Rompimentos de mineroduto MG-RJ da Anglo impactam água e empregos

Nas cidades atingidas, persiste o medo de contaminação da água e de demissões

Carolina Linhares Nicola Pamplona
Rio de Janeiro e Minas Gerais

“Ninguém sabe o que está por vir”, resume um trabalhador da mineradora Anglo American logo após participar de assembleia com o sindicato sobre férias coletivas.

O clima de incerteza que se espalhou do início ao fim dos trabalhos pelos 529 km do mineroduto Minas-Rio teve origem em dois pontos específicos da tubulação, onde houve rompimentos nos dias 12 e 29 de março. No total, 1.860 toneladas de minério de ferro vazaram em Santo Antônio do Grama (MG), a 230 km de Belo Horizonte.

Após o segundo rompimento, o Ibama determinou a suspensão das atividades do mineroduto até que uma inspeção comprove a segurança do sistema, o que, na estimativa da mineradora, vai levar 90 dias. Sindicalistas, porém, são menos otimistas com o prazo.

Confirmando o receio de que a retomada levará mais tempo, a Anglo anunciou que a volta das operações do mineroduto deve ocorrer de forma gradativa somente no último trimestre deste ano. E o impacto afetará quase a totalidade dos lucros em comparação com 2017. 

Em Conceição do Mato Dentro (MG), ponto de partida do mineroduto após extração e do minério, 766 dos 1.474 funcionários estão na pausa forçada de 30 dias desde o dia 17. A mineradora já apresentou uma proposta de suspensão de contratos para o período pós férias. 

Já em São João da Barra (RJ), onde o minério é escoado, metade dos 240 trabalhadores da Ferroport, joint venture entre a Anglo e a Prumo que opera as atividades no Porto do Açu, entraram em férias coletivas na terça (24).

A empresa diz que a paralisação vai durar 30 dias, mas a expectativa na região é que o prazo seja estendido. Na cidade, mais 80 trabalhadores da Anglo saem de férias. 

Além de inspecionar o duto, a mineradora é responsável por reparar os danos ambientais dos vazamentos —o prazo é 31 de maio. Para isso, a Anglo diz ter mobilizado 300 trabalhadores terceirizados e R$ 60 milhões.

Cerca de 26% do minério expelido pelos dutos foi para o córrego Santo Antônio. A maior parte atingiu uma barragem da Anglo —o que acabou suavizando o impacto— e áreas de pasto. O trabalho braçal, com pás e enxadas, ou mecânico, com caminhões de sucção, é retirar o minério grudado nas margens e no leito do rio.

Pelo córrego, o minério se espalhou por 11 km e a captação de água para o abastecimento da cidade foi interrompida. Durante três dias, os moradores dependeram de caminhões-pipa da mineradora, até que uma nova adutora fosse instalada em outro córrego, o Salgado.

Foi essa mudança que, no segundo rompimento, evitou que a falta de água se repetisse. Segundo órgãos ambientais, os últimos testes no córrego atingido indicam que a qualidade da água voltou aos patamares exigidos por lei.

Ainda assim, o medo do desabastecimento e da contaminação da água persiste.

“O córrego Salgado tem menos água e o medo é que ele não dê conta no período de seca. Tem gente que comprou caixa d’água maior, tem gente comprando água mineral. Não há confiança”, diz Gilvan de Assis, coordenador da Defesa Civil na cidade. 

A Anglo ainda não sabe o que levou ao rompimento. A aposta é em um defeito de fabricação dos dutos, já que as trincas, nos dois casos, apareceram na solda longitudinal, ou seja, na junção das duas pontas de uma chapa para que se torne um tubo.

Os dois dutos também pertenciam ao mesmo lote e estavam logo na saída de uma estação de bombas, onde a pressão no mineroduto é elevada. No momento do rompimento, porém, a pressão era de 180 kgf/cm³, abaixo do limite de 210 kgf/cm³.

O presidente da Anglo no Brasil, Ruben Fernandes, não quis revelar o nome do fabricante responsável pelos tubos com defeito, mas disse à Folha que apenas 2% do mineroduto foi confeccionado por essa empresa e que a extensão do lote é menor ainda. 

A Secretaria de Meio Ambiente de Minas determinou que a Anglo forneça as coordenadas dos pontos onde o mineroduto passa por áreas povoadas e identifique onde estão instalados tubos do mesmo lote dos que se romperam.

A partir do mês que vem, uma máquina chamada PIG (medidor de integridade do duto, na sigla em inglês) vai percorrer a tubulação por dentro, enviando uma massa de dados que, após análise, aponta defeitos como corrosão ou perda de espessura.

Apesar da complexidade do trabalho, Fernandes mantém a previsão de 90 dias, mas diz que um cronograma ainda será planejado. 

“Voltamos a operar após o primeiro vazamento porque não havia indicação de que seria um problema maior. Mas, com o segundo, a situação ficou mais grave. Estamos passando o PIG para garantir a integridade do mineroduto e ter a operação extremamente segura”, afirma Fernandes.  

Em 2017, a Anglo registou um ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de US$ 435 milhões. Neste ano, por conta da paralisação, o impacto será de US$ 300 milhões a US$ 400 milhões. 
A 320 km do rompimento, a cidade de Conceição do Mato Dentro foi a primeira a sentir as consequências econômicas da paralisação. O comércio prevê queda de 25% a 30%. 

Em reunião com o sindicato da região, a Anglo apresentou uma proposta de suspensão de contratos que atingirá mil funcionários a partir do próximo dia 16, mas manterá os salários integralmente. 

Em São Joaquim da Barra, a prefeitura estima perda de arrecadação de R$ 1,3 milhão por mês —o equivalente a cerca de 5,5% de sua receita média mensal de 2017. 

“Nosso foco hoje é com a manutenção do emprego, porque é uma empresa que tem boa remuneração, o pessoal é qualificado e não há muitas vagas no setor depois da crise da Samarco”, diz o advogado do Sindicato dos Trabalhadores Portuários, Anderson Bruno.

Fernandes afirma que a possibilidade de demissão é zero e que tentará realocar terceirizados. “A gente tem alternativas. A mão de obra foi treinada”, diz.

Questionado sobre suspensão de contratos, afirma: “A empresa garante que o empregado não vai ter perda”.

Segundo Fernandes, a expansão que elevará a produção de 16,8 milhões de toneladas para 26,5 milhões de toneladas até 2020 não será prejudicada e a licença de operação deve sair no início do ano que vem. “O Minas-Rio produz um minério de qualidade superior e muito competitivo. A conta que o acionista quer saber é a contribuição no fluxo de caixa e o resultado é positivo.”

A indefinição sobre o retorno das atividades lembra o caso da Samarco, que completará três anos parada desde a tragédia de Mariana (MG). “Assustado todo mundo fica. Todo mundo tem família pra tratar. Mas a proporção nem se compara com o que houve na Samarco”, diz Célio Fonseca, 36, operador de máquinas.

Ao menos para Vanessa Rosa dos Santos, 34, o rompimento não foi uma surpresa. Em 2015, ela teve que deixar sua casa, a 24 metros do trajeto do mineroduto, devido a tremores e trincas.

“Hoje eu posso chegar pra eles e dizer: eu avisei. Porque, se está tremendo, uma hora ou outra o cano não ia aguentar. E se fosse no meu terreno? E se meu marido estivesse no quintal? É insegurança. É falta de responsabilidade”, diz.

Vanessa é uma das atingidas pela instalação do Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro. Sua sogra, Alice Rosa dos Santos, 75, ainda vive ao lado do mineroduto e toda sexta-feira recebe dez galões de água potável da mineradora, já que o empreendimento destruiu a nascente que ela utilizava.

Quatro dias antes do primeiro rompimento, o Ministério Público de Minas Gerais entrou com uma ação em que cobra R$ 400 milhões da mineradora para reparar danos sociais e desrespeito aos direitos humanos na implantação do projeto.

Para o licenciamento da terceira fase, uma das condições foi a contratação de uma assessoria independente para os atingidos. Por meio de uma recomendação expedida no mês passado, o MP cobrou que a mineradora pare de negociar com comunidades afetadas até que de fato contrate a assessoria.

O órgão também assinou um acordo com a Anglo que prevê a contratação do IPT para analisar impactos sobre a água e a segurança da expansão do Minas-Rio. 

“O importante é entender os impactos e mitigá-los. A gente tem absoluta tranquilidade em relação a isso”, diz Fernandes. “Temos que quebrar o paradigma de que mineração só destrói e trabalhar mostrando à sociedade que a gente realmente faz a diferença na vida das pessoas de uma forma positiva.”


O tamanho do prejuízo

Os vazamentos aconteceram em 12 e 29 março

Vazou um total de 1.860 toneladas de polpa de minério de ferro (minério misturado com água) —492 t no ribeirão Santo Antônio; 895 t em barramento da Anglo; 473 t em áreas de pasto

A principal consequência é a interrupção do abastecimento de água em Santo Antônio do Grama, que agora capta água de outro rio não atingido

Os níveis de turbidez do ribeirão Santo Antônio estão voltando ao normal, mas é preciso retirar o minério espalhado por sua margem e calha

Ainda não são conhecidas as causas que levaram ao rompimento

Foram aplicadas multas de R$ 125,6 mi aplicada pela Secretaria de Meio Ambiente de MG e de R$ 72,6 mi pelo Ibama


Trajetória da Anglo American

2002 Eike Batista adquire alvarás de pesquisa mineral; três anos depois, cria MMX e projeto Minas-Rio

2006 Abertura de capital da MMX movimenta R$ 1,11 bi

2008 Minas-Rio é vendida para a Anglo American por US$ 5,5 bi

2009 e 2010 Concedidas licenças ambientais para 1ª e 2ª fases de exploração

2012 Anglo American faz baixa contábil de US$ 4 bi por perdas; presidente Cynthia Carrol pede demissão

2014 Com 5 anos de atraso, Minas-Rio obtém licenças finais e entra em operação

26.jan.2018 Concedidas licenças de instalação da 3ª fase do projeto; licença de operação ainda não foi obtida

12.mar, às 7h42 Ocorre primeiro rompimento e atividade do mineroduto é suspensa

13.mar Cessa abastecimento de água em Santo Antônio do Grama; no dia 16, água passa a ser bombeada de outro rio 

27.mar Atividade do mineroduto é retomada

29.mar, às 19h Mineroduto se rompe novamente a 220 metros do ponto do primeiro vazamento

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