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07/06/2010 - 17h37

Alghero é a Catalunha da Itália

MÒNICA FARO
DA EFE, EM ALGHERO

Há 50 anos um grupo de intelectuais catalães redescobriu que no centro do Mar Mediterrâneo, na ilha de Sardenha, havia uma cidade onde se falava catalão, mas até hoje não existia uma ponte real com essa "grande metrópole" que para os habitantes de Alghero era Barcelona.

Na última década, as conexões aéreas, os convênios entre universidades e os fluxos de informação crescentes aumentaram a curiosidade recíproca entre estas duas cidades mediterrâneas, que vivem realidades políticas distintas, mas compartilham uma mesma língua: o catalão.

A relação remonta ao século 14, quando o rei Pedro 4º de Aragão repovoou a cidade de catalães e transformou Alghero em uma fortaleza da coroa aragonesa, com a resistência infrutífera da população sarda.

A partir de 1714, em consequência da Guerra de Sucessão, Alghero perdeu toda relação com a Catalunha e o destino dessa língua compartilhada ficou reduzido à transmissão oral.

Mas em 1960, um grupo de intelectuais liderado pelo fotógrafo Pere Català Roca, organizou uma viagem de navio a Alghero, da qual só uns poucos haviam ouvido falar e para a qual tinham dado as costas durante séculos.

O povo desta cidade, que hoje tem 45 mil habitantes, ainda lembra da chegada daqueles forasteiros que vinham de Barcelona, quase inexistente em seu imaginário, e da sua surpresa ao reconhecer a língua que falavam.

"Naquele momento havia uma rejeição frontal às línguas minoritárias, a unificação da Itália tinha que passar pela unificação linguística e qualquer outra língua era considerada uma ameaça", explica Joan Elíes, diretor da sede que a Generalitat da Catalunha tem há um ano em Alghero.

Hoje, 50 anos depois daquela viagem batizada de "Retrobament" (reencontro), e a que a cidade prestará homenagem entre os dias 23 e 27 de junho, Alghero tenta recuperar sua memória e redescobrir uma identidade que tem como referencial Barcelona.

"O catalanismo de Alghero é sempre cultural, não de reivindicação política, porque não faria sentido", explica Elíes.

Uma ideia que compartilha com o cantor Claudio Sanna, símbolo desta consciência identitária "que não tem conotação política", esclarece, mas que revela "uma riqueza e uma unicidade que não pode se perder".

Sanna lembra como, faz anos, viajar para Barcelona era uma "aventura" de dias. Sua música é um reflexo das mudanças das últimas décadas, da ainda "insuficiente" troca cultural e das curiosidades que encerra a língua de Alghero, que bebeu do italiano e do sardo e conserva muitas formas do catalão antigo.

Uma de suas canções de maior repercussão é "Santa Ryanair", uma música que trata com ironia a pergunta de se a companhia aérea irlandesa, que introduziu a conexão entre Alghero e a Catalunha, pode "salvar" a língua.

"Antes os jovens não tinham conexão com Barcelona e agora a tem, mas é preciso fazer mais coisas, abrir os círculos geracionais, valorizar a propensão artística do povo", afirma o cantor, que lamenta que Alghero "não conte com uma literatura ou um mercado de arte próprios".

No marco das duas leis que desde os anos 1990 outorgam um reconhecimento às minorias linguísticas na Itália, a Generalitat, junto a associações culturais, impulsionou projetos de promoção da língua que instauraram o ensino do catalão em 30 centros educativos.

Segundo dados facilitados por esta instituição --relativos à última pesquisa, de 2004--, 22,4% da população de Alghero tem o catalão como primeira língua, contra 59,2% que se comunica em italiano e 12,3% em sardo.

A pesquisa também revela que 13,9% utilizam o catalão como língua habitual.

"Muitos jovens fizeram uma autorreciclagem linguística e aprenderam a língua por vontade própria", destaca Pere Lluis Alvau, jornalista e funcionário da Prefeitura.

Para Alvau, "há muito para fazer para fomentar a troca cultural entre a Catalunha e Alghero".

Mas a bandeira --igual à catalã--, o passeio marítimo --desenhado pelo arquiteto barcelonês Joan Busquets-- e o nome das ruas --em catalão e em italiano-- transformam Alghero em um microcosmo dentro da Itália, já cheia de diferentes faces, uma atração para turistas e um refúgio para todos aqueles que queiram viajar no tempo.

 

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