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Vítimas não sentiram dor, dizem especialistas

PARA MÉDICOS, LEGISTAS E FÍSICOS, PASSAGEIROS DO VÔO 1907 MORRERAM AINDA NO AR, APÓS A DESPRESSURIZAÇÃO E O CONSEQÜENTE CHOQUE TÉRMICO

Uma morte sem dor, como se a pessoa estivesse em sono profundo e, de repente, acometida por uma parada cardíaca fulminante.
Na opinião de especialistas, esTa é a descrição mais provável para os últimos instantes dos 154 passageiros do vôo 1907 da Gol. Entre a desfuselagem de partes do Boeing após a colisão com o Legacy, a conseqüente despressurização da aeronave e o choque térmico das vítimas, teriam se passado dois minutos.
"As pessoas saíram de um ambiente a 21C para outro a -52C [temperatura média a 11 mil metros de altitude]. Fatalmente morreram congeladas, sem ar, e tiveram um colapso cardiorrespiratório", afirmou Ronaldo Laranjeira, professor no curso de medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Uma semana após o maior acidente aéreo do país, Laranjeira tem opinião em sintonia com legistas, comandantes da Aeronáutica, engenheiros e físicos: todos acreditam que nenhum ocupante do Boeing 737 estava com vida no momento em que a aeronave se chocou com o solo no meio da floresta.
Sob a análise da hipótese mais provável até agora -o Boeing teve parte da fuselagem rompida no ar, momentos após a colisão com o Legacy-, Paulo Greco, professor de engenharia aeronáutica da USP de São Carlos (231 km de SP), acredita que os passageiros entraram em estado de inconsciência mediante a falta de pressão e oxigênio a 11 mil metros de altitude.
"A pressão cai vertiginosamente, não dá tempo de tentar pegar as máscaras do socorro. E com uma velocidade de 800 km/h, qualquer falha estrutural ou colisão pode desfazer uma aeronave em poucos minutos e os passageiros ficam sem ar", aponta.
Uma legista de Porto Alegre, mestre em medicina forense pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e que pede sigilo "por questões éticas com os legistas de Brasília", também disse não ter dúvidas de que os passageiros morreram durante a queda da aeronave.
"O cérebro começa a se desintegrar pela força da queda livre mesmo se não houve a despressurização do avião durante a queda. Acredito que o trabalho de autópsia poderá revelar que muitos passageiros morreram congelados."
Gravidade

Para o físico Marcelo Knobel, da Unicamp, alguns passageiros, no desespero após a colisão, podem ter retirado os cintos de segurança -o que explica, em parte, os corpos encontrados na parte traseira do Boeing. "Se partes do avião se soltaram, dentro dele a situação era de gravidade zero, e as pessoas flutuaram. Com a queda, quem estava sem cinto pode ter sido deslocado", relata Knobel. "Nas condições descritas do acidente, as pessoas estavam inconscientes durante os cerca de dois minutos da queda devido à falta de pressão e ar."
A ser confirmada a despressurização, o comandante Célio Eugênio, assessor de segurança do Sindicato Nacional dos Aeronautas, também endossa a versão de que as vítimas morreram antes de o avião atingir o solo. "As investigações ainda estão incipientes. Mas o que é certo é que o corpo humano resiste muito pouco a -52C", ponderou.
Professor da USP, Daniel Munoz, médico legista responsável pela análise dos corpos das 98 vítimas do acidente da TAM em 1996, na capital, disse que se os corpos caíram de 11 mil metros com a abertura da fuselagem será praticamente impossível encontrar corpos em boas condições. "Os corpos vão batendo na copa das árvores, muitas partes podem nunca nem ser encontradas", afirmou.
1.000 km/h

O estudioso da aviação e escritor Ivan Sant'Anna, 60 anos, calcula que o Boeing tenha se chocado no solo a uma velocidade de 1.000 km/h -a uma atmosfera padrão, a quebra de barreira do som se dá a 1.226 km/h. Sant' Anna é autor do livro "Caixa Preta", sobre graves acidentes aéreos com aviões brasileiros. Para ele, o provável rompimento da fuselagem provocou uma descompressão brutal, que provocou a perda dos sentidos e a morte quase que imediata dos passageiros. Sant'Anna estima ainda que houve erro grave para provocar a colisão. "Choques aéreos são raríssimos na história da aviação e acontecem em áreas congestionadas." (Diego Zanchetta e Luiz Carlos Duarte)



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