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Serafina

Cineasta se depara com um pedaço dos EUA na capital mais jovem do Brasil

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Estou há dois meses imerso no imenso laboratório de Brasil contemporâneo que é Palmas, Tocantins, a capital estadual mais nova de nosso país disfuncional e profundamente amnésico.

Fundada em 1989, esta nova Brasília da era da internet acolhe de braços abertos imigrantes de todas as partes, gente com espírito empreendedor, como o prefeito colombiano da cidade (Carlos Amastha) ou o vaqueiro que vivia numa fazenda perto de Uberaba e -em vez de ir para os Estados Unidos fazer faxina com os irmãos- abriu uma barbearia jeitosa ao lado da loja de conveniências de um posto de gasolina. Hoje ele se orgulha de ser o membro mais rico da família. A América é aqui.

Caco Neves
Ilustração para a coluna de Henrique Goldman Zooropa de junho/2016

Vasculho a cidade em busca de locações para fazer um filme (sim, em parte financiado com dinheiro proveniente de cofres públicos porque nós cineastas somos vagabundos desqualificados. Mas agora com o governo Temer botando ordem na casa vamos finalmente aprender uma merecida lição...).

Há bairros inteiros de classe média com casas idênticas, sem uma única árvore para lembrar que estamos no Cerrado. As casas não têm fachadas. São escondidas por muros altos com cercas eletrificadas porque vive-se com medo da própria sombra. Por dentro também são iguais, sem um móvel antigo que pertenceu à avó, sem livros, revistas ou qualquer material impresso -é como se Gutenberg nunca tivesse nascido para revolucionar o mundo com a invenção da imprensa.

Os 265 mil habitantes são servidos por uma rede de seis livrarias (das quais duas na verdade são papelarias e três são evangélicas) e 13 clínicas de cirurgia plástica. Este é o Brasil profundo das tribos javaés e xambioás, que hoje pertence ao agronegócio, principalmente da soja e da carne de gado que vai para a China. Esse pedaço evangélico e botocado do país fala com Brasília sem passar por São Paulo ou Rio. Já nasceu com vocação para ser Dallas, no Texas, e pira com o som de Wesley Safadão.

No mundo inteiro, seja em Angola, no México ou na Noruega, os operários do cinema são quase sempre -desde a equipe técnica até o elenco- as ovelhas negras de suas famílias, gente que quando ia na escola sentava no fundão.

Meio marinheiros, meio artistas circenses, estes desajustados convictos formam uma nação paralela e inconformada. Não se incomodam de pegar no batente às quatro da manhã e escalar uma montanha carregando equipamentos pesados para filmar no nascer do sol e cumprir o sonho de um diretor. Aqui em Palmas fomos maravilhosamente acolhidos pelas nossas almas gêmeas, os colaboradores locais que nos fizeram adorar este enorme "Show de Truman".

Depois de ouvirmos reclamações da gerência do hotel, nossa equipe teve que parar com a maconha na piscina nas horas de folga. Tudo bem, é contra a lei. O chato é que o grupo de "agroboys" que veio de Araguaína passar o fim de semana em uma despedida de solteiro encomendou uma van que chegou de Goiânia cheia de prostitutas e ficou numa boa.

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