Serafina
"Crianças também são racistas", diz colunista Alexandra Loras
Fernando Leal/Folhapress | ||
Autoridade e afeto contribuem para que crianças repitam comportamentos |
Uma ilusão ronda as casas e as ruas preconceituosas do Brasil: a de que as crianças são puras, livres de racismo e, portanto, inspiradoras de um futuro mais esperançoso para quem acredita num país com igualdade de gênero e sem preconceito.
É uma ilusão, repito, e extremamente danosa para a sociedade.
Há um consenso entre educadores de que, já a partir da primeira semana de vida, as crianças passam a absorver tudo o que lhes cerca. Do sorriso dos pais às expressões de ódio e conflitos, da cultura da igualdade às variadas formas de racismo.
Eis por que é tão fundamental que o trabalho de inclusão —de cor, de gênero, de classe social— comece já na primeira infância. Por causa da autoridade e do afeto, as crianças tendem a incorporar os discursos dos pais e da escola.
Fiz uma pesquisa com cerca de 900 negros de diferentes classes sociais no Brasil, e a esmagadora maioria apontou: grande parte do racismo que enfrentaram veio da escola básica.
É nessa faixa escolar que as crianças se mostram sem filtros e, por isso mesmo, verbalizam o racismo com normalidade. Aliás, expressam a "normalidade" que observam em seus cotidianos.
Nessa "normalidade", faltam protagonistas negros nas novelas, nos livros infantis e nos desenhos animados.
Nessa "normalidade", o padrão familiar são os pais brancos e heterossexuais.
Nessa "normalidade", escolas que se apresentam como defensoras da igualdade de gênero e da aceitação da diferença confundem diversidade com o fato de terem três ou quatro bonecas negras à disposição das crianças.
O racismo que acontece nas escolas é também uma forma de bullying.
Um estudo da ONU feito no ano passado em 18 países contou com a participação de 100 mil crianças e jovens. Metade deles sofreu bullying por razões das mais diversas, que vão da aparência à etnia. No Brasil, a porcentagem chegou a 43%.
Lutar contra tal cultura exige ação e engajamento. Está provado que se o cérebro é exposto a uma ideia por mais de três vezes começa a assimilá-la como verdade.
Isso vale para alguém da família, para um professor ou para um roteirista de TV —por que não pedir a eles, por exemplo, por meio das redes sociais, mais diversidade na cor da pele dos personagens?
Essa é uma maneira de nos engajarmos de maneira direta para tentar mudar a realidade, sem intermediação de governos ou instituições.
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