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Justiceiros entregam ao RH autores de discurso de ódio na internet

Quando era criança, Marcelo L. sonhava em ser policial, mas a pressão da família o levou a fazer direito. Hoje, aos 27 anos, enquanto dá expediente como advogado concursado de um órgão público federal em Brasília, ele consegue concretizar o sonho infantil por alguns minutos diários: Marcelo denuncia comentários virtuais que, a seu ver, contêm racismo, misoginia, xenofobia ou homofobia.

"As pessoas expõem o pior delas na internet", diz Marcelo, que reporta já ter encaminhado mais de uma dúzia de perfis de Facebook e de Twitter para a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. "Eu me sinto fazendo justiça", afirma.

Nas últimas semanas, ele aprendeu uma nova técnica: dedura o comentário para a empresa onde seu autor trabalha. O advogado emprestou a ideia do escritor Aislan Feitosa, que fez uma postagem narrando como tinha achado uma nova função para a rede social corporativa LinkedIn. Feitosa escreveu: "Encaminho o print [uma foto do comentário] para o RH [departamento de recursos humanos], questionando se a empresa compartilha de tais opiniões". O comentário foi compartilhado milhares de vezes, inclusive pelo humorista Paulo Gustavo, que tem quase 7 milhões de seguidores —Marcelo é um deles.

Bruno Assis Fonseca/Folhapress

Às vezes, nem é preciso fazer a pesquisa. Algumas empresas, como a Vale, oferecem formulários que podem ser preenchidos por internautas que queiram compartilhar algo sobre funcionários. Nos EUA, a prática é comum a ponto de seus adeptos terem recebido um apelido. São chamados de "social justice warriors", ou guerreiros da justiça social, em português.

Um homem que se apresenta como funcionário da Honda postou uma notícia sobre homossexuais condenados pelo Estado Islâmico: "Tem que fazer que nem eles e se livrar dessa gente", comentou com o link.

A estudante Ana Braga, 22, começou a mobilizar amigos da comunidade LGBT para levar a informação à montadora japonesa. Foram ao perfil americano da Honda no Facebook e deixaram mensagens pedindo que o funcionário fosse investigado. "Nossos comentários sumiram", diz Braga. Procurada, a Honda afirmou que entraria em contato com o escritório americano para obter informações sobre o caso, mas não respondeu antes da publicação desta reportagem.

MUITA CALMA

Profissionais de RH aconselham a empresa que recebe denúncia a não tomar decisões pautadas só no calor do momento. "O RH deve verificar a veracidade da informação e tentar entender se é a postura do funcionário mesmo", diz Elaine Saad, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos.

Saad afirma que as denúncias geralmente só funcionam em grandes empresas. "Empresas pequenas muitas vezes nem têm RH."

Mas qualquer companhia está suscetível a ter sua imagem arranhada por gritos virtuais. "O peso da opinião pública é diretamente proporcional a quanto isso vai afetar a imagem da empresa."

Até porque há casos em que a sanha justiceira descamba em discurso de ódio. Um tópico do fórum virtual Pandlr discutia se a Schincariol deveria receber mensagens por comentários homofóbicos feitos por um homem que, em seu Facebook, dizia trabalhar na firma de bebidas. "Denuncia esse fdp mesmo", disse um usuário. Outra usuária respondeu a um colega que pedia parcimônia: "Ele nem pensou nas consequências, por que eu vou pensar? Podem pisar sem dó".

"Quem se exalta não deve desqualificar o trabalho de quem defende os direitos humanos", diz a ativista Braga, que quer começar um movimento para que crimes como calúnia possam ser denunciados on-line. Alguns casos de ofensas na internet, como de ameaça, devem ser denunciados pela própria vítima em uma delegacia de polícia.

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