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Serafina

Lenda do balé, Marcia Haydée monta primeira coreografia no Brasil

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Depois de passar três dias na Bélgica e um no Chile, onde dirige o Balé de Santiago desde 2004, Marcia Haydée, 78, finalmente desembarca em São Paulo.

Ela está no país para montar "O Sonho de Dom Quixote" com a São Paulo Companhia de Dança. É a primeira coreografia que faz para um grupo brasileiro. "Nunca tinham me convidado antes."

Maquiada ("Se chego sem maquiagem, a companhia entra em pânico"), os cabelos negros presos no longo rabo decavalo, com uma camisa florida e uma echarpe no pescoço, a bailarina, diretora e coreógrafa almoçava em frente a um computador na sede da SPCD, na região central de São Paulo.

Marcia adora navegar na internet. Pão de queijo e água de coco (o almoço), ao lado de feijão preto e quindim (que só consegue no Brasil, "graças a Deus"), são suas comidas prediletas. E viajar... "Adoro. Mas não viagem curta, gosto mesmo é das longas. Nasci numa mala, para viajar, conhecer o mundo". E para dançar, claro.

Marcia se lembra da primeira dança, aos três anos, em uma das férias que passou com os avós em São Lourenço (MG). "Estava só de calcinha e com uma echarpe, tenho mania de echarpe. Tocava uma música no rádio e eu comecei a saltar e a rodar, como uma Isadora Duncan. Foi assim que tudo começou."

Mais de 40 anos depois, o coreógrafo francês Maurice Béjart fez, especialmente para Marcia, a coreografia "Isadora II" (1983), inspirada na vida e na obra libertárias de Duncan, espécie de mãe da dança moderna.

Béjart foi um dos vários coreógrafos famosos que criaram especialmente para Marcia. A lista é enorme: Marquês de Cuevas, John Cranko, Jiry Kylián, John Neumeier, Ismael Ivo...

O primeiro foi o Marquês de Cuevas. Marcia mudou-se para Paris em 1957, a espera de uma vaga inexistente no balé do marquês. Ficou quase um ano lá, "esperando e engordando". Quando surgiu a vaga, Cuevas não quis contratá-la. Ela não aceitou.

"Disse ao marquês: 'Foi o senhor quem me mandou vir para cá, fiquei um ano sozinha, ansiosa, comendo pão porque não tinha dinheiro para comer direito, e agora estou gorda. A culpa é do senhor'." Ganhou uma chance. E ficou na companhia até a morte do marquês, em 1961.

O problema com o peso foi circunstancial para Marcia, que afirma ser exagero a ideia que as pessoas têm sobre a pressão para uma bailarina ser magra. "Balé não é sofrimento. Sacrifício seria a minha vida se eu não pudesse dançar."

Em 1961, quando fez uma audição para entrar no Stuttgart Ballet, então dirigido por Jonh Cranko, ele imediatamente a contratou como primeira-bailarina. Marcia, que sempre dizia para sua mãe que queria ser a maior bailarina do mundo, pensou: "Chegou a minha hora." Por 13 anos, ela foi a primeira-bailarina de Cranko no Stuttgart, para depois se tornar diretora da companhia entre 1976 e 1996.

Além dos coreógrafos, a carreira de Marcia é marcada por seus parceiros na dança. Com Rosella Hightower, descobriu onde queria chegar. Com Jorge Donn, entendeu o que era o carisma, e com Rudolf Nureyev, o domínio da técnica.

Mas, para Marcia, acima de todos os monstros do balé está Richard Cragun. Eles contracenaram pela primeira vez em 1965, quando já formavam um casal, no "Romeu e Julieta" de Cranko. Formaram uma das mais longas parcerias da história da dança, além de viverem juntos por 16 anos, até 1977.

"Com Ricky, eu não tinha receio de fazer nada. Não poderia ter feito minha carreira sem ele. Foi meu melhor amigo e parceiro até o dia de sua morte." Cragun morreu em 2012, aos 67 anos, no Rio -ele veio morar no Brasil em 1999.

O fim do relacionamento foi amigável, mas difícil. "Eu não queria, foi ele que decidiu seguir outra vida e se assumiu homossexual. Logo depois da separação, continuamos juntos só profissionalmente. Depois, retomamos a amizade. Não acredito em relações cortadas, quando morrer não quero deixar nem um restinho não resolvido."

PAUSA PARA RESPIRAR

Marcia faz ioga todos os dias, desde os 19 anos, e diz ter hoje o melhor mestre do mundo: seu marido, o alemão Günther Schoeberl, 58. Foi a ioga, acredita, que lhe deu a melhor dança e a carreira tão longa -além de dirigir balés, Marcia chegou aos 70 ainda subindo ao palco para dançar.

"Se você respira direito e tem confiança em seu corpo, ele te ajuda. Muitos bailarinos ficam tão preocupados com a perfeição técnica que se esquecem de respirar", diz.

Perfeição, para ela, não existe. "Seria 'boring', entediante. Interessante é como você maneja suas imperfeições."

Além de aprofundar a prática da ioga, o casamento com o professor, em 1996, fez Marcia dar uma parada de dois anos na carreira. "Fiz tudo o que nunca tinha conseguido fazer. Andei de moto, escalei o Himalaia, fui para Índia, aprendi a cozinhar, tomava cerveja depois da sauna. Conheci a vida de uma pessoa normal."

DOM QUIXOTE

Com o mesmo rabo de cavalo e outra echarpe de sua coleção, nestas últimas semanas Marcia passa os dias ensaiando os bailarinos da SPCD para a estreia de "O Sonho de Dom Quixote", no dia 12 de novembro. Ela sempre quis fazer a obra, coreografada em 1869, por Marius Petipa, para o Bolshoi.

"Acho que o balé clássico nunca vai desaparecer e nem deve, mas que, sim, você tem que pegar o clássico e dar uma pequena reviravolta. Eu, com meu Quixote, fiz uma reviravolta muito grande."
A começar pelo cavaleiro criado por Cervantes, que no balé de Marcia perde a marca de "triste figura". "Eu queria um Quixote lindo, alto e louro, que tivesse essa loucura do personagem e que fosse bom bailarino."

Depois da estreia no Brasil, Marcia volta a remontar "Bela Adormecida" com uma companhia belga. No Balé de Santiago, deve ficar até 2017, quando passa o bastão ao próximo diretor.

A partir daí, não tem planos. "Deixo que a vida me diga o que é melhor. Todo dia, ao me levantar, a primeira coisa que penso é que o melhor ainda está por vir." Mas, se puder, quer parar de dirigir companhias. "Na direção, você perde muito tempo com a burocracia. Nos anos que eu ainda tenho para viver e trabalhar, quero dedicar meu tempo passando tudo o que aprendi para os outros bailarinos." E voltar aos palcos? "Não digo que não vou voltar a dançar, mas não está no horizonte."

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