Datafolha visita cidade gaúcha com construções jesuíticas para o Top of Mind

Numa área de 32 hectares, a sucessão de imagens à nossa frente nos transporta a épocas remotas e a cenários reconstruídos pela imaginação. São ruínas do que foi a igreja de São Miguel Arcanjo, da qual restam o corpo principal, o campanário e a sacristia, hoje parte de um sítio histórico.

O rasante de um casal de quero-queros sobre o forasteiro, que caminha tranquilo, com a mente nas nuvens, bem perto do ninho dos pássaros, é o despertar para a realidade: estamos em São Miguel das Missões, no noroeste do Rio Grande do Sul, não muito longe da fronteira com a vizinha Argentina.

Para chegar ao território das missões jesuíticas dos guaranis no Brasil e dar um mergulho na história do país, é preciso voar até Porto Alegre e, de lá, tomar um turboélice para o município de Santo Ângelo. Pouco antes do pouso, da janela do avião se avista um território dominado por plantações de soja a perder de vista. Com um pouco de esforço, é possível perceber resquícios de mata atlântica em pontos dispersos. A soja reina soberana na paisagem.

Pouso feito, pé na estrada. Serão pouco mais de 60 km de carro até chegar a São Miguel das Missões, cidade com seus 7.742 habitantes, em que se preservam ruínas das antigas reduções jesuíticas do século 17, declaradas Patrimônio Mundial pela Unesco.

É, certamente, um pedaço do Brasil ainda pouco conhecido pelos próprios brasileiros. O município gaúcho, contudo, faz parte de uma lista de outros 219, espalhados por todos os Estados do país e o Distrito Federal, visitados pelo Instituto Datafolha. Seus pesquisadores saíram à procura de respostas que embasam esta edição da Folha Top of Mind 2017.

Neste ano, cerca de 120 mil pessoas devem visitar o sítio arqueológico onde estão a antiga catedral de São Miguel, cuja construção teve início em 1687 e cujo apogeu se deu entre 1735 a 1750. A expressiva maioria desses turistas ainda é oriunda do próprio Rio Grande do Sul. "Muitos deles vêm em excursões 'bate e volta' e geralmente são turmas escolares", explica Fabiano Moraes, 33, secretário de Turismo, Desenvolvimento e Cultura.

Miguelino, ele não perde a esperança de ver sua cidade cravada como referência no turismo histórico nacional. É cheio de empolgação que ele fala da reinauguração do Museu das Missões, obra projetada nos anos 1930 pelo pioneiro modernista no Brasil, o arquiteto e urbanista Lúcio Costa, o que deverá dar combustível ao sonho —o museu, inaugurado nos anos 1940, foi destruído pela passagem de um tornado, em abril do ano passado.

No começo de setembro último, quando visitamos a região, um grupo de norte-americanos impressionava-se com a grandiosidade da construção histórica. Entre os séculos 17 e 18, São Miguel das Missões era uma das reduções jesuíticas que formavam, com seis outras, os Sete Povos das Missões.

Aquelas construções devem-se ao esforço dos índios, que, catequizados pelos religiosos, carregaram muitas pedras para cima e para baixo. Dentro dos cânones europeus dos jesuítas, os guaranis também exerciam cargos administrativos e ainda eram "treinados" para serem escultores e músicos.

Hoje, famílias de guaranis se revezam semanalmente na venda de artesanato dentro do terreno de ruínas, sob os cuidados e a administração do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

De sorriso tímido, um garoto toca uma espécie de gaita de madeira. Uma menina carrega a irmãzinha pendurada no lado esquerdo do corpo. Um guarani que vivia na Argentina agora fabrica arco e flecha de mentirinha para turista comprar e brincar —o bambu foi retirado de uma plantação próxima dali, na região da Fonte Missioneira, que abastecia a redução.

Todos eles são moradores da aldeia Tekoa Koenju —"alvorecer", na língua guarani—, localizada na zona rural, a cerca de 40 km da cidade, onde vivem em casas simples de madeira e alvenaria cerca de 150 índios.

De camiseta e bermuda, colar indígena pendurado no pescoço, Aniceto Gonçalves, 40, o cacique Karaí, diz que eles cultivam milho, mandioca, batata-doce e melancia para o consumo próprio da comunidade. Isso não significa que os alimentos industrializados, como refrigerante, suco em caixinha, iogurte e biscoito, já não tenham chegado lá.

Ao cair da tarde, é comum que famílias inteiras se sentem no alpendre para saborear lentamente o tradicional chimarrão. Os índios também assimilaram tal cultura (se a soja é onipresente no campo, a erva-mate parece estar em todos os lugares por onde o homem caminha).

Enquanto sugam o líquido com a bomba, veem a vida passar: cavalos e vacas circulam tranquilamente pela área urbana, que quase sempre se mistura à paisagem rural.

Quando o Sol sai de cena e o brilho da Lua dá o ar da graça, os viajantes se acomodam numa arquibancada para assistir ao espetáculo "Luz e Som", em que as ruínas são iluminadas por spots de luz que acompanham uma gravação em que é narrada a história das Missões. Entre tantas vozes, inconfundíveis são as de Fernanda Montenegro e Lima Duarte.

"Tem esse espetáculo colorido, mas não existe um cinema para distrair a mente", reclama a recepcionista Roselaine dos Santos, 41. Orgulhosa de viver em uma cidadezinha onde ainda é possível deixar a chave no contato do carro e dormir de portas e janelas escancaradas, ela também sente falta de comer algo que fuja do menu trivial. Então, ela exemplifica: "Aquelas coisas saborosas que só existem na Bahia, sabe?".

Mãe de um garoto de 11 anos, Wellington, e de uma menina de nove meses, Lívia, Roselaine sonha com a possibilidade de variar o cardápio: bem que poderia surgir logo ali, na esquina do sítio histórico, uma filial, pequena que seja, de uma famosa rede de fastfood. "Para levar a gurizada", logo tenta justificar.

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