Descrição de chapéu The New York Times

Criação de abelhas em topos de edifícios históricos de Paris cresce

Preocupação ambiental e interesse comercial motivam a prática; restaurantes usam o mel em receitas

Audric de Campeau trabalha com sua filha em uma colmeia acima da Place de la Concorde em Paris

Audric de Campeau trabalha com sua filha em uma colmeia acima da Place de la Concorde em Paris NYT

Alissa J. Rubin
Nova York | The New York Times

Paris vem registrando alta na apicultura urbana, com mais de mil colmeias instaladas no topo de edifícios históricos, bem como em pomares comunitários espalhados pela cidade.

Se uma abelha fosse o guia de turismo que conduz uma excursão por Paris, ela talvez começasse pelo telhado dourado da Opéra Garnier, que abriga colmeias há décadas.

Voando rumo ao sul, ela poderia fazer uma parada para admirar as colmeias por sobre a Place de la Concorde, e depois acompanhar o rio Sena até as espiras da catedral de Notre-Dame, onde as abelhas estão prosperando, ao contrário das gárgulas, muito deterioradas. Ela talvez fizesse uma pausa por sobre os Jardins do Luxemburgo, repletos de flores e arbustos, que servem de refúgio a abelhas há mais de 150 anos.

Nos dez últimos anos, Paris, como Londres e Nova York, registrou ascensão notável na apicultura urbana e estima ter mais de mil colmeias.

As aulas sobre apicultura ministradas nos Jardins do Luxemburgo estão sempre cheias, com 200 alunos se formando a cada ano, disse Marie Laure Legroux, da Sociedade Central de Apicultura francesa, que leciona no local.

Os operadores de pomares e hortas comunitários em Paris solicitam colmeias à prefeitura, que as distribui aos pomares e outros locais. O número de organizações que estão recebendo colmeias vem crescendo gradualmente, porque a cidade quer garantir que a população de abelhas não exceda a disponibilidade de pólen e néctar oferecida pelas árvores e flores dos parques, jardins e cemitérios.

“A abelha é o inseto mais essencial para a vida do planeta”, disse Pénélope Komités, prefeita assistente encarregada de espaços verdes, biodiversidade, agricultura urbana e cemitérios,um dos locais preferidos das abelhas para a coleta de pólen.

“Talvez um dos motivos para que as pessoas agora desejem criar abelhas é que isso é uma maneira de participar da proteção ao meio ambiente.”

Mas algumas pessoas se deixam cativar pela apicultura simplesmente ao ver as abelhas. Audric de Campeau adora demonstrar o quanto é seguro trabalhar com abelhas, rejeitando os macacões protetores brancos e as máscaras usados pelos apicultores.

Campeau muitas vezes leva sua filha de seis anos com ele para cuidar de suas colmeias, que às vezes ficam no topo de edificações conhecidas como a École Militaire e a escola de culinária Cordon Bleu.

Os benefícios ambientais das abelhas estão bem documentados; elas respondem pela polinização de cerca de um terço das safras alimentícias do planeta.

Nas últimas décadas, porém, seu número começou a cair por causa do uso de pesticidas, da presença de predadores como o a vespa asiática, e da agricultura comercial, que remove ervas floridas, cercas vivas e arbustos a fim de abrir espaço para vastos campos de cereais como o trigo e o milho, que pouco interessam às abelhas.

A redução da população de abelhas em algumas áreas pode causar uma crise para os seres humanos. Em algumas regiões da China, as abelhas se tornaram tão escassas que os plantadores de maçãs e peras agora precisam fazer o trabalho que cabia a elas, recolhendo pólen manualmente e levando-o de árvore em árvore.

Em Paris, as pessoas que cuidam de abelhas variam de empreendedores em busca de lucros, como Campeau, a estudantes. Alguns proprietários de abelhas criaram empresas que alugam colmeias, enquanto outros trabalham sozinhos. Algumas grandes empresas alugam colmeias e pagam para que terceiros tomem conta delas e recolham o mel.

Muita gente adota a apicultura como hobby, como fez Armand Malvezin cerca de 33 anos atrás, quando se tornou uma das primeiras pessoas de Paris a manter colmeias. 

Malvezin tem cerca de uma dúzia de colmeias em sua sacada, e cuida delas duas vezes por dia, para garantir que estejam protegidas contra predadores e que não haja superlotação de abelhas.

“É exatamente como se eu tivesse um cachorro”, ele disse.

As abelhas já reconhecem o cheiro dele, diz, e não costumavam atacá-lo — pelo menos ate que ele começasse a usar aparelhos para a surdez. “Descobri que elas não suportam as ondas de rádio que o aparelho auditivo emite”, disse.

Removendo cuidadosamente os pequenos aparelhos dos dois ouvidos, ele acrescentou: “Agora só tenho contato visual com elas”.

Algumas poucas colmeias podem produzir mel suficiente para abastecer a cozinha de um restaurante. Em média, uma colmeia produz cerca de 25 quilos de mel por ano, mas sua capacidade pode ser muito maior ou muito menor, a depender de diversos fatores.

O restaurante La Tour d’Argent, que tem duas estrelas no Guia Michelin, mantém colmeias em seu telhado, para produzir o mel usado como tempero em alguns de seus pratos de outono, e em suas sobremesas. O mesmo vale para o Mandarin Oriental Hotel. A Opéra Garnier vende mel produzido em seu telhado na loja de presentes do teatro, e o mel produzido pelas colmeias no topo da Notre Dame é dado aos pobres.

O número de colmeias existentes em Paris é capaz de produzir apenas uma fração do mel encontrado em outras áreas da França, onde apicultores mantêm dezenas ou mesmo centenas de colmeias em atividade, para produção de mel em escala industrial.

Em 2016, toda a região de Paris, que inclui as áreas rurais em torno da cidade, produziu 324 toneladas do total de cerca de 16 mil toneladas de mel produzidas na França, de acordo com a Associação de Desenvolvimento Agrícola Regional francesa.

O sul da França é o maior produtor de mel, o que não surpreende, porque a região também cultiva o maior volume de frutas macias e de árvores floridas da França, que são fontes ricas de néctar para as abelhas.

A abelha que conduz sua excursão turística pela cidade de Paris poderia optar por evitar os grandes monumentos e mostrar a cidade por meio de visitas a pequenos pomares comunitários, cujos vizinhos cuidam dedicadamente das colmeias neles instaladas. Também poderia levar os visitantes a diversas estações de bombeiros, onde os bombeiros da cidade cuidam de abelhas.

A excursão poderia terminar na sacada em que Malvezin e a mulher, Michèle Bonnefond, cuidam amorosamente de suas colmeias, e onde, em meio a um edifício de concreto que também parece uma colmeia, fazem mel.

“A presença mesma das abelhas no ambiente”, disse Malvezin sobre suas colmeias urbanas, “sugere a possibilidade de outra maneira de viver”.

Tradução de Paulo Migliacci

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