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perdizes e vila leopoldina

Em defesa da Lapa, octogenária lidera 'chatos mais legais do bairro'

Bruno Santos/Folhapress
A aposentada Maria Aparecida Canhadas, 86,, conhecida como "rainha dos abaixo-assinados", na Lapa
A aposentada Maria Aparecida Canhadas, 86, conhecida como a 'rainha dos abaixo-assinados', na Lapa, zona oeste de SP

Com uma mesa à frente, ela se senta na porta de casa. Ali, com algumas folhas de papel, apenas espera, e então as pessoas vão chegando. Uma, duas, três... E o número cresce. Com frequência, passa dos mil.

Maria Aparecida Canhadas, a Cidinha, 86, vive na Lapa, na zona oeste de São Paulo. Na região, não à toa, é conhecida como "a rainha dos abaixo-assinados". Moradora há 65 anos da mesma casa na rua Clélia, ela carrega um traço comum dos moradores locais: o engajamento na preservação do bairro e a cobrança do poder público.

Uma causa que traz resultados. O distrito tem IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) de 0,921, um dos maiores de São Paulo, considerado alto, segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.

Garantir qualidade de vida é uma preocupação constante de quem vive por ali.

No bairro, as associações, coletivos e mesmo pessoas engajadas existem em profusão. Os nomes variam conforme o lugar e causa que defendem. Há os Amigos da Pompeia, os Amigos da Vila Leopoldina, os Amigos do Bairro Vila Anglo e até os Moradores Contra a Verticalização.

Othelo Teles, 88, presidente da associação da Lapa de Baixo, diz que o objetivo sempre é "zelar pelo bairro".

ABAIXO-ASSINADOS

E para garantir qualidade de vida na Lapa, somente Cidinha conta um bom número de vitórias.

No currículo, tem melhorias num posto de saúde, criação de dois ambulatórios e a reforma de uma praça. Ela começou em 2002, quando a UBS (Unidade Básica de Saúde) da Vila Romana, na região, registrava espera de seis meses para atendimento.

À época, recolheu mais de 2.500 assinaturas cobrando melhorias. "Eu ia de porta em porta ou mesmo dentro do postos de saúde colher as assinaturas. Pegava RG e falava com os idosos", diz.

Ela conta até com a expulsão de vizinhos indesejados. O fechamento de uma casa de shows que incomodava os moradores foi sua causa mais difícil –precisou de 8.000 colaboradores, além de advogados e muita perseverança.

"Foram três anos de agonia. Era barulho e gente bêbada jogada nas ruas a noite inteira", lembra. Sofreu ameaças, mas persistiu. O estabelecimento mudou de lugar.

Questionada como, quando e por que começou com o ativismo, Cidinha volta ao passado e brinca. "Quando eu era menina, no interior, havia uma mulher com o filho doente sem dinheiro para pegar o trem até Ribeirão Preto. Eu arranquei uma folha de caderno, fiz uma lista e saí pegando dinheiro e dei para ela. Acho que foi aí que eu comecei com os abaixo-assinados", ela lembra, com um sorriso de orelha a orelha.

Hoje octogenária e sofrendo com a labirintite, reserva-se ao engajamento na porta da casa, onde monta um posto de coleta quando necessário. Além disso, passa os ensinamentos à frente. Está ajudando um grupo que pede reformas no parque da Água Branca no modo de montar a lista e coletar os nomes.

MÃOS NA MASSA

Mas nem só de assinaturas vivem as causas. Há, na região, quem coloque as próprias mãos na massa. Adriana Silva, 46, mora no Sumaré e participa do coletivo Ocupe e Abrace, que revitalizou a praça Homero Silva, próxima dali, atualmente conhecida como praça das Nascentes.

Abandonado, o local era depósito de lixo e ponto de tráfico. Até o basta em 2013. Em vez de esperar pela prefeitura, qualquer fosse a gestão, ela se reuniu com vizinhos e, juntos, iniciaram os trabalhos.

"Ao utilizar a praça, percebemos que ela tinha as nascentes do córrego Água Preta", diz Adriana. Com os parceiros ativistas, direcionaram as águas, cavaram um lago e então rebatizaram o lugar, hoje limpo, organizado e até palco de festivais.

Apesar dessas histórias, nem tudo é consenso. Existe aquilo para que as pessoas se engajam e aquilo que não. Paulo Preto, 50, há 45 no bairro, relata problemas para ir contra a verticalização local. "Nisso, é difícil de engajar as pessoas."

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