Após quatro anos, China está vencendo guerra contra a poluição

Pesquisa oferece estimativas sobre o aumento da expectativa de vida no país

Michael Greenstone
The New York Times

Em 4 de março de 2014, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang disse a quase três mil delegados o Congresso Nacional Popular e a muito mais telespectadores das TVs estatais que "declaramos guerra à poluição, tão resolutamente como no passado declaramos guerra à pobreza".

Pessoa, caminha em meio a smog (nuvem tóxica), em um dia poluído em Weifang, uma província de Shandong, em dezembro de 2016. No meio da poluição, a imagem da pessoa fica ligeiramente apagada. Ao fundo, é possível ver luzes verdes e vermelhas de semáforos.
Pessoa, em meio a smog (nuvem tóxica), em um dia poluído em Weifang, uma província de Shandong, em dezembro de 2016 - Stringer/Reuters

A declaração rompia com a norma política de priorizar o crescimento econômico em detrimento da ecologia, vigente há muito tempo na China, e muita gente tinha dúvidas de que o país realmente pretendesse cumprir o prometido.

Quatro anos depois da declaração, os números começam a surgir e a China está vencendo a guerra —e em ritmo recorde. As cidades estão se saindo especialmente bem, e em média reduziram em 32% a concentração de particulados no ar, em apenas quatro anos.

A velocidade da campanha contra a poluição despertou questões importantes sobre seus custos humanos. Mas se a China conseguir manter esse ritmo de redução, recentes pesquisas indicam que os moradores vivenciarão melhoras significativas em sua saúde, o que elevará a expectativa de vida em meses ou até anos.

Como a China conseguiu? Nos meses anteriores ao discurso do primeiro-ministro, o país divulgou um plano nacional para a qualidade do ar que exigia que todas as áreas urbanas reduzissem as concentrações de poluição por particulados finos em pelo menos 10% —com algumas cidades cidades com indicação para reduções ainda maiores.

A área de Pequim tinha uma meta de redução de poluição da ordem de 25%, e a cidade reservou verbas de espantosos US$ 120 bilhões para esse fim.

Para atingir essas metas, a China proibiu a construção de novas usinas termoelétricas acionadas a carvão nas regiões mais poluídas do país, o que inclui a área de Pequim. As usinas existentes receberam ordens de reduzir suas emissões. Nos casos em que isso não se provou possível, o carvão foi substituído por gás natural.

Além disso, grandes cidades, como Pequim, Xangai e Guangzhou, restringiram o número de carros nas ruas. O país também reduziu sua capacidade de produção de ferro e aço, e fechou minas de carvão.

Algumas das ações foram além do agressivo, e podem ser descritas como extraordinárias.

Por exemplo, o ministério de proteção ambiental divulgou um "plano de batalha" de 143 páginas, na metade do ano passado, que incluía remover as caldeiras acionadas por carvão e usadas para aquecimento no inverno em muitas moradias e edifícios comerciais —ainda que não houvesse equipamento de substituição disponível, em muitos lugares. Isso fez com que casas, escritórios e até escolas passassem este inverno sem aquecimento.

Nos últimos meses, começaram a surgir notícias de que os esforços estavam dando resultado. Usando dados de quase 250 monitores governamentais espalhados pelo país, e muito semelhantes aos monitores usados pela embaixada dos Estados Unidos em Pequim e nos consulados americanos espalhados pela China, é possível constatar grandes melhoras.

Ainda que a maioria das regiões tenha registrado declínio superior ao projetado, nas cidades mais populosas surgiram algumas das maiores quedas da poluição.

A leitura sobre concentrações de particulados finos em Pequim caiu em 35%. Shijiazhuang, capital da província de Hebei, registrou 39% de queda em sua concentração de particulados, e Baoding, que em 2015 foi chamada de a cidade mais poluída da China, reduziu sua concentração de particulados em 38%.

É possível relacionar os efeitos sobre as vidas das pessoas ao converter as concentrações de particulados no ar em projeções sobre expectativa de vida (o que pode ser visto neste estudo). 

Esse é o método usada para embasar o Índice de Qualidade de Ar e Vida (mais dados [em inglês] aqui). Os estudos se baseiam em dados obtidos na China, e por isso não precisam ser extrapolados tomando por base números dos Estados Unidos ou algum outro país com concentrações relativamente baixas de poluição.

Os resultados sugerem que a luta da China contra a poluição já deitou as fundações para avanços extraordinários na expectativa de vida. Aplicando esse método aos dados disponíveis sobre 204 municípios, a expectativa de vida média dos moradores cresceu em 2,4 anos, caso a queda nos níveis de poluição do ar se perpetue.

Os cerca de 20 milhões de habitantes da área metropolitana de Pequim viveriam 3,3 anos a mais, e os de Shijiazhuang teriam expectativa de vida 5,3 anos mais longa. Em Baoding, o avanço seria de 4,5 anos. 

Para colocar em perspectiva a escala e velocidade do recente progresso da China nesse campo, vale a pena recordar os níveis severos de poluição em muitas cidades dos Estados Unidos nas décadas de 50 e 60, especialmente no chamado "Rust Belt", o velho cinturão industrial no coração do país.

A Lei do Ar Limpo americana é vista como causa de grandes reduções no nível de poluição do ar. Nos quatro anos que se seguiram à sua adoção, em 1970, o nível de poluição do ar no país caiu cerca de 20%. Mas foram precisos quase 12 anos, e a recessão de 1981-1982, para que os americanos conseguissem a redução de 32% em seu nível de poluição atmosférica que a China atingiu em apenas quatro anos.

É claro que os índices de poluição do país ainda excedem os padrões que a China mesma estipulou, e são muito mais altos que as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto ao que se deve considerar como nível seguro.

Se toda a China vier a cumprir os padrões de poluição atmosférica decretados por Pequim, a expectativa de vida de sua população crescerá em 1,7 ano (de acordo com indicadores quanto às áreas sobre as quais existem dados disponíveis.) Se o país vier a cumprir as normas da OMS, mais rígidas, sua expectativa de vida subiria em 4,1 anos.

Determinar se os cidadãos chineses serão capazes de atingir esses novos patamares —ou mesmo se conseguirão manter os ganhos iniciais— dependerá do balanço entre crescimento econômico e qualidade ambiental.

As reduções iniciais da poluição atmosférica da China foram obtidas por meio de normas de engenharia de aplicação compulsória, que ditam determinadas ações, em lugar de confiarem em mecanismos de mercado para encontrar os modos menos dispendiosos de reduzir a poluição.

É uma abordagem que implicou em custos reais —como podem atestar as muitas pessoas que tiveram de passar o inverno sem aquecimento no país. Mas os novos avanços podem se provar muito mais dispendiosos do que o necessário se forem buscados por meio de normas compulsórias, especialmente porque muitas das soluções mais simples já foram adotadas.

Nas décadas que se seguiram à aprovação da Lei do Ar Limpo, as autoridades americanas usaram muitos instrumentos para reduzir a poluição, e a regulamentação com base em mecanismos de mercado se provou o método com melhor custo-benefício.

Ainda que a China esteja testando um mecanismo de licenças negociáveis de emissão de dióxido de carbono, ainda não adotou esse método para a poluição convencional.

Seria uma reviravolta interessante se a China dita comunista terminasse por vencer a guerra contra a poluição ao adotar regulamentação baseada em mecanismos de mercado, enquanto os Estados Unidos continuam a usá-los apenas de modo intermitente.

Análises mais detalhadas podem ser encontradas neste documento técnico e neste relatório.

Michael Greenstone dirige o Instituto de Política Energética da Universidade de Chicago e é professor de Economia na cátedra Milton Friedman da universidade. Tradução de PAULO MIGLIACCI

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