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Quarto de empregada torna-se raro em projetos, mas banheirinho resiste

O quarto de empregada está em processo de extinção. Apartamentos cada vez mais apertados, áreas de serviço reduzidas, mudanças culturais e direitos trabalhistas garantidos a domésticas ajudam a explicar o desaparecimento do cômodo, agora restrito ao alto padrão.

O banheiro de serviço, contudo, permanece nos projetos residenciais, acreditam arquitetos e especialistas do setor. "As pessoas gostam porque ocupa pouco espaço e permite que o funcionário tenha um espaço privado na casa", diz Octavio Pontedura, sócio da imobiliária Refúgios Urbanos.

Tema de filmes como "Domésticas" (2001) e "Que Horas Ela Volta?" (2015), a dependência de empregados, que antigamente ficava em edículas nos fundos das casas, foi para dentro da residência principal na verticalização de São Paulo, nos anos 1930.

Trailer de "Domésticas"

"O quarto de empregada é um forte legado da escravidão, ainda que no modelo capitalista", diz Isabela Oliveira, antropóloga da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. "A lógica é ter alguém disponível para servir a família o tempo todo, mas isso tem mudado."

A área de serviço dos imóveis já representou 25% do apartamento, diz Elizabeth Wey, designer de interiores e autora da série de livros "A Casa de Todos os Tempos". Tinha mais de um quarto de empregada, além de ampla lavanderia. "Quanto maior, mais valia o imóvel", diz.

Com o passar dos anos, o espaço diminuiu (máquinas lava e seca ajudaram), enquanto a área social cresceu. Segundo Wey, o quarto de empregada foi de 4,5 metros quadrados para a média atual de 3 metros quadrados.

Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Luiza Pereira afirma que são comuns queixas de má iluminação, falta de ventilação e alergias causadas por tralhas e produtos de limpeza acumulados no cômodo.

Mas diz que, hoje, uma minoria das trabalhadoras dorme no serviço. "Os patrões têm que pagar adicional noturno e hora extra, então muitos abriram mão de ter o cafezinho pronto logo cedo."

Nathalie Rosário, advogada do sindicato das empregadas domésticas de São Paulo, concorda que é raro achar domésticas que ainda durmam no trabalho. "Quem passa a noite são cuidadores e babás."

Não há lei ou convenção coletiva sobre padrões para o quarto de empregada. Mas é óbvio que o espaço deve ter boas condições de iluminação, ventilação e conforto térmico, diz Ana Maria Fasanella, professora de arquitetura da Mackenzie.

Há casos em que o quarto é aprovado na planta como depósito e, no anúncio, vendido como dependência de empregados, segundo Fasanella. É um artifício para burlar a legislação, quando não há condições mínimas para o espaço ser considerado um dormitório, diz Alvaro Puntoni, coordenador da Escola da Cidade.

A obsolescência do quarto de empregada leva famílias a mudar a sua função. Ele vira escritório, adega, closet ou é integrado a outros espaços.

Já o banheiro de serviço segue sendo projetado. Costuma ter entre 1,8 e 3,5 metros quadrados e estar sempre próximo à cozinha e à área de serviço, por "questão de privacidade", segundo Yorki Estefan, da diretoria do SindusCon-SP (sindicato da construção).

Mas há quem ainda faça questão do quarto de empregada: o comprador de apartamento com mais de 200 metros quadrados.

"A demanda é de 100% entre o público AAA", diz Ana Paula Kaneyuki, gerente da Imóvel A, da Lopes. Segundo ela, hoje o cômodo tem "ar-condicionado, internet e pacote de canais de TV que a família usa".

No edifício New Castle, da construtora Bueno Netto, no Morumbi, os apartamentos de 940 metros quadrados contam com três dependências para empregados com cerca de 5,3 metros quadrados cada.

O empreendimento tem área comum com refeitório, armários e vestiário com chuveiro para funcionários do edifício e motoristas.

Fátima Rodrigues, diretora da imobiliária Coelho da Fonseca, diz que áreas comuns para funcionários são tendência, em especial nos prédios sem dependência para domésticas dentro do apartamento.

A Cyrela, de seu lado, prevê dois quartos de empregada em apartamentos acima de 300 metros quadrados, caso do Heritage, no Itaim Bibi.

Projetos atuais tendem a incluir uma área coringa, diz Marcello Romano, presidente da Bossa Nova Sotheby's. "A planta é pensada hoje para ser multifuncional e se adequar a demandas."

Henrique Assale/Folhapress

Universitários se recusam a criar cômodo para doméstica em curso da UFMG

No ano passado, estudantes de arquitetura da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) se recusaram a projetar uma casa com quartos de empregada. A tarefa fazia parte de uma disciplina chamada Casa Grande.

A ideia era criar um imóvel para uma família de classe alta com oito dependências para funcionários, separadas da residência principal.

O exercício foi passado antes do início do semestre letivo, quando ainda não havia estudantes matriculados.

"As exigências eram similares à lógica que se estabelecia nas fazendas e residências escravocratas", diz nota enviada à Folha pelo diretório acadêmico da Escola de Arquitetura da universidade.

Os alunos questionam: "Qual a relevância para a formação de um arquiteto delimitar uma disciplina à reprodução de um modelo antiquado e desgastado de moradia?"

A Escola de Arquitetura divulgou uma nota à época afirmando que "preza pela autonomia de seu corpo docente na elaboração de suas propostas de disciplinas", mas que o protesto dos alunos havia feito o departamento refletir sobre a disciplina e que os processos de aprovação de matérias seriam aprimorados.

Após o episódio, a construção do quarto de empregada tornou-se optativa dentro do programa, e o curso mudou de nome –agora, chama-se Residência de Grande Porte.

"A profissão do arquiteto e urbanista exige um repensar do fazer arquitetônico corriqueiro", diz a nota dos estudantes.

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