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perdizes e vila leopoldina

Perdizes foi (e ainda é) reduto de intelectuais

Quando viaja para a região onde nasceu, na zona da mata mineira, o escritor Luiz Ruffato, 56, faz questão de contar aos seus amigos que mesmo na maior metrópole do Brasil é possível morar num local de "silêncio inacreditável, com muito verde".

Ruffato vive em Perdizes, na zona oeste, desde 1991, quando veio a São Paulo para trabalhar na redação do extinto "Jornal da Tarde".

"Era um local de fácil acesso à redação [no bairro do Limão] e parecia uma cidade do interior. Não havia tantos bares, a noite era tranquila. De lá pra cá, a principal mudança foi arquitetônica,mas o clima se mantém", conta.

Nas imediações da Cardoso de Almeida, onde mora, Ruffato cruza com colegas como Frei Betto, Humberto Werneck, Lira Neto, além do cantor e compositor Tom Zé, um "ícone do bairro".

"Todo mundo me conhece. Sou considerado 'móveis e utensílios' daqui", brinca o tropicalista de 80 anos, que trocou Higienópolis por Perdizes, em 1972. Na época, o bairro tinha "uma situação geográfica pré-cabralina".

"Não tinha a avenida Sumaré. Era um rio. Uma casa de construção fez uma pinguela para que as pessoas pudessem passar", diz Tom Zé, que morou num dos primeiros prédios de Perdizes, na rua Doutor Homem de Melo.

Ele foi atrás dos concretistas Décio Pignatari (1927-2012) e dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos (1929-2003), que já viviam por lá.

"Meu pai se mudou para a região no fim dos anos 1950 e só saiu em 1990. Eu vivia no meio dessa turma de artistas", lembra o músico Dante Pignatari, 58, filho de Décio.

"Os 'concretos' moravam juntos e formaram um núcleo forte de intelectuais. Era um júri sofisticadíssimo para avaliar as minhas ideias e meus discos", lembra Tom Zé, que teve a capa do álbum "Todos os Olhos", de 1973, assinada pelo vizinho Pignatari.

Os encontros entre intelectuais dispensavam formalidades. "Décio batia na porta dizendo: 'Estou lhe procurando por motivo de baixa especialidade, como vizinho'. E a gente descia para beber cerveja no Krystal, bar na esquina da Cardoso de Almeida com a Homem de Melo."

Mas nem tudo é pacífico como o jardim do prédio que Tom Zé faz questão de cuidar. Ele e seus amigos foram testemunhas da resistência de professores e alunos da PUC-SP contra o regime militar (1964-1985). No episódio mais emblemático, em 22 de setembro de 1977, 854 pessoas foram presas após encontro pela reorganização da União Nacional dos Estudantes.

De acordo com a professora de história da PUC-SP Denise Bernuzzi de Sant'Anna, o papel da universidade na resistência à ditadura é outra razão para a fama intelectual do bairro. Na década de 1970, a PUC contratou professores que haviam sido aposentados compulsoriamente de instituições públicas, como Florestan Fernandes (1920-1995) e Octavio Ianni (1926-2004). Em 1980, o educador Paulo Freire (1921-1997) voltou do exílio na Suíça para dar aulas na PUC.

Segundo Sant'Anna, assim como Freire, muitos professores da PUC-SP escolhem morar no bairro pela proximidade com o trabalho. "Eu comprei meu apartamento do pai do compositor Arnaldo Antunes. Meu prédio é cheio de professores", conta.

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