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Serafina

Germano Mathias, ícone do samba paulistano, faz 60 anos de carreira

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Quem caminha em 2015 pelas redondezas da praça da Sé, no coração de São Paulo, ouve muitas coisas. Os sinos da catedral, os vendedores de lojas populares anunciando a oferta do dia, os pastores evangélicos pregando a palavra do Senhor e, mais à noitinha, uma ou outra dupla sertaneja arranhando alguns acordes nos bares das imediações. Ouvir uma batucada de samba, contudo, é raridade. O samba se mudou.

E se espalhou. Pulverizou-se em quadras de escolas de samba, rodas organizadas em centros culturais, baladas e palcos afins. E, se há 60 anos os engraxates da praça da Sé faziam algazarra na região central com batuques e cantorias, hoje os poucos remanescentes no local costumam exercer a sua profissão mais silenciosa e discretamente.

Pablo Saborido
Cria das rodas de samba de engraxates da praça da Sé, Germano Mathias faz shows e palavras-cruzadas - catedratico do samba#serafina90
Aos 81, Germano se prepara para lançar mais um disco

Junto com o samba, quem também se mudou foi Germano Mathias, 81, antigo frequentador das rodas dos engraxates nos anos 1950. Ele hoje mora a pouco mais de 20 quilômetros dali, em um conjunto habitacional localizado aos pés da Cantareira, na zona norte de São Paulo. É lá que recebe a reportagem de Serafina com um "filé de bule", expressão que de início assusta, mas que no final revela significar um singelo cafezinho.

"Sou do tempo em que Adão era corno", faz graça o sambista, natural do bairro do Pari, na região central da cidade, e que dificilmente deixa passar a oportunidade de troça ou trocadilhos em geral. "Foi lá que minha mãe me pariu".

Ofício (do samba) aprendido com os engraxates (ele costumava se apresentar batucando uma lata de graxa), Germano comemora neste ano seis décadas de carreira, e a efeméride tem data certa. Em 26 de outubro de 1955, o sambista ganhou um concurso de calouros na rádio Tupi. No ano seguinte, a música "Minha Nega na Janela", de sua autoria, estourou nas rádios. Se fosse hoje, a canção provavelmente não faria tanto sucesso.

Em seus pouco mais de dois minutos de duração, "Minha Nega" traz versos ultrajantes ao ouvido do homem contemporâneo, como "Êta nega tu é feia / Que parece macaquinha / Olhei pra ela e disse / Vai já pra cozinha / Dei um murro nela / E joguei ela dentro da pia".

"Era samba de machão. Não dá para tocar uma coisa dessas hoje em dia", admite Germano. "Meu negócio hoje é um humor sem vulgaridades, leve, com alguns toques de malícia".

Depois de "Minha Nega", Germano ganhou o apelido de catedrático do samba e virou expoente do estilo "sincopado", que ele mesmo explica. "Tem divisões ritmicas marcantes, é uma mistura de gafieira com suingue". E faz questão de ressaltar: "Que eu saiba, ninguém mais toca esse ritmo no Brasil".

O sambista ainda compôs alguns outros sucessos, como "Guarde a Sandália Dela", e gravou outros tantos, de bambas como Zé Keti, Nelson Cavaquinho e Adoniran Barbosa. "Todo mundo aí está morto, só sobrei eu", diz, não sem uma pontinha de satisfação.

Pablo Saborido
Cria das rodas de samba de engraxates da praça da Sé, Germano Mathias faz shows e palavras-cruzadas
Germano na Praça da Sé, onde começou a se arriscar no samba, nas rodas de engraxates

Alguns de seus admiradores famosos, contudo, ainda não se foram, a exemplo de Gilberto Gil e João Gilberto.

No final dos anos 1960, a onda da Jovem Guarda varreu o Brasil e Germano, que não gosta de rock -"é uma barulheira, não dá para entender nada"-, foi varrido junto. A carreira estagnou e o músico chegou a trabalhar como oficial de justiça. Desde então, de tempos em tempos, alguém "redescobre" o sambista. Um deles foi o próprio Gil, que em 1978 gravou o disco "Antologia do Samba-Choro" ao lado dele. Ou quase, já que os dois nunca chegaram a se encontrar pessoalmente, seja antes, durante ou depois das gravações.

Em abril deste ano, Germano participou como ator da série "Os Experientes", produzida por Fernando Meirelles e exibida na Rede Globo. No episódio em que atua, sambistas experientes tentam retomar o seu antigo grupo, "Os Atravessadores do Samba".

Não que isso deva mudar os rumos de sua carreira. "Sou uma negação como ator, mas tenho culpa se o Fernando Meirelles tem mau gosto?".

"Inusitado, peculiar e sui generis", são os adjetivos do momento para o sambista. É também o nome do disco que pretende lançar neste ano, baseado em sambas antigos. "Não tem nada a ver com pagode. É samba de morro".

Hoje, Germano já não batuca mais na tampa da lata de graxa nem frequenta o centro da cidade. Apesar de ainda fazer shows -"Não ganho como o Zeca Pagodinho, mas dá para contrabalançar o orçamento"-, o músico deixou de lado a lata, que costumava ser a sua marca registrada, depois que caiu de um palco em uma apresentação em São Luís (MA) e fraturou o úmero.

O centro, seu berço musical e morada por muitos anos, já não inspira ou atrai o sambista. "Só saio de casa para trabalhar. Tenho um medo danado de ser assaltado", conta Germano, um malandro que passa tardes desvendando palavras cruzadas com a ajuda de seus muitos dicionários enquanto assiste na televisão ao "Datenão, ou a um bom futebol".

Se é por influência dos programas policiais ou do baixo nível do futebol brasileiro não se sabe, mas Germano acredita que "o mundo está acabando". O que liga um sinal de alerta no seu instinto de autopreservação. "Precisamos cuidar bem dos velhos", diz Germano.

"Eles são uma raça em extinção".

E cai na gargalhada.

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