lá que elegem os políticos corruptos."

Ele disse que a mensagem veio de um hacker que invadira seu perfil, agora desativado. "Não quero mais expor minha vida dessa forma."

Talvez o distanciamento da identidade nacional seja um dos ingredientes que o levaram a ser grande na moda. "Ele foi o primeiro a ter dimensão internacional no estilo. Não que fosse um estilo brasileiro, porque não é. É universal", avalia a consultora de moda Costanza Pascolato.

Para ela, Alexandre poderia fazer moda aqui ou em qualquer lugar do mundo. Até porque o sobrenome se passa com desenvoltura por gringo, ainda que seja abrasileirado. Vem do original Herchcovic, da Polônia, onde também é lido "rérchcoviti". A seção "Erramos" da Folha já corrigiu quatro vezes o nome, com nove consoantes para três vogais.

TAPA NA PANTERA

Quando começou a aparecer na imprensa, nos anos 1990, recebeu o aposto de "o estilista da Márcia Pantera". Drag queen que reinava em inferninhos paulistanos, Pantera hoje tem 43 anos e continua batendo ponto (e cabelo) em boates como a Nostro Mondo, na rua da Consolação, onde Alexandre a conheceu.

"Ele falou que gostava de mim e que queria me fazer uma roupa. Pensei: 'Tá boa que essa bicha vai fazer roupa para mim?!'", lembra Pantera. Pois fez um macacão de renda branca. E depois mais 300 peças, das quais só restam 15.

"Passei uns anos perdida na noite. Deixei de falar com ele. Tinha vergonha do que eu tava fazendo. O Alê é caretíssimo."

Na sua única loja em São Paulo, nos Jardins, ele conta que quis criar um modelo para um travesti de quase dois metros de altura para "vestir uma pessoa interessante, diferente das amigas que usavam minha roupa". A conversa é interrompida por um barulho vindo do andar de baixo. "Eles precisam falar tão alto?", pergunta em voz baixa para o coordenador de marketing da marca, que desce para ver a razão da balbúrdia.

Ao voltar, Daniel Raad diz: "É ela". "Ela quem?", pergunta o estilista. Márcia Pantera em pessoa, que passou para ver como anda o figurino do show de comemoração dos seus 25 anos de carreira. O estilista não faz menção de pedir que a musa original suba para encontrá-lo. Tampouco desce para recebê-la.

Depois de começar a vestir Pantera, a clientela abundou e desbundou, conta a família. "Era um tal de garota de programa ligando aqui em casa", diz Regina Herchcovitch, 67, que cedeu a sala do apartamento no Sumaré, onde ainda mora, para o ateliê do primogênito.

A casa já era de moda antes disso. Dona Regina tinha uma confecção de lingeries, depois de ter deixado a carreira no banco. Era do seu estoque que o filho se nutria. "Quando eu fazia roupa de renda, não é que fosse um fetiche. Era o material que eu tinha em casa", conta ele.

"Eu tava assistindo ao 'Jornal Nacional' e passava uma prostituta na frente da TV, entrava no meu quarto e ia usar o espelho, para ver como a roupa tinha ficado", conta Benjamin Herchcovitch, 68, engenheiro, pai e ator -ele atuou como pai de Alexandre num seriado da HBO neste ano, em que o filho interpretava... um estilista homossexual e judeu.

PAGANDO BEM...

Mas a ideia não era vestir só criaturas da noite. Alexandre queria estudar fora. Com 14 anos, começou a juntar dinheiro vendendo lenços, camisetas e mochilas. Ainda menor de idade, viajou a Nova York e pediu uma entrevista na renomada escola de moda Fashion Institute of Technology, onde queria se formar.

"Disseram que, para ir para lá, eu precisaria estar na faculdade aqui." Passou pelo curso de artes plásticas da Faap antes de descobrir que existia a graduação em moda na faculdade Santa Marcelina. Mudou de curso, mas saiu pouco antes de terminar, quando começou a pegar trabalhos grandes.

"Quando eu estava para me formar, o Paulo Borges me chamou para fazer um desfile no Phytoervas Fashion." Era 1994, e ele foi um dos três costureiros a estrear o evento que viria a se tornar a São Paulo Fashion Week.

Há uns dez anos ("por aí, não lembro bem"), prestou vestibular de novo. "Achei que não ia passar." Passou, fez a matéria de linguagem instrumental que faltava no currículo e se formou.

A família apoiou o estilista, na profissão e em decisões pessoais. A mãe foi convencida pelos filhos, ainda adolescentes, a fazer uma tatuagem. Os três foram juntos, e cada um tatuou um inseto na mão. Ao chegar em casa, esperavam o ralho do pai. Não veio e hoje Benjamin tem uma caveira, parecida com o símbolo da marca, tatuada em cada braço.

A progenitora e o irmão mais novo, Arthur, começaram a trabalhar para o estilista em 1994. Mas a família foi afastada da marca depois que o conglomerado InBrands o arrematou, em 2008, por um número de milhões não revelado. "Não era esperado. Eu tinha trabalhado com o Alê desde o começo", diz a mãe. "Mexeram muito na empresa que já existia. Hoje, vejo que não precisava ter sido assim", diz ele, que chegou a ter 30% de sua marca antes de se desfazer de toda propriedade que leva seu nome.

Alexandre Herchcovitch vende. E também empresta seu nome a produtos de cama, mesa e banho. Em 15 anos de licenciamento, já foi marca de isqueiro, de band-aid, de óculos, de caderno, de mochila, de skate, de celular. No total, sua equipe produz 1.500 itens por ano, calcula. Não sabe o quanto é roupa e o quanto é o resto. "Já fiz produtos só pelo dinheiro, é claro, não vou mentir."

Mas não é qualquer proposta que o convence. "Eu digo mais não do que sim", afirma. E não tem medo de banalizar a marca. "Cheguei a pensar que [o mercado] saturava, mas não parei." Ainda sonha criar azulejos, um carro e um hotel.

Licenciar significa dinheiro para a grife, e ele tem metas de faturamento para bater. Vem conseguindo. Depois de cinco anos como diretor criativo da marca que leva seu nome, seu contrato chegou ao fim neste ano. Foi renovado. "Aprendi a negociar." No começo, era a mãe que pegava o telefone para dizer o preço das peças para os clientes. "Eu ficava com vergonha e pedia menos. Hoje, sei cobrar bem. Sei o meu valor."

FUNCIONÁRIO DE SI MESMO

Desde que virou funcionário de seu próprio nome, ele diz trabalhar menos. Chega ao escritório às 8h. Almoça ao meio-dia. Às cinco da tarde, começa a pensar: "Já posso ir embora?" Parte e deixa a equipe de sete pessoas, que usam a mesma caneta que ele, para os desenhos ficarem semelhantes uns aos outros.

"Não é complicado ser chefe", garante.

Um ex-subordinado ensina que o silêncio desse chefe diz muito. "Quando ele gosta de algo, retorna rápido, falando que tá lindo. Se passou um dia e ele não respondeu, pode sentar e recomeçar o trabalho, pois não está bom. Mas isso não vai ser dito explicitamente."

SEM DILMA

"Por favor, não corta aqui embaixo. E depois dá uma aparada na sobrancelha?", pede o estilista ao barbeiro que poda sua barba, numa sala privativa do salão de Celso Kamura, na rua da Consolação. Os dois se conheceram num concurso de Miss Travesti Brasil há 20 anos. Kamura, 54, faz os cabelos e a maquiagem de seus desfiles até hoje.

A dupla foi escalada em 2010, pelo marqueteiro João Santana para cuidar do visual da então ministra Dilma Rousseff, que se candidataria à presidência. Enquanto Kamura vai ao Palácio do Planalto uma vez por mês, até hoje, navalhar os cabelos da presidente, a parceria com o estilista mirrou.

Não foi falta de empenho, ele garante. Alexandre voou até Brasília, pegou peças do guarda-roupa dela e as reproduziu, "com poucas modificações". "Fiz um par de camisas, umas duas calças e mais outras peças. Ela nem provou nada."

Já Kamura define sua fama como AD/DD (antes de Dilma e depois de Dilma). "As pessoas me reconhecem na rua agora. Fui para o interior da Bahia uma vez e vieram me perguntar se eu era eu. É babado!" Alexandre não lamenta o que poderia ter ganhado com a parceria. "Ela não quis, eu sei que fiz um bom trabalho."

Diz lidar bem com a rejeição, assim como tira de letra críticas ruins."Não me afeta." Dá como exemplo uma crítica de Gloria Kalil, que havia considerado "infantis" as modelagens da temporada de junho de 2004, inspiradas em bonecas russas. "Foi a coleção que mais vendeu até agora."

Se tivesse olhado para o lado no salão de Celso Kamura, teria visto a própria Gloria Kalil, esperando para fazer uma escova. "O Alexandre é um criador, não só um estilista. É um desestabilizador. Propõe o inesperado. O esquisito."

Trajetória similar à do estilista inglês Alexander McQueen, que se suicidou em 2010, aos 40 anos. As semelhanças não param no nome, na idade e no fato de os dois terem adotado a caveira como símbolo, acredita. "A gente estava na faculdade no mesmo período. E chamavam os dois de 'enfant terrible'."

"Oublions l'enfant!", sentencia em francês Gloria Kalil. A frase quer dizer "esqueçamos o menino". Mas o terrível fica. "Ele não é mais menino. Cresceu."

Fez parte do processo de crescimento sossegar o facho. Conhecido como o estilista dos clubbers na década de 1990, ele não é mais da noite. "Nem na década de 1990 eu saía muito. Era uma vez por semana, talvez duas." Hoje, nem isso.

Sua diversão é viajar. A negócios, vai para Nova York ao menos duas vezes por ano, para a semana de moda onde desfila e para arejar o apartamento que comprou lá. Ruma uma vez por ano para Tóquio, onde teve uma loja que fechou em 2011. Mas diz que só relaxa mesmo quando vai para uma praia deserta. "É o único momento em que não trabalho."

Sua antiga companhia de diversão não está mais lá. Ele e o DJ Johnny Luxo foram o Batman e Robin da moda brasileira. Johnny era modelo nos primeiros desfiles do amigo. Quando Alexandre foi eleito pela Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) o melhor estilista de 2000, subiram os dois no palco: o estilista num escarpim rosa salto quatro e Johnny numa bota de salto 18.

"Não o vejo mais porque a vida dele tomou outros rumos. O Alexandre continua com a loja, os 50 mil licenciamentos dele e o namorado", diz Johnny.

Namorado, não: marido. É assim que o estilista se refere a Fábio Souza, 36, dono do brechó À La Garçonne, que reabriu na rua Oscar Freire, no último 15 de junho.

Os dois estão juntos há sete anos e moram numa cobertura em Higienópolis. Fizeram contrato de união estável em 2010, num cartório da praça da Sé. Têm cinco cachorros de pequeno porte. Dois são "chinese cresteds", raça que ganhou o concurso World's Ugliest Dog (cão mais feio do mundo) de 2003 a 2005.

O casal planeja agora uma festa de casamento no sentido estrito do termo. Fábio já fez uma lista. Alexandre negocia para reduzir a um jantar. -"E tá bom, né?"

O estilista perdeu dez quilos nos últimos meses, cortando doces e porções. E acabou de fazer uma nova tatuagem, uma versão estilizada dos ossos da mão direita. Como se o esqueleto estivesse se pronunciando sobre a pele. Estaria ele virando a caveira que escolheu como logomarca? "Não é por causa da marca."

O crânio tampouco tem a ver com a cena clássica de "Hamlet", de Shakespeare. Nasceu no clube A Hebraica, da comunidade judaica paulistana. "Tinha uns 15 anos, e encontrei o [hoje stylist] David Pollak. Ele disse que queria uma camiseta de caveira. Eu fui e desenhei a caveira." Identidade por encomenda. "Não é assunto para análise. Ainda uso como estampa porque vende bem."

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