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Serafina

Piscina onde biquíni estreou e Tarzan foi salva-vidas vira hotel em Paris

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Se Molitor fosse uma atriz, ela seria Brigitte Bardot. Se fosse uma cantora, Edith Piaf. Se fosse protagonista de um romance, teria muita chance de ser Madame Bovary. Como é uma piscina, está limitada a ser uma protagonista muda e molhada da cultura francesa e a ter que permitir que outros contem sua história por ela.

Como toda diva que se preze, Molitor teve uma vida cheia de glamour e decadência. Foi inaugurada em 1929 pelos nadadores olímpicos Aileen Riggin e Johnny Weissmuller -ele, após uma temporada como salva-vidas, viraria um dos primeiros Tarzans do cinema.

Quando Molitor nasceu, o biquíni, um clássico dentro e fora de suas semelhantes, ainda não havia sido introduzido à sociedade. Aliás, foi nela mesma que o transgressor modelito duas peças se exibiu em público pela primeira vez, em 1946, no corpo de Micheline Bernardini, dançarina do Cassino de Paris.

Daí para a piscina virar um ícone fashion, foi um salto. Logo, ela começaria a sediar apresentações de moda praia e concursos como o da "nadadora mais linda", que atraíam multidões para assistir aos desfiles de moças -quase todas já de biquíni.

A piscina que, na verdade, são duas (uma aberta, outra coberta) era ponto de encontro da sociedade banhista parisiense no verão e se transformava em rinque de patinação no gelo no inverno.

Complexo aquático mais emblemática de Paris, ela ainda virou protagonista de um romance canadense passado no Oceano Pacífico, supostamente plagiado de um brasileiro e cuja versão para os cinemas rendeu ao seu diretor taiwanês um Oscar. Se Molitor não é a personagem principal de "As Aventuras de Pi", é quase como se fosse.

TOPLESS

No filme, dirigido por Ang Lee, assim como no livro que deu origem a ele, escrito por Yann Martel, o protagonista, um garoto indiano, ganha seu nome em homenagem à piscina favorita de um grande amigo da família, Mamaji, que foi campeão de natação: é batizado de Piscine Molitor Patel (de onde vem o apelido Pi).

"Aos olhos de Mamaji [...], aquela era a glória aquática de Paris, aliás, de todo o mundo civilizado", explica Pi no livro. Mamaji então complementa: "Era o tipo de lugar em que os deuses adorariam nadar. Havia duas piscinas, uma a céu aberto e a outra, coberta. Ambas tão grandes quanto dois pequenos oceanos. [...] A água era tão limpa e clara que dava para ser usada para fazer o café da manhã".

"Molitor não era como as outras", concorda Frédéric Maynier, 49, outro antigo fã. "Era mais chique, um lugar da moda. Mais do que nadar, as pessoas vinham se ver, paquerar", diz o historiador que "cresceu na Molitor", já que sua família era dona do café Tabac des Piscines, que ficava do outro lado da rua.

Além de nadar por ali, ele também ia ao local servir sucos e refrigerantes aos banhistas. "Aqui, foi o primeiro lugar onde fizeram topless", diz Frédéric, numa informação um tanto difícil de ser comprovada. Certo é que ali a coisa virou moda. "Numa época, havia um lugar reservado só para as mulheres tomarem sol sem a parte de cima."

Isso tudo antes de o local entrar em decadência e Frédéric se ver obrigado a criar a associação SOS Piscine Molitor. Na década de 1980, a diva aquática perdeu seu público e acabou sendo fechada em 1989. Nos anos seguintes, acabou toda grafitada e virou lugar de vadiagem. Não restava quase nada do ícone da art déco parisiense.

Mas, como uma artista relegada ao ostracismo que se vê resgatada por uma nova geração, a piscina teve um revival, virou cult em anos recentes e sediou festas, raves e desfiles de moda, como o de John Galliano, em 2009, com passarela e plateia dentro da piscina, sem água.

A prefeitura, dona do terreno, queria se livrar dela. Mas gente como Frédéric se mobilizou para que virasse um monumento histórico nacional e, assim, não pudesse ser destruída.

Foram 25 anos de um vazio enorme (33 metros na piscina de inverno, coberta; 46 metros na de verão, a céu aberto) até que Molitor fosse reinaugurada em maio, com pompa e guarda-sol.

Com um investimento de 80 milhões de euros (R$ 247 milhões), o grupo Accor fez uma faxina, lustrou o art déco, recuperou o histórico complexo parisiense, pôs 124 quartos com vista para a piscina (mais spa, roof-top e restaurante do chef celebridade Yannick Alléno) e lhe deu o nome de hotel Molitor.

O bairro onde a piscina que virou hotel se encontra, o 16eme, não costuma ser alvo de turistas, mas é lar da "haute société" parisiense e costuma ser comparado com o Upper East Side nova-iorquino e o Chelsea londrino.

Vizinho do Bois de Bulogne, segundo maior parque de Paris, e do estádio de Roland Garros, é indicado para quem quer explorar cantos menos óbvios da cidade, para quem tem tara por piscinas ou por tênis -um de seus eventos inaugurais foi uma apresentação dos tenistas Serena Williams e Rafael Nadal dentro da piscina (vazia).

"PISCINE DE RICHES"

A reportagem de Serafina mergulha sozinha na Molitor de inverno. A piscina de verão é repartida, sem grande esforço, com apenas três senhoras que fazem uma rotina de hidroginástica num cantinho onde dá pé. O problema: a maioria dos franceses que aprenderam a nadar na Molitor não pode entrar ali por questões financeiras.

Hoje, há três jeitos de se banhar: hospedar-se no hotel (diárias a partir de 210 euros, R$ 646), associar-se ao Club Molitor, com apenas mil vagas e custo de 1.200 euros de taxa de inscrição mais anualidade de 3.300 euros, ou pagar uma diária de uso de 180 euros. Nem o presidente da SOS Piscine Molitor virou sócio do clube.

"É muito caro para mim", diz Frédéric, que não culpa o hotel, mas a prefeitura por não ter exigido mais contrapartidas (como maior acesso da população local) na hora de alugar a propriedade por 54 anos para a empresa e um fundo de investimentos.

Um abaixo-assinado na internet, lançado pelo coletivo "Rendez-nous la piscine Molitor" (nos entreguem a Molitor) diz que ela virou uma "piscine de riches" (piscina de ricos) e tenta baixar os preços para torná-la acessível a todos os fãs da diva líquida.

Molitor acaba de voltar aos holofotes e já está cercada de polêmicas. Chamada de "piscine cult", foi listada pelo jornal "Le Figaro" entre os esnobismos parisienses de 2014. Se fosse uma celebridade, seria Carla Bruni ou Léa Seydoux. Mas é apenas uma piscina.

A jornalista viajou a convite da Accor Hotels Brasil.

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