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Serafina

Artista, poeta, joalheira e muito mais: Mana Bernardes é muitas em uma

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Mana Bernardes não leva mais de 30 minutos para preparar o almoço em sua casa, no Alto da Boa Vista, um bairro nas proximidades da floresta da Tijuca. Comer fora não é uma opção para a artista, que realizará a sua primeira grande exposição individual em setembro, no MAM-RJ. O tempo está chuvoso e a casa de Mana fica relativamente distante do que o imaginário popular entende por "cidade" do Rio de Janeiro, ou seja, os calçadões e praias da zona sul que costumam estrelar novelas da Rede Globo.

Mas nada disso é problema para Mana. Na verdade, ela tem evitado comer em restaurantes. "Custa caro e não é muito saudável", diz. Em cerca de meia hora, a boia está servida: quiabo no vapor com molho de missô, saquê e açúcar-de-coco, inhame no vapor com uma pasta verde de sua criação, salada de nabo com beterraba crua e ovos orgânicos sobre espinafre e alho-poró com raspas de limão e azeite. De sobremesa, uma espécie de Danoninho quente, feito com morango, macadâmias e tâmaras.

Alexandre Sant'Anna
Mana Bernardes --- Serafina 94

Se Mana não fosse joalheira, poeta, artista plástica, designer de objetos, ativista social, escultora, performer e videomaker, ela sem dúvida poderia se tornar cozinheira. Não que isso esteja totalmente fora dos planos da multitarefa.

Enquanto se serve em pratos e travessas de sua autoria (a louça é desenhada por ela e faz parte de uma coleção que desenvolveu para a gigante dos móveis Tok&Stok), ela revela que tem algumas ambições nesse sentido. "No lançamento da coleção, perguntaram quem iria fazer o bufê do evento. Eu pedi para que fosse eu. Cozinhei para 200 pessoas no Rio e outras 200 em São Paulo".

A nova coleção de Mana para a rede varejista, chamada Livro em Louças, estampa a sua poesia em objetos que vão de aventais a guardanapos, passando por vasos e toalhas de mesa. Dentro do catálogo da coleção, a poeta apresenta algumas de suas receitas culinárias. "Eu vivo de fazer o que nunca fiz", sintetiza a artista. Mas talvez fosse mais acertado afirmar que Mana vive de mostrar ao mundo o que sempre fez.

Quando criança, aos 7 anos, ela já fazia joias com o uso de materiais reciclados. Garrafas PET, colheres plásticas de café, tampas de caneta Bic, qualquer coisa que caísse em suas mãos. Aos 12, já vendia seus produtos para lojas do Rio de Janeiro. O tempo, contudo, não mudou a essência de sua joalheria. Nada de ouro, prata ou pedras preciosas. Tudo ali é de segunda mão, embora ela prometa algo "exuberante" para a sua próxima coleção de joias. "Serão peças grandes, caras e únicas."

No universo da poesia, a faceta de garota prodígio também está presente. Em um dos quartos da casa, pilhas e pilhas de folhas contendo poemas escritos pela artista ao longo de quase 20 anos se amontoam em pastas muito bem organizadas.

"A escrita para mim sempre foi algo meio mediúnico", diz. "Ia escrevendo enquanto as palavras apareciam." No seu caso, a poesia é absolutamente indissociável de seu processo de escrita. Isso porque seus poemas são publicados sempre com a sua caligrafia. Segundo o músico e poeta Arnaldo Antunes, Mana não escreve, mas sim "desenhescreve".

Para a escritora e professora de teoria crítica da UFRJ Heloisa Buarque de Hollanda, os poemas de Mana não são fatos simplesmente literários. "Essa poesia não se esgota no texto", escreve.

Apesar de escrever desde sua adolescência, a verve literária da carioca só ganhou o mundo em 2011, quando ela lançou o livro "Mana e Manuscritos". "Já fazia poesia há muito tempo, mas era algo completamente engavetado para mim", lembra Mana. "Há dois anos, eu só dava entrevistas para falar de joias."

"E eu não sou uma pessoa de desenho. O meu primeiro passo para qualquer criação, de um objeto até uma escultura, não é desenhá-lo, mas fazer uma poesia sobre ele", conta. "Sinto que as coisas que eu faço precisam fazer parte de um sistema como um todo."

REALPOLITIK

O curioso "sistema Mana" faz com que seja mais provável que se encontre suas poesias em pratos e xícaras do que propriamente em livros. E o público pode não perceber, mas, segundo a artista, o que
ela faz ali é essencialmente político.

"Quando era criança eu achava que ia mudar o mundo com uma ação social", lembra. "Depois de me assumir poeta, percebi que a primeira mola de mudança para nossa situação atual é a sensibilização. E não existe instrumento melhor para sensibilizar do que a poesia".

A política também está na escolha das parcerias que divulgam seu trabalho. Além das coleções que desenha para a Tok&Stok, Mana já trabalhou, direta ou indiretamente, com multinacionais como a Nike e a Coca-Cola.

"Eu acredito que a grande revolução que podemos fazer no século 21 é por dentro das grandes empresas", explica, sem poupar críticas aos conglomerados. "Gosto de ajudar as grandes empresas a devolver alguma coisa de interessante para o mundo. Elas são responsáveis por esse lugar de entupimento em que a gente chegou. E quais são as instituições mais poderosas do mundo que podem nos ajudar a limpar a merda a que chegamos? São elas mesmo!".

"Durante muito tempo não quis aceitar nenhum patrocínio de empresa, nem me vincular a nenhuma marca", diz. "Mas hoje eu sei o que eu faço. Tenho muita segurança disso e sei a quem ajudo."

Essa ajuda a que Mana se refere passa pelo que ela chama de "design de processos". Segundo a artista, os objetos que ela desenvolve são secundários. "Minha grande missão no mundo é promover o desenvolvimento autoral feminino", explica.

Para fazer isso, na maioria das vezes Mana desenvolve seus projetos, sejam eles quais forem, junto com mulheres de comunidades pobres do Rio de Janeiro, como a Cidade de Deus ou a comunidade rural do Vale Encantado.

É com essas últimas que ela trabalha no momento em um projeto para uma praça pública do Rio de Janeiro. Patrocinada pela Nike, Mana foi comissionada para construir uma escultura de bambu que "colocasse as pessoas em movimento". "Não quero que essas mulheres apenas executem a minha obra", conta. "Quero que elas desenvolvam alguma coisa delas, algo que fique depois de mim."

"Oitenta por cento das mulheres com que trabalhei no Brasil tem a mesma história. São oprimidas por maridos machistas, mesmo trabalhando o triplo do que eles", conta. "A minha obra, na verdade, é o desenvolvimento humano."

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