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'Mustang quer dizer liberdade': por que a Ford vai salvar um ícone

Quando a Ford Motor anunciou a eliminação de quase todos os carros de passageiros de sua linha de produtos norte-americana, no começo deste mês, para se concentrar em picapes e utilitários esportivos, ela encerrou uma história longa e prestigiosa de marcas que um dia foram muito quentes: Modelo T, Modelo A, Galaxie, Fairlane, Thunderbird, Falcon –para mencionar apenas alguns exemplos.

Mas houve um sobrevivente conspícuo: o Mustang.

"Abandonar o Mustang?", questionou James Farley Jr., presidente de mercados mundiais da Ford, quando lhe perguntei como o Mustang havia sobrevivido. "O Mustang é como Rocky: sobreviveu à crise do petróleo da década de 1970, ao glam da década de 1980, à transição para os utilitários esportivos. O modelo passou ileso por todas as rodadas de cortes".

Para mim, a salvação do Mustang foi uma notícia bem vinda. Fiz meu exame de habilitação com o Mustang 1967 de minha mãe, um "notchback" azul turquesa. Nas raras ocasiões em que eu era autorizado a dirigi-lo, o carro me conferia status instantâneo e despertava inveja escancarada da parte de meus colegas de escola.

Wall Street provavelmente teria preferido que o Mustang seguisse o rumo do Fusion, do Taurus e do Fiesta, modelos que a Ford anunciou que deixaria de fabricar e que Farley desdenhou, ao classificá-los como "silhuetas genéricas". (A Ford anunciou que continuará a produzir veículos de passageiros, mas eles não terão a mesma forma que os sedãs atuais. O Focus, por exemplo, vai sobreviver, mas como um utilitário esportivo crossover.)

O motivo da decisão é que, no mais recente balanço da Ford, a montadora revelou pela primeira vez que alguns poucos de seus produtos, incluindo a altamente popular picape F150, respondem por 150% de seus lucros antes dos juros e impostos, e oferecem margens de lucro da ordem de 15%. Um segundo grupo de veículos mal sai do vermelho. Já os modelos de "baixo desempenho", disse a Ford, geravam prejuízos, com margem de lucro de mais de 10% negativos.

Tomando por base as revelações da Ford, Adam Jonas, analista automotivo do banco Morgan Stanley, extrapolou que os modelos de baixo desempenho respondiam por 40% da receita da Ford mas reduziam acentuadamente os seus lucros. A Ford não informou que modelos compõem essa categoria, mas Jonas incluiu nela os carros de passageiros que a empresa vende na América do Norte, e a linha Lincoln. (Pelo menos até agora, a Ford não anunciou alterações em sua linha Lincoln, que inclui diversos sedãs de passageiros.)

Jonas aplaudiu a decisão da montadora de abandonar a maioria de seus carros de passageiros, presumindo que a empresa de fato a coloque em prática. "Se há esforço desproporcional investido em produtos que não dão dinheiro e que os consumidores não querem, o que é mesmo que a companhia está fazendo?", ele questionou.

A Ford não apresenta resultados financeiros separados por modelo, mas Jonas acredita que o Mustang propicie lucros modestos. A versão convencional básica tem preço de US$ 25.845, mas os opcionais mais populares elevam rapidamente o preço final. Os conversíveis têm preço inicial de US$ 31.345. O modelo mais popular da linha Mustang, o GT, pode facilmente ultrapassar os US$ 40 mil, e o Shelby GT, com motor de 526 HP, tem preço inicial de mais de US$ 57 mil. Uma versão esportiva do Mustang Cobra sai por mais de US$ 100 mil.

"Não consigo pensar em outro carro que tenha modelos vendidos por quatro vezes o preço do básico", disse Farley. "Vendemos muitos Mustangs por US$ 70 mil".

O Mustang continua a vender bem. A Ford informou ter vendido quase 126 mil unidades do modelo no ano passado, em 146 países, e que ele é o carro esporte mais vendido do mundo. (Em contraste, o Toyota Corolla, o sedã de passageiros mais vendido do mundo, vendeu perto de um milhão de unidades.)

Mas a sobrevivência do Mustang na verdade não tem base nos números. "Dentro de cinco anos, o que vai determinar se a Ford manterá ou não o Mustang não será um fator material", disse Jonas. "É mais emocional. Eles estão tentando preservar a sexualidade do transporte a motor, como ele foi no passado".

Desde o dia em que foi lançado, há 54 anos, o Mustang vem sendo posicionado como uma alternativa elegante, prática e acessível aos dispendiosos carros esporte europeus. Em diversos testes, o Mustang GT ainda se compara favoravelmente ao Porsche 911, cujo preço básico é de US$ 90 mil.

O Mustang é tão emblemático que já foi tema de duas séries de selos comemorativos dos correios americanos. A mais recente, em 2013, mostrava um modelo 1967, azul, com duas faixas brancas sobrepostas.

O Mustang apareceu em inúmeros filmes e programas de TV, se tornando uma imagem indelével da cultura dos Estados Unidos. Em "007 contra Goldfinger", James Bond dirigia um Mustang conversível 1965, branco com estofamento vermelho, em estradas de terra. Steve McQueen dirigiu um fastback verde escuro, modelo 1968, em "Bullitt", o filme que ajudou a fazer do Mustang um clássico entre os "muscle cars", os esportivos americanos das décadas de 1960 e 1970. Este ano, a Ford está vendendo uma edição comemorativa com motor de 475 hP, celebrando o 40º aniversário do filme, ao preço de US$ 47.495. (O primeiro a sair da linha de montagem foi vendido por US$ 300 mil em um leilão de caridade.)

Um Mustang 1967 com motor envenenado aparece em "Velozes e Furiosos: Desafio em Tóquio". Mas nem tudo é testosterona, no mundo do Mustang. Um conversível 1966 aparece em "O Diário da Princesa", e a Ford informa que 27% dos compradores do Mustang são mulheres.

William Clay Ford Jr., chairman executivo da Ford e bisneto de seu fundador Henry Ford, é fanático pelo Mustang, e tem 20 versões do modelo em sua coleção pessoal. Ford chegou para a festa anual de aniversário do Mustang dirigindo um Mustang Shelby 500 de 1968, azul marinho, conversível, com capota branca.

"Eu o enquadro na mesma categoria do Corvette", disse Eric Minoff, especialista em automóveis da casa de leilões Bonham, em Nova York. O Mustang "é um ícone cultural", ele acrescentou. "Mesmo pessoas que nada sabem sobre carros reconhecem um Mustang".

Na semana que vem, a Bonham vai leiloar diversos Mustangs clássicos que pertenceram a Carroll Shelby, piloto de corridas e empresário automotivo que desenvolveu os Mustangs Shelby, de alto desempenho, em colaboração com a Ford, a partir dos anos 60. Um Mustang GT 350 1968 e um GT 500 1969 que serão vendidos no leilão do dia 3 de junho foram avaliados em entre US$ 80 mil e US$ 100 mil.

Encontrei um Mustang notchback 1967, azul turquesa, muito parecido com o carro de minha mãe, à venda no Hemmings, um site de carros clássicos, por US$ 37,9 mil.

São preços surpreendentemente altos se considerarmos a escala da produção de muitos Mustangs. "Depois que o modelo foi lançado, as pessoas brincavam dizendo que pipocas vendiam como Mustangs, e não o contrário", disse Minoff. "Não são veículos raros. Mas por mais comuns que sejam, são carros muito atraentes, com o motor V-8 e a tração traseira, muito esportivos e divertidos de dirigir. As edições fastback, especialmente se equipadas com todos os opcionais, obtêm fortes ágios".

Farley descreveu o Mustang como um veículo de "estado de espírito". Ele disse que"quando perguntamos a pessoas de todo o mundo o que elas acham da Ford, elas respondem Mustang. Mustang quer dizer liberdade. Significa uma viagem em um conversível ao longo da costa oeste dos Estados Unidos. É como as pessoas de todo o mundo imaginam que a América seja. Por que abriríamos mão disso?"

Tradução de Paulo Migliacci

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