Serafina
Criador da Muji, Kenya Hara projeta centro cultural japonês em SP
Mizuho Takamura | ||
Foto do designer japonês Kenya Hara, criador da grife Muji e defensor do minimalismo |
Renovar o olhar do mundo sobre o Japão é a tarefa diante de Kenya Hara, o mais influente – e modesto – designer japonês da atualidade. Para começar, ele terá de apresentar uma versão contemporânea e multifacetada de seu país a um povo já familiarizado com a cultura popular japonesa há pelo menos um século.
O homem que só veste preto é o responsável pelas diretrizes da Japan House, projeto ambicioso do Ministério das Relações Exteriores do Japão que conciliará arte, tecnologia e negócios em um mesmo espaço a ser inaugurado na avenida Paulista, em São Paulo, no primeiro semestre de 2017. Duas outras unidades serão abertas nos próximos anos em Los Angeles (EUA) e Londres.
"Os brasileiros pensam em um Japão diferente daquele que queremos mostrar. E resolver esta equação é difícil, muito por conta do distanciamento geográfico. O que queremos é ultrapassar esta barreira e promover um intercâmbio cultural mais direto entre os dois países", diz ele, reconhecido por seus livros de teoria do design e pela direção criativa da Muji, rede japonesa de utensílios de desenho minimalista que recusa o culto aos logotipos.
A escolha de São Paulo como primeiro endereço da Japan House se deu, entre outros motivos, pelo fato de a cidade concentrar a maior população de origem japonesa fora do Japão.
A construção de 2.500 metros quadrados no coração da capital paulista ficou a cargo do premiado arquiteto japonês Kengo Kuma e combinará elementos nipônicos e brasileiros, com o uso de materiais naturais, para abrigar exposições, palestras e seminários, além de um restaurante de gastronomia nipônica, uma biblioteca e uma loja de manufaturas japonesas.
DESIGN E O VAZIO
Até 2019, o governo do Japão terá investido US$ 30 milhões (cerca de R$ 102 milhões) no projeto.
Hara explica a distorção entre o Japão e sua imagem projetada no mundo a partir da na era Meiji, no final do século 19, quando o país se aproximou rápida e intensamente do Ocidente.
"Nesta ocasião, os japoneses deram mais importância a se mostrarem familiarizados com a cultura ocidental do que a apresentarem sua própria cultura, que ficou na penhora. Com isso, a visão sobre o Japão é parcial, incompleta."
"Mas o Japão vem acumulando cultura por mais de mil anos e esta tradição funciona como recurso para o futuro da humanidade. Então, precisamos expressar o que há de mais interessante na nossa cultura para que o Japão possa funcionar dentro do mundo", explica o designer de 58 anos, que vive em Tóquio com a mulher, Yumiko, com quem desenhou a própria casa.
Parte desta identidade japonesa está presente no fundamento do design de Hara: o vazio. É no vazio -em que operam noções de simplicidade, beleza e potencialidade – que se baseia o minimalismo japonês, movimento que traduz boa parte da cultura daquele país.
"Enquanto o minimalismo Ocidental surgiu há cerca de 150 anos com o advento da modernização da sociedade e sua racionalização, o minimalismo japonês surgiu no final do século 15 e nasceu do vazio", explica ele.
A história de como ter pouco virou um estilo de vida no país passa pela destruição de acervos artísticos vindos de várias partes do mundo e da decisão de um membro da elite de morar numa casa simples e pequena, que construiu e manteve vazia (veja ao lado).
Assim foi inaugurada uma cultura nacional chamada Higashiyama, que passou a considerar mais agradável o espaço vazio que aquele carregado. "A inexistência de elementos que falem alto deixa a imaginação livre", avalia ele.
É assim na própria bandeira do Japão, em que a simplicidade da bola vermelha sobre o fundo branco abre espaço para muitas interpretações.
Essa flexibilidade, segundo Hara, faz parte do espírito da celebrada anti-grife Muji -flexão de Mujirushi Ryohin, ou "bens de qualidade sem marca", em tradução livre. A rede, criada em 1980 com um catálogo de 40 produtos, hoje conta com 7.000 objetos, entre roupas, artigos para viagem, utensílios domésticos, papelaria e móveis, desenvolvidos em cores serenas e privilegiando as matérias-primas naturais e recicladas.
"Ao retirarmos aquilo que é supérfluo, desenvolvemos objetos inspiradores que podem corresponder a muitos contextos", elabora. "E por trás da valorização da flexibilidade está o valor que damos ao vazio como expressão do belo no design."
Ele mesmo é expoente dessa lógica: discreto, é sempre visto vestindo uma espécie de uniforme: blazer preto sobre uma camiseta igualmente preta. Os óculos ovalados são outra marca registrada. Seu objeto favorito da Muji é chinelo atoalhado para ficar em casa.
O DESENHO DAS PALAVRAS
Diretor do Hara Design Institute, um think tank do desenho gráfico japonês, e professor de ciência do design na Universidade de Artes de Musashino, em Tóquio, Kenya Hara costuma dizer que as palavras são como materiais de desenho. "Design é a sabedoria acumulada por trás de objetos e ambientes. Para entender essa sabedoria, no entanto, precisamos de palavras. Portanto, design e palavra não são muito diferentes."
Hara defende a disseminação do design como instrumento de desenvolvimento humano e social. "Tudo o que temos ao redor nasce do desejo e do design", diz.
"Há sabedoria por trás de um botão bem feito ou de um rolo de papel higiênico. E, quando descobrimos essa sabedoria por trás dos objetos, passamos a ver o mundo de uma maneira diferente, alterando a qualidade do nosso desejo."
É por isso, diz ele, que aquilo que é mais importante no design são as pessoas. "Quanto mais elevada for a qualidade do desejo das pessoas, maior será nosso desenvolvimento." A Japan House serve para colocar o design como instrumento de educação do desejo.
"Um bom design cria surpresa e as pessoas pensam: 'Uau, que bonito!'. Mas este 'uau' não perdura. É apenas instantâneo. Mas existe um outro tipo de 'uau' que pode vir num segundo momento, de um lugar mais profundo, e que, portanto, é mais duradouro", explica. "O que eu busco ao mostrar o que há de mais interessante no Japão contemporâneo é evocar este segundo tipo de 'uau' nas pessoas."
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MINIMALISMO JAPONÊS
Até a segunda metade do século 15 - convergência cultural
Japão recebia influências estéticas de toda a Eurásia a partir de objetos e obras de arte vindos de centros da Antiguidade e Idade Média
Arte Folha | ||
1467-1477 - Guerra de Onin
Sangrenta disputa pelo poder no Japão que evoluiu para uma guerra civil e destruiu a maior parte dos acervos artísticos e arquitetônicos importados para o país
Mizuho Takamura | ||
1482 - Shogun Yoshimasa (1436-1490)
Frustrado com a destruição da guerra, ele se retira para Kyoto, onde constrói uma casa simples, considerada marco fundador de uma ruptura na cultura japonesa, que deixa o luxo e passa a adotar o vazio como belo
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Mizuho Takamura | ||
1490 - Cultura higashiyama
O Shogun Yoshimasa comissiona obras nos jardins de sua casa, além de ikebanas (arranjos florais), peças de teatro nô, pinturas em tinta preta e os primórdios da cerimônia do chá, todos baseados no conceito wabi-sabi (beleza na simplicidade)
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