Ministro do Meio Ambiente se diz surpreso por fusão e preocupado com danos

Ex-ministros dizem que união é retrocesso e que Bolsonaro é 'inconsciente de sua incompetência'

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São Paulo

O ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, disse nesta quarta (31) que recebeu com surpresa e preocupação o anúncio da fusão da pasta com a Agricultura. 

O anúncio da fusão dos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura foi feito nesta terça (30), após uma reunião, no Rio de Janeiro, para tratar da transição de governo. Também foi anunciada a criação de um superministério da Economia, sob comando de Paulo Guedes. 

No fim da tarde desta quarta (31), porém, o presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Luiz Antônio Nabhan Garcia, afirmou que a junção ainda não está definida. Segundo ele, a questão só será definida “ao longo de muita conversa”. 

Ele afirma que os dois órgãos são de imensa relevância nacional e internacional e têm agendas próprias, que se sobrepõem apenas em uma pequena fração de suas competências e que o novo ministério teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para as duas agendas. 

Ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte
Ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte - Fernando Alves/Governo do Tocantins

O ministro, em nota, afirma ainda que a pasta ambiental conversa com diversas agendas públicas e extrapola cada uma delas, o que, consequentemente, justifica uma estrutura própria e fortalecida.

"O novo ministério que surgiria com a fusão do MMA [Ministério do Meio Ambiente] e do MAPA teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para as duas agendas", diz a nota, salientando em seguida os possíveis prejuízos econômicos —já apontados por especialistas— por parte do agronegócio.

A questão da sobrecarga de uma agenda tão ampla sob responsabilidade de um único ministro também é apontada como um possível problema por Duarte. Segundo ele, isso ameaçaria o protagonismo da representação brasileira em fóruns globais.

"Temos uma grande responsabilidade com o futuro da humanidade. Fragilizar a autoridade representada pelo Ministério do Meio Ambiente, no momento em que a preocupação com a crise climática se intensifica, seria temerário", diz Duarte.

Além de Duarte, oito ex-ministros do Meio Ambiente se manifestaram em artigo publicado na Folha a favor da manutenção do ministério e da permanência do Brasil no Acordo de Paris, já ameaçada por Bolsonaro.

Marina Silva, ex-ministra durante parte do governo Lula e candidata à presidência na eleição de 2018, classifica a fusão como absurda e desastrosa. "Ele [Bolsonaro] não tem consciência das incompetências que tem para lidar com essa agenda."

"Você submete um ministério que tem a função de fiscalizar ao setor que será fiscalizado", diz a ex-ministra à Folha. "Uma área que é de alta relevância para a proteção da biodiversidade e o interesse imediato de um agricultor específico. O que vai prevalecer nesse novo arranjo? O que prevalecia eram os estudos técnicos e científicos, porque não se pode sacrificar recursos de milhares de anos pelo lucro de poucas décadas."

Carlos Minc, sucessor de Marina Silva na pasta, afirma que o artigo publicado na Folha por oito ex-ministros —com o título "Não podemos desembarcar do mundo"— é mais atual do que nunca e classifica o momento como assustador. Segundo o ex-ministro, trata-se do maior retrocesso dos últimos 50 anos.

"Apenas com a expectativa de reforço da bancada ruralista num possível governo Bolsonaro, antes mesmo dele ir para o segundo turno e ganhar, já estava aumentando o desmatamento e as ameaças ao Ibama e ao ICMBio", diz Minc. "Agora imagina configurada essa vitória e a perda de status do ministério e, portanto, dos seus órgãos principais. Quantas [desastres] Marianas e como ficará a biodiversidade protegida pelos ruralistas. É realmente de arrepiar."

Para Izabella Teixeira, também ex-ministra, a fusão é um erro e um apequenamento dos papéis de ambos os ministérios. "Meu trabalho todo no ministério não era dedicado ao ministério da Agricultura, pelo contrário", diz. "É essa distância da realidade que é incompreensível. É desconhecer a dinâmica de tomada de decisão dos dois ministérios."

Teixeira afirma a área ambiental é um dos únicos soft-powers que a política externa brasileira tem e que o mesmo não pode ser dito da agricultura, que, por sua vez, tem grande importância econômica. "O MMA é uma força, é uma marca global."

Segundo a ex-ministra, é necessário debate e diálogo para entender a motivação do novo governo. 

"Simbolicamente, é dizer para o mundo que estamos desembarcando do mundo no século 21. É impressionante o desconhecimento do novo governo sobre o papel do Brasil na esfera internacional a respeito das questões ambientais", diz Teixeira.

Silva lembra também que até na ditadura militar foi criado o Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Além de uma possível mancha na imagem internacional do país e perdas econômicas para os próprios atores do agronegócio, a insegurança jurídica, derivada da judicialização de temas ambientais, é outro ponto levantado pela ex-ministra. 

Ela cita como exemplo possíveis outorgas para uso de água para irrigação em determinadas áreas, nas quais pode haver quadros de escassez de água. "Qual vai ser a autonomia para, com base em critérios técnicos, fazer essa outorga, pensando no interesse da sociedade? Mesmo que muitas vezes tenha sido feito com base técnica, vai colocar em dúvida. Isso cria insegurança jurídica."

Vicente Andreu, ex-diretor-presidente da ANA (Agência Nacional de Águas, autarquia ligada ao MMA), diz que o plano de governo de Bolsonaro era omisso em relação a questão de águas e, caso a agência seja também integrada ao ministério da Agricultura, as consequências tendem a ser terríveis.

Um dos pontos levantados por Andreu é a questão dos usos múltiplos das águas. "Ao colocar [a ANA] no meio ambiente, você distancia a água dos seus interesses de uso mais fortes: energia, saneamento, a agricultura, que é o maior usuário. Então você subordinar a agência a um usuário preponderante, em termos de quantidade de água, coloca em risco a independência do sistema. É uma proposta que eu considero desastrosa. É o ministério marcar o pênalti e chutar", diz.

Andreu, inclusive, diz que a decisão contraria a constituição e a lei de águas, que garantem os usos múltiplos do bem. O ex-diretor-presidente teme que uma das consequências da fusão seja o agravamento de quadros de crise hídrica.

"É preciso uma mobilização da opinião pública", diz a ex-ministra, sobre a reação que espera em relação à fusão. Silva classifica a manobra como um capricho, um "toma lá, dá cá a custa do futuro dos nossos filhos, netos e da nossa possibilidade de futuro".

Segundo Minc, "o recuo do recuo" com o anúncio da fusão mostra que a pauta  antiambiental está consolidada. "Todos esses projetos com um víes francamente antiambiental, antilicenciamento, anti-índio, pró-agortóxico são patrocinados pela maior bancada, que é a ruralista, e que agora vai comandar um ministério, ao qual estará subordinado o meio ambiente."

Silva e Andreu, por fim, afirmam que a decisão de Bolsonaro de fundir os ministérios pode criar um efeito em cascata e levar estados a submeter os órgãos ambientais às secretarias de agricultura.

Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista e deputado reeleito pelo PSB do Rio de Janeiro, Alessandro Molon anunciou que tomará medidas legislativas para evitar a extinção do Ministério do Meio Ambiente. "Será objeto de disputa política na Casa. Nós vamos obstruir, trazer emendas para dizer que não aceitamos essa medida", adianta.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) acrescenta, em coletiva de imprensa no salão verde da Câmara, que na semana que vem uma moção deve ser assinada por parlamentares de diversos partidos contra a proposta. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, também se posicionou, através da sua assessoria, contrário à fusão das pastas, que poderia, segundo ele, afetar a imagem de produção sustentável promovida pelo Brasil no exterior.

Não só parlamentares de esquerda se posicionaram contra a junção das pastas. O ex-ministro do Meio Ambiente do governo de Michel Temer, Sarney Filho (PV-MA), afirmou que a medida seria prejudicial também para o agronegócio. 

"Essa proposta é uma verdadeira tragédia não só para o Brasil, mas para o mundo. Essa proposta desconhece a biodiversidade do país mais diverso do mundo, desconhece o papel do Brasil no combate ao aquecimento global que bate à porta de todo mundo, também desconhece que o próprio agronegócio vai ser prejudicado, porque os nossos concorrentes vão usar esse argumento", afirmou. 

A junção traz preocupação a especialistas ambientais e ONGs, que temem aumento do desmatamento e maior violência no campo. 

Já o agronegócio está dividido sobre o tema, por temer que a união traga problemas exclusivamente ambientais para serem tratados pelo setor agrícola.

“O número vai ser de um ministério a menos, mas isso não vai reduzir a máquina [pública]; vai criar outro problema, então o resultado é zero”, opina Luiz Cornacchioni, diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). “O sinal é muito ruim, principalmente para o mercado externo. O agro tem quase US$ 100 bilhões [cerca de R$ 370 bilhões] em exportação para mercados mundiais, alguns deles muito exigentes, como a União Europeia e o Japão. Como você explica para eles que o ministério regulador fica embaixo do ministério regulado?”, aponta Cornacchioni, que também é facilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, junto ao ambientalista André Guimarães.

“O país campeão de biodiversidade não ter um Ministério do Meio Ambiente é como um campeão da Copa do Mundo ficar sem seleção”, compara o cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães. Segundo ele, “são nossas florestas que geram chuva para nossa agricultura, portanto é preciso buscar integração entre essas agendas e não submeter uma à outra”. Em vez da fusão, Guimarães defende um conjunto de 28 propostas enviado aos presidenciáveis durante a campanha eleitoral para execução ao longo do mandato.

Com mais de 170 membros, a Coalizão trabalha há quatro anos para conciliar aumento da produção e da preservação, com foco em propostas de médio e longo prazo — e não nos atritos factuais entre os setores. No entanto, o anúncio da fusão dos ministérios representou uma exceção e fez um núcleo de representantes se reunir às pressas para elaborar uma nota contrária à proposta, em que o grupo se coloca à disposição para dialogar com o governo.

Ainda durante o segundo turno, a equipe de Bolsonaro havia admitido a chance de rever a fusão, que já não agradava a bancada ruralista no Congresso. Na terça (31), o deputado cotado para assumir a Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), anunciou, após reunião com a equipe de Bolsonaro, que a fusão dos dois ministérios estava mantida.

“No começo até achei que poderia ser bom, mas depois vi que seria difícil, porque o ministério do Meio Ambiente cuida de muito mais que Agricultura, tem resíduos sólidos, indústria, enquanto o agro envolve cadeias produtivas vastíssimas, mas temos que conversar, porque só a equipe dele conhece [a proposta]”, diz a deputada reeleita e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Tereza Cristina (DEM-MS).  “Vamos evitar radicalismos e exageros, negociando ainda na transição o que não for cláusula pétrea do programa de governo”, ela adianta. 

Na semana que vem, a deputada deve levar a uma reunião com Bolsonaro uma lista de demandas do setor agropecuário. Além de questionar a fusão dos dois ministérios, a pauta da reunião recupera as discussões sobre a legislação sobre compra de terras por estrangeiros, a demarcação de terras indígenas e o licenciamento ambiental.

Segundo representantes do agronegócio ouvidos pela reportagem e que preferiram não se identificar, o agronegócio estaria sofrendo com organizações ruralistas que não representam os interesses do mercado, mas apenas dos seus porta-vozes.

A Frente Parlamentar da Agropecuária estaria mais conectada com as necessidades do agronegócio exportador do que a União Democrática Ruralista (UDR), cujo presidente, o pecuarista Antônio Nabhan Garcia, deve ser indicado por Bolsonaro para o Ministério da Agricultura. A UDR, segundo fontes do setor, traria "uma visão atrasada, de 50 anos atrás'. A esperança de grandes produtores é a influência econômica sobre o governo. Segundo um produtor, Bolsonaro não deve virar as costas para o setor que "carrega o PIB do país".

Até agora, a exceção tem sido Xico Graziano. O ex-secretário estadual de Meio Ambiente em São Paulo e ex-chefe de gabinete no governo FHC reagiu positivamente à proposta em sua conta no Twitter.

"Fusão dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, confirmada por @jairbolsonaro, cria uma desafiadora agenda de trabalho entre ruralistas e ambientalistas. Sai o Produzir x preservar, entra Produzir + Preservar. Somar, não dividir. Entramos na era do agroambientalismo!", diz a publicação. ​

O engenheiro agrônomo deixou o PSDB há menos de um mês para apoiar a campanha de Bolsonaro à Presidência.

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