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Nas empresas, crise funcionou como um teste de flexibilização do trabalho

A crise gerada pela paralisação dos caminhoneiros foi uma oportunidade para que companhias experimentassem um modelo de expediente a distância, um desejo crescente entre trabalhadores, segundo Winston Kim, da consultoria de RH Randstad.

Essa flexibilização, ainda que forçada, pode ajudar a expandir esse novo modo de trabalho. "Os profissionais pedem isso, embora algumas empresas ainda tenham medo de queda na produtividade", afirma Kim.

No Brasil, 70% dos profissionais gostariam de poder trabalhar mais de casa, de um coworking ou de outros lugares que não a sede da empresa, segundo resultados da última pesquisa global Workmonitor, que aponta tendências no mundo do trabalho, e que ouviu 400 pessoas no país.

Marcelo Justo/Folhapress
São Paulo, 30.mai/2018, 17h00: Escritório da Henkel, indústria química que tem emitido comunicados todos os dias para os 300 funcionários do administrativo pedindo que trabalhem de casa. Algumas empresas tem liberado/incentivado home office, dando acesso aos sistemas internos para que a pessoa trabalhe de casa, outras tem fornecido fretados (pelo menos por alguns dias) ou vouchers de táxi. (Foto Marcelo Justo/Folhapress) ***ESPECIAIS***
Escritório quase vazio da Henkel, que permitiu o home office durante a greve dos caminhoneiros

A Folha entrou em contato com 25 empresas em todo o Brasil para entender como foi a política de emergência implantada durante os dias de paralisação.

Todas as empresas consultadas pela reportagem ofereceram alternativas de transporte aos funcionários. Ou as organizações pagaram ou reembolsaram os profissionais que conseguiram pegar táxis -esses, quase sempre abastecidos com GNV (gás natural veicular), que chega por dutos, não por caminhões.

Não se pode exigir que o funcionário absorva um custo extra de deslocamento em situação desse tipo, lembra a advogada Carla Fraga, sócia do Silveiro Advogados.

Entre as companhias ouvidas, 4 deram folgas a equipes de vendas, estagiários e aprendizes e aos que não conseguiam chegar; 8 decidiram flexibilizar horários, encurtando o tempo de trabalho, e 24 abriram a possibilidade de trabalho a distância.

"A empresa precisa ser razoável e oferecer alguma solução, como permitir o trabalho de casa. É melhor do que ter um funcionário estressado e improdutivo no escritório", diz a advogada Simone Kubacki, do EFCAN Advogados.

A opção pelo trabalho remoto foi a principal saída entre as empresas consultadas.

A solução foi vantajosa para o profissional, que não precisou correr o risco de uma pane seca no veículo ou de levar o dobro do tempo para chegar de ônibus. Para a organização, foi bom evitar assumir um custo desnecessário, segundo Kim.

Na indústria química Henkel, onde trabalha a administradora Tatiane Basaglia, 33, 80% dos funcionários do setor administrativo trabalharam em casa durante o período de paralisação.

De outra forma, Tatiane, que mora na zona leste de São Paulo, teria de pegar quatro conduções, entre ônibus, metrô e trem, para chegar na empresa, na Lapa (zona oeste).

"De carro, em geral levo uma hora e meia para chegar. Sem ele, passaria pelo menos três horas no transporte público, e isso antes da redução da frota por causa da paralisação. Eu não conseguiria, já chegaria muito cansada no escritório", afirma.

Para manter prazos importantes, como fazer o pagamento dos colaboradores, sua equipe montou uma força-tarefa online.

"Nos reuníamos todos os dias às nove da manhã em conferência. Fazíamos uma orientação, tirávamos dúvidas e já começávamos a trabalhar. Não precisamos remarcar nenhuma reunião e deu tudo certo", diz Tatiane.

Para Kim, dá para manter a organização usando aplicativos de mensagens ou de reuniões pela internet, mas é fundamental fazer uma reunião diária para atualizar as pessoas sobre o andamento das coisas.

"Nessa situação, muita gente teve que aprender a recriar a rotina do escritório como dava, em casa", diz Kim.

Mesmo trabalhando com o laptop no colo, sentada no sofá ou no chão, a analista de pesquisa Fernanda Dimas, 31, afirma ter conseguido dar conta do recado durante o home office de urgência montado no seu apartamento em Guarulhos (Grande SP).

Alberto Rocha/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 30-05-2018: Fernanda Dimas, 31, analista de pesquisa, em sua casa em Guarulhos. (Foto: Alberto Rocha/Folhapress) **ESP CARREIRAS**
A analista de pesquisa Fernanda Dimas improvisa home office em seu apartamento, em Guarulhos 

"Trabalho 90% do tempo no escritório e precisei me adaptar. Se a paralisação durasse mais, acho que precisaria de uma estrutura melhor. Mas consegui trabalhar bem sem problema nenhum", diz.

A consultoria de mercado onde Fernanda trabalha, Hello Research, suspendeu cerca de 20% das suas atividades de pesquisa, e 30% dos funcionários não conseguiram chegar à sede, em Pinheiros (zona oeste), durante os piores dias de crise.

Em condições normais, a Hello já permite horários flexíveis, mas prefere que seus profissionais fiquem no escritório. Um eventual expediente remoto é liberado dependendo do caso.

"Fomos pegos de surpresa por essa crise e, com a proporção que a coisa tomou, precisávamos facilitar a vida das pessoas", diz o presidente, Davi Bertoncello.

A empresa não pensa em expandir o esquema para o pós-crise, mas, segundo a pesquisa da Randstad, 45% dos profissionais acham que suas empresas estão aos poucos facilitando essa flexibilidade.

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Como fica quem faltou ou fez tarefas em casa

A empresa pode descontar um atraso ou uma falta do salário do funcionário por causa da paralisação?
Pela lei, sim. O fato de a pessoa não ter combustível no carro ou enfrentar dificuldades para pegar um ônibus não impede o trajeto até o escritório, já que pode haver opções como carona ou metrô

Na prática, as empresas costumam fazer o desconto?
Não. O empregador em geral faz uma análise caso a caso, porque há profissionais que moram muito longe ou em outras cidades, e é preciso ser razoável para justificar a punição no caso de um eventual processo trabalhista

O trabalho a distância em ocasiões excepcionais já foi regulado?
Não. A regulamentação do home office, feita na reforma trabalhista de 2017, contempla quem trabalha o tempo todo de casa e só vai à empresa em casos especiais.
As organizações que permitem ao funcionário trabalhar fora do escritório de vez em quando oferecem essa flexibilidade apenas como um benefício

Como é feita a contagem das horas de quem trabalhou em casa durante a paralisação?
Não existe dispositivo na lei trabalhista que exija essa contabilização. Trata-se de um acordo de confiança entre profissional e gestor, embora a empresa possa pedir que a pessoa entre em contato ao começar seu expediente, por exemplo

Há outras formas de compensar uma falta por crise no transporte?
Sim. O profissional pode negociar diretamente com a empresa uma folga e usar o banco de horas, pedir um horário de entrada flexível ou um expediente reduzido

Fontes: Simone Kubacky, da área trabalhista do EFCAN Advogados e Carla Fraga, da área trabalhista do Silveiro Advogados

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75% dos brasileiros precisam trabalhar no escritório da empresa e cumprir o horário comercial

58% dos profissionais que já desfrutam de modelo flexível acham que o empregador oferece a tecnologia necessária para home office

Fonte: Pesquisa "Randstad Workmonitor"

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