Serafina
Colunista defende igualdade capilar e o direito de Neymar alisar o cabelo
Flavia Lobo | ||
Desde que Neymar despontou no futebol, uma de suas marcas registradas é o cabelo. Com um visual novo a cada campeonato, o jogador já apareceu em campo com corte moicano, tingido de loiro, raspado e com os fios alisados (ou tudo isso de uma vez), inspirando milhares de fãs mirins a adotar seus looks.
Mas nesses anos de carreira ainda faltava o ídolo fazer uma aparição nos gramados com seu cabelo crespo natural, que ele assumiu recentemente. Vejo a foto em seu Instagram na qual ele aparece ao lado do piloto de F1 Lewis Hamilton, com direito a faixa que deixa o cabelo ainda mais volumoso.
Algo inimaginável até pouco tempo atrás para quem havia se acostumado a um Neymar liso.
Neymar ao lado do piloto de F1 Lewis Hamilton
Em uma entrevista em 2012, o jogador afirmou que era vaidoso e gostava de estar sempre arrumado, caprichando nos brincos e bonés, mesmo, na sua opinião, não tendo um visual perfeito.
"Eu tenho um cabelo péssimo, ruim mesmo", disse ele na ocasião. Tal afirmação não é nenhuma surpresa. De um lado, passamos a vida ouvindo piadas de mau gosto sobre ter cabelos crespos. De outro, somos bombardeados pelo padrão de beleza eurocêntrico onipresente na publicidade e na TV que qualquer cabelo minimamente cacheado é considerado "ruim", "duro" e "desleixado", em oposição ao cabelo "bom", que dispensa explicação.
É difícil assumir os cachos e abandonar a ditadura do alisamento em um mundo em que o cabelo liso é tido como o padrão de beleza ideal. Falo por experiência própria. Passei 30 anos usando cabelos lisos e já nem me lembrava de como eram meus fios naturais. Recuperar a textura crespa, para além do cuidado estético, foi um ato político, de aceitação e de redescoberta da minha negritude, algo que consegui no Brasil graças à aproximação com as militantes negras.
Neymar apareceu com o cabelo alisado semanas depois da foto com a textura natural. Minha transição demorou dois anos. Creio que o jogador esteja num processo até assumir sua própria negritude.
Não temos o direito entrar na ditadura pelo cabelo crespo. Crespo é nossa identidade mais pura, mas a negação dos seres humanos negros durou mais de 400 anos, as leis do embranquecimento do Brasil existiram até os anos 90.
Então é normal que Neymar Junior tenha dúvidas capilares. Aceito, não condeno. Até termos o mesmo investimento de milhões de reais em campanhas publicitárias promovendo o cabelo crespo como é o caso com o cabelo alisado. Até lá, entendo a fraqueza por Neymar recair na propaganda clássica.
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