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Serafina

Colunista relata mal-estar com noticiário atual e a vida que segue

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Paddington, Londres, 6h30 da manhã. As seis telas de televisão na parede em frente às esteiras da academia de ginástica estão sintonizadas em telejornais de diferentes canais.

Foram colocadas ali para me distrair dessa tortura autoimposta que é correr meia hora todas as manhãs. Mas o efeito é o oposto: as imagens dos noticiários me fazem sentir o mesmo pânico que senti quando era criança e fui pela primeira vez ao trem fantasma do Playcenter. Parece que vivemos num mundo condenado à destruição.

Na BBC, líderes europeus aparecem em Davos aterrorizados e amedrontam o público: a União Europeia se despedaça sob uma invasão de hordas bárbaras! Refugiados são retratados ora como os estupradores pervertidos do Réveillon de Colônia, ora como potenciais homens-bombas —ou então como masoquistas que insistem em morrer nas águas geladas do Mediterrâneo junto com seus filhos por pura vocação; na ITV, o colapso simultâneo de todas as bolsas, esmagadas pela crise chinesa, ameaça levar o mundo inteiro a uma crise financeira muito pior da que ocorreu em 1929; na Sky News, um ecologista vesgo prevê, ainda neste século, a extinção maciça dos peixes por causa da pesca excessiva, poluição e aquecimento global.

Ilustração/Caco Neves
Henrique Goldman --- Serafina 94

Desacelero um pouco a esteira e tento me acalmar. Mas logo lembro que ontem à noite li um artigo sobre um outro grande potencial cataclismo: o enfraquecimento do escudo magnético que protege a biosfera dos efeitos nocivos da radiação solar ameaçará todas as formas de vida na terra em 2020.

E olha que a "desgrameira" nacional quase nunca chega às televisões da Europa. Não tem Vale do Rio Doce, Lava Jato ou manifestação contra a alta da tarifa que valha uma mísera nota. Ah, mas olha aí! A BBC agora está mostrando uma reportagem sobre a epidemia do vírus zika! A ênfase, porém, é mais nos três britânicos infectados do que nas crianças brasileiras microcéfalas.

Meu batimento cardíaco está meio baixo. Aumento a inclinação da esteira para não dar moleza. Das 50 cidades mais violentas do mundo, 21 estão no Brasil. Ano passado, nossa polícia matou em média oito pessoas por dia. Em 2014, tivemos 58.000 mortes violentas —número digno de países em guerra.

Depois de dez minutos e um quilômetro e meio de corrida, tenho a certeza de que o mundo está realmente acabando.

Desligo a esteira e vou tomar um farto café da manhã, lembrando-me das duas frases lacônicas que Franz Kafka escreveu em seu diário na manhã de 2 de agosto de 1914, dias após o início da Primeira Guerra Mundial: "Alemanha declara guerra à Rússia. Natação de tarde''.

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