Ministério Público aponta crimes de licenciamento ambiental em MT

Processos teriam furado fila e ganhado pareceres de analistas parte do esquema; suspeitos negam

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Rodrigo Vargas
Cuiabá (MT)

​Investigações da Delegacia do Meio Ambiente (Dema) e do Ministério Público de Mato Grosso revelaram nos últimos quatro meses um amplo esquema de fraudes na principal ferramenta de licenciamento de propriedades rurais no Estado.

As suspeitas de irregularidades no CAR (Cadastro Ambiental Rural) envolvem quase 600 processos validados em junho de 2017 pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema).

Área de floresta próxima a pasto em Mato Grosso
Área de floresta próxima a pasto em Mato Grosso; estado é um dos que mais destrói matas - Lalo de Almeida 14.nov.2106/Folhapress

Segundo a promotoria, os procedimentos eram lastreados em informações e documentos falsos e, no âmbito da secretaria, validados por laudos técnicos de fachada. As fraudes abriam caminho para desmates ilegais.

Em apenas um dos casos investigados pela promotoria, o esquema pode ter permitido a derrubada irregular de mais de 5 mil hectares de florestas —uma área equivalente a 22 vezes à do parque Ibirapuera.

No último dia 18, o então secretário André Luís Torres Baby (Meio Ambiente) foi preso sob a suspeita de envolvimento em constituição de organização criminosa e inclusão de dados falsos em sistema informatizado.

A Justiça também determinou na última semana o bloqueio de R$ 407 milhões em bens em nome de cinco supostos beneficiários dos licenciamentos fraudados na região de Querência (959 km de Cuiabá). Entre eles, está o prefeito do município, Fernando Gorgen (PSB), que nega as acusações.

“Vendi minha fazenda há mais cinco anos e, desde então, não tenho mais propriedade em Querência. O problema é que o pessoal que comprou não escriturou a terra, que ainda consta como minha. Mas tenho o contrato de compra e venda para provar”, disse.

Libertado usando uma tornozeleira eletrônica, o secretário Baby negou participação nas irregularidades apontadas. “Quem deve irá pagar, mas eu sou inocente. Tenho uma história de lisura no serviço público e vou provar isso.”

O governo estadual publicou nota anunciando que o secretário havia pedido sua exoneração do cargo para se dedicar à sua defesa. O pedido foi aceito pelo governador Pedro Taques (PSDB).

Na nota, o governo diz que sua área ambiental trabalha com rigor e em parceria com as autoridades para coibir eventuais fraudes. “Os 595 cadastros sob suspeita estão em auditoria e, desde o dia 23 de novembro, a pasta vem conferindo publicidade e transparência aos registros que foram cancelados ou reativados, por meio do Diário Oficial”, afirma a nota.

Segundo as investigações, que receberam o nome de Operação Polygonum (em referência às medidas georeferenciadas exigidas nestes processos), o suposto esquema de fraudes começou junto com a implantação do CAR, mas ganhou força após a nomeação de Baby como titular da pasta, em dezembro de 2017.

O impulso, segundo a promotoria, se deu com a nomeação do engenheiro agrônomo João Dias Filho para o cargo de superintendente de Regularização e Monitoramento Ambiental da SEMA.

Proprietário da Temática Engenharia Agroflorestal Ltda, que atuava justamente com processos no âmbito do CAR, Dias Filho não se desligou da empresa antes de assumir o cargo. Segundo a promotoria, ao mesmo tempo em que era superintendente da Sema, Dias Filho determinava os valores e teores dos contratos a serem apresentados aos clientes do escritório.

As investigações apontam que o superintendente oferecia facilidades a seus clientes em relação ao trâmite dos processos na secretaria.

Para conseguir os resultados, diz a promotoria, Dias Filho cooptou quatro analistas ambientais da secretaria, direcionando a eles os processos de interesse.

Além da nomeação da figura apontada como chave no suposto esquema, a atuação de Baby foi colocada sob suspeita em razão da suposta inserção, em duas oportunidades, de dados falsos no sistema informatizado de distribuição dos processos.

Um dos casos ocorreu em setembro de 2017, quando Baby ainda ocupava o cargo de secretário-executivo.

Segundo as investigações, ele alterou indevidamente a ordem de distribuição do processo relacionado à Fazenda Canaã, de propriedade do grupo Amaggi, da família do ministro Blairo Maggi (Agricultura).

Segundo a promotoria, Baby “retirou o procedimento da ordem cronológica de análise e o redistribuiu manualmente, de forma oculta, para o analista Guilherme Augusto Ribeiro, também membro da organização criminosa”, em desacordo com as regras. 

Entre as irregularidades validadas pelo suposto esquema estava o reconhecimento como cerrado de áreas que na verdade eram de floresta. Isso permitia ampliar de 20% para 65% a área autorizada para desmatamento.

Mato Grosso é um dos estados que mais desmata

Desmatamento da Amazônia entre agosto de 2017 e julho de 2018

  1. Pará

    2.840 km²

  2. Mato Grosso

    1.749 km²

  3. Rondônia

    1.314 km²

  4. Amazonas

    1.045 km²

  5. Acre

    470 km²

  6. Maranhão

    281 km²

  7. Roraima

    176 km²

  8. Tocantins

    25 km²

  9. Amapá

    0 km²

O reconhecimento de áreas de desmatamento recente como se tivessem sido realizadas antes de 22 de julho de 2008, segundo a promotoria, foi outra facilidade oferecida. Isso livrava os proprietários das regras mais rígidas de recomposição florestal  impostas pelo Código Florestal.

Outra tentativa de burlar as regras era a divisão de uma única propriedade em diversas cotas societárias, usando contratos sociais fictícios.

O objetivo, nesta modalidade, era obter benefícios previstos para áreas menores, com até quatro módulos fiscais (60 a 100 hectares cada), como a dispensa de constituição de novas áreas de reserva legal decorrentes de desmatamentos realizados antes de 2008.

No caso que envolve o prefeito de Querência, foram identificadas irregularidades nos processos das fazendas Santa Luíza I e II, Maria Fernanda I e II, Santiago I e II, Eduarda e Conquista.

“O núcleo do imbróglio se resume em desmatamento superior ao permitido por lei, alterando-se a classificação da fitofisionomia vegetal para cerrado ao invés de floresta”, disse o juiz Thalles Nóbrega Rezende de Britto, na decisão que determinou a indisponibilidade dos bens dos supostos beneficiários.

À imprensa, ao ser liberado da prisão, Baby disse que iria prestar “todos os esclarecimentos”. “Eu não tenho qualquer ligação com as pessoas envolvidas neste caso.” 

A reportagem tentou contato com o secretário, mas não obteve retorno. 

A reportagem não conseguiu contato com a defesa do ex-superintendente João Dias Filho, que sempre negou qualquer relação com as supostas irregularidades.

Em nota, a Amaggi informou que adquiriu a fazenda citada no processo em 2013, "já com passivo ambiental". "A fazenda tem produzido soja e milho, porém sem utilizar a área embargada e respeitando todos os preceitos legais", disse a empresa.

Sobre o processo de licenciamento sob suspeita, a empresa disse que o embargo sobre parte da área ainda permanece e que "a Amaggi em nenhum momento foi favorecida ou beneficiada".

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