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16/10/2012 - 05h51

Mecanismos Do Not Track, de proteção à privacidade, sofrem ataques de anunciantes

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NATASHA SINGER
DO "NEW YORK TIMES"

A campanha dos anunciantes para frear o movimento Do Not Track, que quer reprimir o rastreamento feito por companhias de internet do comportamento de internautas, começou no final do mês passado.

Alguns navegadores de internet, como o Mozilla Firefox, contam com recursos de bloqueio de rastreamento, que permitem que usuários enviem sinais digitais às empresas solicitando que estas suspendam a coleta de informações sobre suas atividades para fins de publicidade dirigida.

Primeiro surgiu uma carta combativa de um grupo de nove deputados federais norte-americanos à FTC (Comissão Federal de Comércio), questionando seu envolvimento com uma organização internacional chamada W3C (World Wide Web Consortium), que está tentando definir padrões mundiais para os recursos de bloqueio de rastreamento.

Os legisladores se declararam preocupados com a possibilidade de que conceder essa possibilidade aos consumidores "restringisse o fluxo livre de dados que é o cerne do sucesso da internet".

Mark Shaver/The New York Times
Anunciantes americanos se movimentam contra a campanha Do Not Track, que prega maior privacidade
Anunciantes americanos se movimentam contra a campanha Do Not Track, que prega maior privacidade

Depois surgiu uma carta aberta irritadiça enviada pelo conselho da Associação Nacional de Anunciantes norte-americanos a Steve Ballmer, o presidente-executivo da Microsoft, e a dois outros executivos da empresa.

Executivos da Dell, IBM, Visa, Verizon, Wal-Mart e outras grandes companhias acusaram a Microsoft de ter cometido um grave erro ao tornar a opção de bloqueio de rastreamento o padrão para o novo navegador Internet Explorer 10. Se os consumidores optarem por manter esse padrão, poderiam impedir que as empresas recolhessem dados em até 43% dos navegadores usados pelos internautas norte-americanos.

"A ação da Microsoft é um erro. Todo o ecossistema de mídia condena essa ação", a carta alegava. "Diante dessa oposição, e da realidade dos danos que sua ação poderia causar, é hora de promover um realinhamento com a comunidade empresarial mais ampla, adotando como opção inicial o status inativo para os sistemas de bloqueio de rastreamento em seu navegador".

Até agora, a Microsoft vem minimizando as queixas dos anunciantes. Em comunicado distribuído por e-mail, Brendon Lynch, o vice-presidente de privacidade da Microsoft, afirmou que um estudo recente conduzido pela empresa com usuários de computadores nos Estados Unidos e Europa havia concluído que 75% dos pesquisados desejavam que o sistema de bloqueio de rastreamento de seus navegadores estivesse ativo por "default".

"Os consumidores querem e esperam que haja forte proteção de privacidade incorporada aos produtos e serviços da Microsoft", escreveu Lynch.

O tom da ofensiva setorial pode parecer estridente demais, já que o W3C ainda não decidiu como implementará os mecanismos de bloqueio de rastreamento --ou mesmo chegou perto de um consenso quanto ao que esses sistemas significam. No momento, isso significa que os botões de controle nos navegadores são pouco mais que adesivos digitais cujos sentimentos as empresas podem optar por respeitar ou ignorar.

Mas o que está em jogo no caso é o futuro do setor de rastreamento on-line.

'ESCAMBO'

O advento dos sistemas de bloqueio de rastreamento coloca em risco o sistema de escambo que permite que os consumidores autorizem sites e redes de publicidade a recolher informações sobre suas atividades online em troca de acesso aberto a mapas, e-mail, jogos, música, redes sociais e diversas outras coisas.

Os anunciantes vêm lutando para preservar esse arranjo, afirmando que recolher dados sobre os consumidores permite direcionar publicidade efetiva e adaptada aos gostos do consumidor. O argumento prossegue afirmando que os anúncios personalizados possibilitam a sobrevivência de sites menores, que prosperam e oferecem conteúdo de qualidade.

"Se eliminarmos essa forma relevante de publicidade, reduziremos a diversidade da internet, seu sucesso econômico e, francamente, o seu interesse", diz Mike Zaneis, vice-presidente jurídico do Interactive Advertising Bureau, uma organização setorial.

Mas os defensores da privacidade argumentam que em um ecossistema digital no qual dezenas de organizações separadas podem ter presença em uma página de web, compilando e armazenando informações sobre o que um usuário lê, as buscas que ele faz, os sites que visita e os produtos que compra, é preciso que os consumidores estejam cientes do custo que essa mineração de dados acarreta para eles, e que tenham o direito de não ser rastreados.

DIREITO DE SABER

"Se você procura pela palavra 'câncer' em um site de saúde", diz Dan Auerbach, tecnólogo da equipe da Electronic Frontier Foundation, uma organização que defende a privacidade on-line, em San Francisco, "existe alta probabilidade de que tenha câncer ou se interesse pelo assunto. Esse é o tipo de dado que pode ser recolhido". Ele acrescenta que "os consumidores certamente têm direito de saber como essa informação está sendo usada e de optar por que ela não seja usada de maneiras que desaprovem".

Mas os dois lados parecem ter atingido um impasse. Quando o W3C promoveu uma reunião em Amsterdã para definir os padrões de bloqueio de rastreamento, como reportou meu colega Kevin O'Brien em artigo publicado alguns dias atrás, executivos do setor publicitário e defensores da privacidade trocaram acusações de que o outro lado estava tentando atrapalhar o processo.

"Existe forte preocupação no sentido de que o W3C talvez não seja o fórum adequado para a tomada dessa decisão", disse Rachel Thomas, vice-presidente de assuntos governamentais na Associação de Marketing Direto norte-americana, uma organização setorial sediada em Manhattan, Nova York. "Uma tentativa de ditar política pública é algo que escapa completamente a sua competência".

Durante a reunião de Amsterdã, Thomas propôs que os sistemas de bloqueio de rastreamento na verdade permitissem coleta de dados para fins publicitários, exatamente aquilo que foram criados para evitar. Essa ideia ousada foi acolhida pelos defensores europeus da privacidade mais ou menos com o mesmo entusiasmo que um fumante acendendo um cigarro seria em uma sala cheia de asmáticos.

Alguns dos mais conhecidos ativistas da privacidade definiram essa proposta do setor como um ato de má fé.

"Embora muitos anunciantes defendam a privacidade, há claramente um elemento renegado de redes publicitárias que desejam subverter o processo", disse Jon Leibowitz, presidente da FTC. "Ou ao menos é assim que me parece".

Alguns meses atrás, em um evento na Casa Branca, a Aliança de Publicidade Digital (DAA), um consórcio setorial, prometeu respeitar os sistemas de bloqueio de rastreamento, desde que o usuário tivesse de expressar afirmativamente sua decisão de bloquear. Mas na terça-feira passada, o consórcio publicou diretrizes nas quais afirmava ver o mais recente navegador da Microsoft, e sua opção automática pelo bloqueio, como um sistema mecanizado de bloqueio automático criado por uma companhia --e não como opção ativa de um consumidor humano.

AUTORREGULAMENTAÇÃO

Durante o processo de instalação, o novo software da Microsoft na verdade dá aos usuários a escolha de manter o sistema de bloqueio ativo ou desativá-lo. Mas o consórcio afirmou que mesmo assim não requereria que seus membros honrassem as solicitações de bloqueio de rastreamento do navegador.

Além disso, a DAA já criou um programa para consumidores que não desejem receber publicidade personalizada, diz Zaneis, cuja organização é membro do consórcio. O consórcio continua comprometido a respeitar os sinais de bloqueio dos navegadores, diz, desde que os sistemas requeiram escolha afirmativa da parte dos usuários e lhes ofereçam informações sobre os possíveis efeitos de bloquear a publicidade dirigida.

"Temos um sistema de autorregulamentação que vem funcionando muito bem", disse Zaneis. "Por que não lhe darmos a chance de continuar funcionando?"

Alguns funcionários do governo norte-americano discordam veementemente. Em carta à FTC no começo do mês, o senador John Rockefeller, democrata da Virgínia Ocidental, definiu o programa setorial como um "regime inefetivo", repleto de exceções.

"Até o momento, a autorregulamentação fracassou, em termos de proteger a privacidade dos consumidores", escreveu Rockefeller.

Agora, as autoridades regulatórias alertam que a oposição aos sistemas de bloqueio de rastreamento pode se voltar contra os anunciantes, ao estimular os criadores de navegadores de internet a dar mais poder aos usuários frustrados. "Poderemos ver uma corrida armamentista tecnológica, uma corrida entre os navegadores para determinar qual deles oferece mais proteção à privacidade, ao permitir que usuários bloqueiem anúncios", disse Leibowitz, da FTC.

"E talvez isso não seja mau", acrescentou.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

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