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Serafina

Leis europeias tentam em vão amordaçar 'negadores de Holocausto'

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Os livros da prateleira do alto, escondida na biblioteca dos meus pais, despertaram minha curiosidade desde que aprendi a ler. Minha avó estava proibida de chegar perto das páginas malditas porque, se lesse, meus pais diziam, não conseguiria dormir e ficaria andando pela casa a noite inteira, chorando pelos cantos e arrancando os próprios cabelos como um zumbi desesperado.

Logo, quando ninguém estava olhando, comecei a devorar, obcecado, aqueles volumes censurados.

Livros como "Inferno em Treblinka" (Vassili Grossman) e "...E o Mundo Silenciou" (Ben Abraham) me atraíam muito mais do que a coleção do "Sítio do Picapau Amarelo", de Monteiro Lobato, ou "Meu Pé de Laranja Lima", de José Mauro de Vasconcelos, leituras obrigatórias para quem era criança nos anos 1960. Passava tardes inteiras vidrado com as fotos macabras em preto e branco dos livros sobre o Holocausto.

Com uma lupa, examinava as carcaças humanas derramadas em valas comuns, tentando reconhecer, por entre os cadáveres empilhados, o rosto do mítico tio Herzl, irmão da minha avó, protagonista de muitas histórias que ela contava.

Comunista de carteirinha, tio Herzl, de quem herdei meu nome em hebraico, era um renomado garanhão que tocava balalaica (instrumento de cordas típico da Rússia) nos bailes da Bessarábia, província russa e depois soviética, que hoje fica na Moldova. Em 1942, tio Herzl, junto com todos os judeus do seu vilarejo, foi deportado para o campo de extermínio de Treblinka, na Polônia, onde morreram asfixiados em câmeras de gás.

Bruno Oliveira

Na Europa, onde vivo há quase 30 anos (em Londres há 23 anos, depois de sete anos em Roma), a recente celebração dos 70 anos da libertação do campo de concentração e extermínio de Auschwitz fez aumentar enormemente ""nas redes sociais e nas ruas"" o número e o ímpeto dos que vêm a público negar a existência do Holocausto. Segundo essa tendência, o lobby judaico teria criado a falácia do genocídio para justificar a criação do Estado de Israel e suas decorrentes mazelas.

Em 11 países da União Europeia, existem leis que tentam em vão amordaçar os "negadores de Holocausto". A provocação é considerada um crime punível com detenção. Mas como uma lei pode tapar o ódio com a peneira? Reprimido, o ódio se esconde, se traveste e se inflama. Palavras, por mais absurdas e intoleráveis, não matam ninguém. Aceitar os direitos de expressão dos imbecis é um preço alto que se paga para viver em democracia.

Nascer no Brasil numa família judia é uma mera casualidade. Poderia igualmente ter nascido sunita na Guatemala, armênio no Quênia ou ameba no intestino de uma vaca no Laos.

Cada qual com seus conflitos, medos e paixões, somos todos corpos estranhos. Vivemos bem longe da Alemanha nazista e sem dúvida a herança do Holocausto me faz às vezes sentir um medo do mundo que pode parecer absurdo. Mas, como fazem lembrar os recentes ataques a judeus em Paris e Copenhague, até os paranoicos podem ter inimigos.

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