Não há nada mais estressante no trabalho do que cometer erros. É o que mostra um estudo, divulgado recentemente, feito com mais de 23 mil profissionais, de 1.300 organizações em 120 países.
A pesquisa, realizada pela consultoria Deloitte, avaliou os principais motivos de desgaste no trabalho. Apontado por 82% dos entrevistados, o erro está no topo da lista, à frente de carga horária excessiva e de múltiplas responsabilidades -fatores citados por 52% das pessoas.
Tanto estresse para aceitar as falhas faz com que muitos profissionais evitem propor novas ideias e não consigam sair da zona de conforto.
"Em certa medida, o medo do erro é bem-vindo, porque ajuda a minimizar prejuízos. Por outro lado, quem tem muito receio não se expõe nunca, não sai para a chuva, e é exatamente a entrega que proporciona satisfação e reconhecimento profissional", afirma a psicóloga Myrt Cruz, professora da PUC-SP.
Em excesso, o medo da falha inibe a criatividade e faz com que se desperdicem oportunidades. Um ambiente em que isso fica evidente é em reuniões com a chefia.
O profissional tem uma boa ideia para apresentar, ensaia dezenas de vezes, mas, na hora H, fica com receio de se expor. Logo em seguida, um colega diz exatamente o que ele havia pensado e é elogiado pelos gestores.
"A maior dificuldade é ter equilíbrio para saber o quanto dá para avançar e qual o melhor momento para isso", afirma a psicóloga Maria Ester Pires da Cruz, gerente do núcleo de carreiras do Insper.
"Seja numa empresa conservadora ou agressiva, sempre é possível arranjar um caminho para propor inovações. Mas o profissional deve conhecer a companhia a fundo para encontrar a hora de agir", diz.
SÓ NO DISCURSO
Segundo Felipe Brunieri, gerente da recrutadora Talenses, a maioria dos gestores prefere funcionários mais proativos, que às vezes têm que ser podados, do que aqueles que precisam ser estimulados a ir atrás de desafios.
"Apesar disso, os líderes, no fim das contas, também esperam que os funcionários errem o menos possível", afirma Brunieri.
Nas empresas em que o sucesso vem da capacidade constante de inovar, a falha precisa ser encarada como parte do processo criativo.
Para Maria Eduarda Lomanto, vice-presidente de RH da agência de publicidade DM9DDB, se a tolerância ao erro está enraizada na cultura da companhia, fica mais fácil de transformá-lo em algo realmente produtivo.
"Um dos nossos pilares é errar rápido e consertar rápido", afirma Lomanto. "Isso faz com que o profissional tenha mais liberdade de falhar e tirar lições disso."
Como exemplo, ela cita um episódio em que um funcionário inverteu as operações de dois clientes. Para um deles, o efeito foi desastroso e a agência teve de repor o prejuízo. Mas, para o outro, o resultado foi acima do esperado, o que fez com que a empresa reavaliasse o método de atuação naquele setor.
"O erro é tolerável quando não é habitual", avalia a advogada e administradora Denise Delboni, coordenadora do curso de gestão de pessoas e compliance da FGV-SP.
"Uma coisa é o funcionário errar todos os dias as mesmas coisas. Outra, é se ele errou tentando alcançar uma meta da empresa", afirma.
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'Na 1ª vez, demorei horas para traçar o contorno de uma âncora'
Rafael Macieira, 30, tatuador
Desde adolescente, tinha o sonho de ser tatuador, mas nunca achei que teria técnica para isso. Sempre tive medo de estragar a pele das pessoas. Como gostava de desenhar, acabei enveredando para a área do design. Trabalhei por seis anos em uma agência.
Em 2012, saí da empresa e abri uma produtora de vídeos. Um dia, um tatuador encomendou um clipe sobre o estúdio dele, mas achou o valor do serviço alto. Propus uma troca: "Você me ensina a tatuar, eu faço o vídeo e ninguém gasta nada".
Marcus Leoni/Folhapress | ||
O tatuador Rafael Macieira no estúdio em que trabalha, em São Paulo |
A primeira aula foi teórica. Depois de explicar tudo, ele disse: "Na semana que vem, traga alguém para você tatuar". Fiquei em choque. No começo, é comum treinar em peles artificiais, de porco e até em frutas, como laranja e melão. Mas ele insistiu que o negócio mais parecido com pele de gente é pele de gente, não tem jeito.
Meu sócio se ofereceu como cobaia. Demorei cinco horas só para traçar o contorno de uma âncora na coxa dele. Quando pegava a máquina, me dava tremedeira. O resultado não ficou uma maravilha, mas tive a sensação de que poderia ter sido pior.
O curso durou dois meses e não faltaram amigos para me ceder a pele como forma de incentivo. Hoje, trabalho em um estúdio e faço uma ou duas tatuagens por dia.
Desenho num rascunho, passo a limpo e, depois, transfiro a imagem para um estêncil. Na pele, vou com calma para que o traço seja firme. A pressão para não errar continua, mas, agora, confio na minha técnica.
Não é pouca coisa ter uma obra sua no corpo de alguém. A pessoa vai olhar aquilo para sempre e se lembrar de você. Então, tem que ser especial.
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'A tensão está sempre presente, mas não deixo ela me paralisar'
Ana Karina Alves, 42, médica-cirurgiã
Não tenho medo de errar. O problema é que, em medicina, não basta evitar erros. Nós, cirurgiões, sempre temos que lidar com o risco -ainda que baixo- de algo sair mal. São complicações inerentes ao ato médico, que geram ansiedade, mas não são nossa culpa.
Apesar de a tensão estar sempre presente, ela deixa de ser prejudicial com o tempo. Você passa a usar esse sentimento para se preparar ainda melhor e se adiantar a qualquer possibilidade de complicação na cirurgia. É uma tensão proativa, não paralisante -o que colocaria a vida do paciente em risco.
Eduardo Anizelli/Folhapress | ||
A cirurgiã Ana Karina Alves no seu consultório em SP |
Há 14 anos, faço, em média, 20 procedimentos gastrointestinais por mês, desde retirada de vesícula até cirurgia bariátrica. Quando um cirurgião está bem preparado, todas as suas ações são padronizadas: você faz uma técnica específica sempre da mesma maneira, com a mesma precisão, tomando os mesmos cuidados.
O grande diferencial do cirurgião, então, não é operar, porque isso é uma questão de adestramento, mas ter o total domínio da situação e saber atuar nas adversidades.
Quando estou operando, não me passa pela cabeça que tenho a vida de uma pessoa nas mãos. Quem tem, na verdade, é Deus. Mas lembro que preciso respeitar essa vida e me doar inteiramente ao momento e ao paciente.
A maneira de fazer isso é, dentro da minha humanidade, atingir um padrão de excelência, algo que só vem com a preparação exaustiva.