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Serafina

Ex-faxineira vai à Paraolímpíada como predileta: 'Cego é quem não vê futuro'

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Escondida atrás da porta, Silvânia Costa escutou o médico contar a seus pais que a caçula da família estava perdendo a visão. Era só questão de tempo. Ela não entendia qual era o problema, mas, aos 10 anos, sua visão começou a ficar escura, e a vida, difícil.

O esporte se tornou o abrigo seguro, onde encontrava prazer e conseguia se realizar, esbarrando nas limitações que apareciam.

Na primeira competição que disputou, os jogos escolares, deu a medalha ao pai, que tinha problemas com bebida. Diz que o gesto o motivou a mudar.

Até os 15 anos, Silvânia conseguiu esconder a deficiência. Fazia faxina sem contar sobre seu problema aos patrões. Mas, quando a dificuldade para enxergar começou a ser percebida na escola e na pista, sentiu a dor da discriminação. Escolheu se recolher do trabalho. Enfrentou dificuldade financeira.

Aos 18, divorciada e com uma filha de dois anos, não conseguia mais trabalho. Ela se lembra até hoje de quando um amigo telefonou com um convite inusitado: correr 10 km para ganhar R$ 300. Silvânia vivia em Três Lagoas (MS) e, sem dinheiro para pagar a conta do leiteiro, topou.

Ganhou a corrida, mas passou uma semana no hospital com febre. Nunca havia feito tanto esforço.

Três meses depois, chegou o convite para uma nova prova. Decidiu se preparar melhor, até porque o prêmio era mais alto. Corria à beira de uma lagoa, tropeçava nas lombadas, mas conseguiu de novo um bom resultado.

"Comecei a pegar amor pela corrida, aí um treinador me chamou para fazer um teste em Cuiabá."

Ele a fez treinar 100 m, 200 m, 400 m, arremessos e saltos até descobrir o que fazer com tanta potência muscular. O chamado da seleção veio quatro anos atrás. Em São Caetano do Sul, onde foi morar, Silvânia descobriu sua habilidade para voar. Em seis meses, bateu o recorde sul-americano do salto em distância da categoria T11 (cego total).

Hoje, aos 28, só vultos chegam aos olhos de Silvânia, mas ela adora conjugar os verbos "ver" e "enxergar". A última grande emoção, ela diz, foi ver a filha Letícia Gabriela, 10, saltar 3,2 m e ganhar medalha na competição da escola.

panorama

Silvânia não quer deixar o ouro escapar. De preferência, três de uma só vez. Parece uma meta ambiciosa, mas apenas reflete a potência do para-atletismo do Brasil.

A meta do CPB (Comitê Paraolímpico Brasileiro) é conquistar de 11 a 14 ouros nas disputas de pista, saltos e lançamentos e figurar no top 5 do quadro de medalhas.

Em Atenas-2004, o Brasil ficou na 14ª colocação geral. Em Pequim-2008, a delegação acabou em nono lugar. Em Londres-2012, encerramos os Jogos em sétimo. "Eu sou deficiente visual, mas não me considero cega. Cego é quem não consegue enxergar que pode ir além", diz Silvânia, recordista mundial do salto em distância da sua classe: 5,34 m.

físico

Silvânia diz que sempre quis ser a melhor no que faz. No atletismo, transforma essa obsessão em horas a mais de treinos todos os dias. Geralmente, trabalha o corpo por seis horas diárias, divididas em dois períodos, manhã e tarde, de segunda a sexta. Três vezes por semana, os treinos são de corridas mais longas, que ajudam a ganhar mais resistência. Nos outros dias, foca mais em trabalhos de força, coordenação motora e equilíbrio. Aos sábados, vai à academia.

"À noite, sempre faço mais do que os treinadores me passaram", diz. Silvânia passa por testes quase semanais para verificar o que melhorou ou não em sua performance. Aos domingos, tenta ficar em casa e descansar ao máximo. "Para mim, domingo é como um treino porque sei que recuperar o corpo é tão importante quanto treinar."

Ela salta vendada. É a garantia de que todos terão exatamente a mesma não visão. Para saltar e não cair fora da caixa de areia, Silvânia memoriza quantas passadas precisa dar antes do salto, e o treinador dá comandos de voz enquanto ela corre.

A pista tem 32 metros, e ela conta nove passadas antes de decolar. A saltadora percebe de onde estão vindo os gritos do técnico e se orienta espacialmente. No caso de Silvânia, a comunicação também tem outro objetivo.

"Pelo timbre de voz dele, eu sei se estou correndo certo ou errado, sei até se vou quebrar o recorde", diz.

psicológico

A atleta tem acompanhamento psicológico para lidar com a pressão do esporte. Segundo ela, seu maior defeito é ser "cabeçuda". "Quando coloco algo na cabeça,
ninguém tira", diz.

Silvânia tem rituais que repete a cada competição. Um deles acontece antes mesmo de viajar para competir: não veste nenhuma peça de roupa pessoal com o uniforme.

Também gosta de imaginar e repassar todos os movimentos que executará durante a prova. "Eu penso em tudo que é preciso fazer. Você tem que colocar na sua mente."

"Já aconteceu de eu cair na pista e me ralar inteira. Eu tenho tanto gás, potência, sei que posso dar mais que, naquele momento, o que vier de negativo eu não ligo."

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