Robôs têm 'reforço' para falar o português

Crédito: Getty Images/Istock 5 previsões feitas por Bill Gates em 1999 que são realidade hoje --- Assistentes pessoais digitais, como Siri, estão a um toque do celular
Algoritmos de aprendizagem ajudam computador a entender linguagem coloquial

NATÁLIA PORTINARI
DE SÃO PAULO

"Computador, qual a última mensagem enviada pelo capitão Kirk?". "É essa." "Analise melhor. É mesmo a voz dele?" "Não. É uma cópia." "Foi feita por um duplicador de voz?" "Há 98% de chance que sim."

Para ter esse diálogo, que foi ao ar em 1967, em "Star Trek", o computador precisa saber que "analise melhor" se refere a "última mensagem", e que "pelo capitão Kirk" é o agente da voz passiva.

É o que faz um algoritmo de processamento de linguagem, tecnologia que está por trás de assistentes pessoais, como a Alexa (Amazon), Cortana (Microsoft), Siri (Apple) e o Assistente (Google).

Construir o computador de "Star Trek" era uma obsessão do engenheiro Amit Singhal, que cresceu assistindo às reprises da série na Índia e trabalhou no algoritmo de busca do Google de 2000 a 2016.

"A missão do Google é a mesma do computador de 'Star Trek', organizar a informação da forma mais acessível e útil possível", disse Singhal em um evento em 2015.

Para se aproximar desse ideal, a busca do Google passou a contar com o "painel de conhecimento" em 2012.

Funciona assim: quem procura "qual a capital do Brasil?" recebe, antes dos resultados, uma resposta ("Brasília"). Para isso, o algoritmo aprendeu que "Brasil" está na categoria país, e "capital" é o núcleo dessa pesquisa.

Mas a situação complica quando a pergunta é feita em linguagem coloquial, o maior desafio do Assistente hoje.

"É fácil entender 'receita de bolo'. O difícil é entender 'qual era mesmo aquele doce que a minha mãe fazia, com fubá e doce de leite?' O aplicativo tem que saber conversar", afirma Bruno Albuquerque, engenheiro que trabalhou no Assistente em português, lançado em agosto.

"Um algoritmo de aprendizagem de linguagem tem que reconhecer a estrutura das frases", diz. A inteligência artificial não entende o que é sujeito, verbo e predicado, mas sabe que o "eu" em "eu comi bolo" tem uma função semelhante ao "ele" de "ele comprou uma laranja".

O algoritmo deve conter uma "coletânea" das regras de como uma língua é falada, e entender que português tem sujeito oculto, mas inglês não, por exemplo.

A linguística busca essa "coletânea" há décadas. Não são as regras gramaticais (o que é certo e o que é errado), e sim os padrões de uso da língua para comunicação.

A isso, é somado o "machine learning", que é a habilidade de um computador aprender sozinho, ou, mais precisamente, fazer algo sem receber uma ordem explícita.

É essa tecnologia, que imita os seres humanos, que faz com que o algoritmo às vezes cometa erros e entregue resultados absurdos.

SIGNIFICADO

"Algoritmos podem ler textos e extrair padrões. Não é difícil construir um sistema assim, é um exercício que passo para alunos da graduação", diz Eduard Hovy, professor de linguística computacional de Carnegie Mellon.

"Também é fácil detectar o sentimento do texto, se tem palavras pejorativas ou elogiosas, mas isso não significa que o algoritmo entenda a opinião do interlocutor ou saiba raciocinar."

"Nenhuma inteligência artificial até hoje aprendeu a falar uma língua natural. O desafio não é entender os padrões, o que é fácil, e sim fazer com que entenda o significado das frases. O robô não pensa, não sabe o que é sentir frio. Não vejo nada promissor nessa área no futuro próximo", afirma Hovy.

Já Albuquerque, do Google, é mais otimista, e espera depender cada vez menos de acadêmicos como Hovy. "A solução mágica é o 'machine learning'. A tendência é que a série de regras de linguística que incluímos diminua gradualmente", diz.

Crédito: Editoria de Arte/Folhapress OUÇA, HAL Como funciona um algoritmo de processamento de linguagem
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