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Serafina

'Voltar à cozinha é um ato político', diz jornalista Michael Pollan, atração da Flip

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A geladeira de Michael Pollan não tem Coca-Cola, margarina nem leite de amêndoas, nova mania das dietas americanas. Tem saquinhos de plástico com verduras e frutas, potes com feijão e restos do jantar anterior, além de iogurte e leite de caixinha.

Algumas coisas vêm da própria horta, montada na frente de sua casa em Berkeley, na Califórnia. No centro da pequena plantação, rodeada por pés de tomate, abóbora e manjericão, há uma grelha onde ele costuma preparar um porco inteiro uma vez por ano.

Atravesso o jardim para chegar em sua cozinha, onde ele me serve chá verde e damascos frescos tirados do pé. Sentamos para conversar na sala de poucos móveis, sem televisão, com um janelão com vista para a baía de San Francisco.

Leo Eloy

Michael Pollan é um jornalista americano de 59 anos que virou guru da vida saudável ao passar os últimos 15 anos escrevendo reportagens e livros sobre os exageros da indústria alimentícia e alertando sobre nossos excessos à mesa. "Coma comida, não muita, sobretudo vegetais", diz seu mantra, explicado no livro "Em Defesa da Comida" (2008), que critica as dietas ocidentais focadas em nutrientes e não em alimentos de verdade.

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Ele também lançou o manual "Regras da Comida" (2009), com 64 dicas bem práticas e cheias de bom senso como: "Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida" ou "Compre pratos e copos menores".

No livro mais recente, "Cozinhar - Uma História Natural da Transformação" (ed. Intrínseca), lançado em 2013 nos EUA e agora no Brasil, ele vai além e pede um comprometimento maior em nome da saúde. Diz que devemos todos voltar à cozinha. Para quem cresceu longe do fogão, parece ser seu conselho mais difícil.

"Cozinhar sua própria comida é um ato político muito importante", diz Michael, um homem alto e charmoso, de fala mansa e risada fácil. "Tem a ver com independência e autonomia. Abrimos mão de muito poder ao deixar as grandes corporações cozinharem para nós porque elas decidem quais fazendas vão apoiar e, normalmente, são bem aquelas que fazem um tipo de agricultura que certamente você desaprovaria", diz, fazendo referência a práticas como confinamento cruel de animais e monoculturas gigantescas.

OVOS, UM BOM COMEÇO

Digo a ele que eu não cozinho, nem minha mãe, e ele quer saber como fui alimentada. Empregadas domésticas que também fazem comida são comuns no Brasil, afirmo. "Pelo menos, era um humano cozinhando para você, isso é bom. Pena que nem todos têm esse privilégio", diz. "Ovos são um bom começo", ele elogia, quando conto que sei fazer omelete.

Um dos problemas de cozinhar, acredita o jornalista, é a lembrança dos velhos arranjos sexistas de poder dentro de casa. Para ele, foi justamente quando homem e mulher começavam a pensar em negociar a divisão de tarefas domésticas que a indústria do fast-food apareceu para resolver o embate. A "liberação feminina" virou tema de propaganda de frango frito nos EUA.

Anderson Rodriguez e Luciano Schmitz

"Se vamos reviver a cultura da cozinha, não podemos voltar ao passado. Precisa ser uma cultura diferente, algo a ser compartilhado por homens, mulheres e crianças", diz o autor de "O Dilema do Onívoro" (2006), seu primeiro livro sobre a indústria alimentícia, que o lançou como um novo pensador dos hábitos alimentares.

O livro veio depois de uma série de artigos sobre agricultura, como um publicado pelo "New York Times", no final dos anos 1990, sobre sua visita a uma plantação de batatas geneticamente modificadas. Tudo era controlado por computador porque um dos elementos químicos usados para combater manchas escuras era tão tóxico que o fazendeiro precisava ficar longe do campo por três dias.

As manchas só apareciam nas batatas daquela variedade, a única que a rede McDonald's aceitava comprar, já que as batatas fritas da rede precisam ser iguais no mundo todo. "É fácil culpar o fazendeiro, mas nós demandamos um certo tipo de produto. Somos cúmplices."

MÃO NA MASSA

Para o último trabalho, que apresentará na Festa Literária Internacional de Paraty (sua mesa acontece no dia 1º/8), Michael resolveu colocar a mão na massa e aprender a fazer comida com profissionais, aprofundando seus conhecimentos básicos. Durante três anos, ele se dedicou à arte de cozinhar com os quatro elementos, que dão nome aos capítulos do livro: fogo (churrasco), água (vegetais e ensopados), ar (pães) e terra (fermentos, cerveja).

No primeiro capítulo, ele nos leva ao Estado da Carolina do Norte, nos bastidores enfumaçados do restaurante Skylight Inn, onde uma família de "churrasqueiros fundamentalistas" usa fogo a lenha (nunca carvão), tradição mantida desde os anos 1830.

Para aprender a fazer pão, recorreu ao livro e aos entusiastas online do padeiro e surfista Chad Robertson, criador do cultuado "tartine", um pão de casca grossa e sabor forte que leva duas semanas para ficar pronto. "Fiz um monte de pães ruins antes de acertar a mão. Foi bem frustrante. E, quando tentei fazer meu próprio queijo em casa, foi um desastre", diz.

O escritor ainda prepara uma leva de cervejas por ano, ao lado do filho único, Isaac, 21, que estava em casa de férias da faculdade. "Ele sempre vem com umas receitas malucas de cerveja. Agora, quer fabricar uma com sabor de castanha de caju com mel. Parece horrível, mas vamos tentar."

Michael conta que muitos de seus interesses em comida vieram justamente da dificuldade em alimentar o filho quando criança. Dos três aos dez anos, ele só comia arroz e pão brancos, pasta sem molho e batatas assadas. Até que uma chef famosa amiga deMichael, Alice Waters, defensora dos orgânicos e do movimento "slow food", convidou Isaac para trabalhar, durante as férias de verão, no seu badalado Chez Panisse, em Berkeley, que já recebeu o Dalai Lama e é frequentado pelo ex-presidente Bill Clinton. Foram três verões consecutivos, dos 13 aos 15 anos, e uma mudança radical na mesa. "Alice me disse: 'Ele precisa aprender a cozinhar'. E ele amou. Preparar os alimentos o ajudou a desmistificar a comida", diz.

Leo Eloy/Estúdio Garagem

CAÇA AO LEGUME

Suas primeiras experiências culinárias remontam ao círculo familiar. Desde os oito anos, Michael gostava de cuidar de hortas, quando morava em Long Island (Nova York) e vendia o que produzia para sua mãe.

Ele aprendeu o ofício com o avô materno, um imigrante russo, produtor e distribuidor de vegetais e frutas. "A gente não se dava muito bem. Ele era muito conservador e me achava um hippie. Mas concordávamos quando o assunto era a horta, isso nos unia."

"Amo colheita desde aquela época. É uma caça ao tesouro. Você entra no meio do verde e, de repente, começam a saltar coisas lindas, amarelas, vermelhas. São coisas de valor", diz ele, que costuma correr para manter a forma e foge das modas de ingredientes e dietas.

A mais nova tendência na Califórnia é comida fermentada, como chucrute e kimchi (prato coreano de vegetais e mil temperos), potencialmente ricos em probióticos, benéficos para a flora intestinal. "Ainda não temos informação suficiente para deixar que os cientistas nos alimentem", rebate.

Quando nos encontramos, ele estava animado com sua primeira viagem ao Brasil. Pretendia passar alguns dias em Salvador antes de ir ao Rio e à Paraty para a Flip. Estava feliz com o encontro que tinha marcado com o médico brasileiro Carlos Augusto Monteiro, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP que desenvolve pesquisas comparando comidas pelo seu grau de processamento e não apenas pelos nutrientes.

Está curioso para conhecer as churrascarias: "O gado ainda pasta ao ar livre?", indaga. Michael é daqueles que, antes de pedir, quer saber a origem da carne. "Comer é complicado."

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