Condições do tempo são armas na discussão sobre mudança climática

Eventos extremos ajudam a compreender o sentido das transformações em curso

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Brad Plumer
Washington | The New York Times

No verão, quando ondas de calor se abatem sobre cidades ou chuvas pesadas inundam as regiões costeiras, alguns ambientalistas e cientistas climáticos chamam a atenção para quaisquer ligações plausíveis com o aquecimento global, torcendo que as condições do tempo de hoje ajudem as pessoas a entender o perigo que a mudança climática encerra para nosso amanhã.

Então chega o inverno. E a mesma coisa se repete regularmente: aqueles que querem negar o consenso científico segundo o qual os humanos estão aquecendo o planeta tentam desacreditar o argumento. Em janeiro, quando grande parte dos EUA foi assolado por um frio intenso, o presidente Donald Trump foi ao Twitter para ironizar os temores climáticos: “Um pouquinho daquele bom e velho aquecimento global não seria mal agora!”.

Bem-vindos às guerras do tempo. Enquanto se acirra a discussão entre aqueles que anunciam a mudança climática e aqueles que a negam, os dois lados recorrem cada vez mais aos fenômenos climáticos extremos como armas para tentar convencer pessoas de seu lado na discussão. 

Afinal, o tempo é um dos tópicos mais fáceis sobre os quais as pessoas podem concordar ou reclamar, é tema constante de conversas e é uma experiência compartilhada que pode representar uma oportunidade simples, mas importante, para discutir o aquecimento global.

Contudo, como mostram as palavras de Trump, é também um argumento que pode ser abusado facilmente. Isso aumenta a importância do modo como os cientista —que há muito tempo tentam distinguir entre flutuações meteorológicas de curto prazo e mudanças climáticas de longo prazo— discutem os vínculos entre as duas coisas.

“A maioria das pessoas vai vivenciar a mudança climática através das condições do tempo, especialmente dos eventos meteorológicos extremos”, disse Susan Jay Hassol, diretora da ONG de divulgação científica Climate Communication. “Não nos damos conta da mudança lenta na temperatura média. O que sentimos pessoalmente são as mudanças em eventos climáticos extremos. Por isso, o modo como discutimos esses eventos  é muito importante.”

Uma razão por que o tempo pode oferecer uma oportunidade potente de transmitir uma mensagem climática talvez se resuma à psicologia humana. A ciência climática muitas vezes é complexa e abstrata. Pode ser difícil sentirmos pessoalmente as implicações de um gráfico que mostra a alta das temperaturas globais ao longo do tempo ou de estatísticas que indicam que altas temperaturas ou chuvas torrenciais vêm se tornando mais frequentes.

Psicólogos sugerem que essas experiências viscerais tornam mais fácil para nosso cérebro imaginar cenários futuros possíveis para o mundo, e fazem com que eles lhes pareçam mais prováveis.
Alguns mensageiros entenderam há muito tempo que a emoção e o caráter imediato podem constituir uma força poderosa. 

“Trump é um sujeito que entende de branding”, comentou David B. Srere, co-executivo-chefe e diretor de estratégia da consultoria de branding Siegel+Gale. “Ele conhece seu público e sabe narrar uma história simples e clara. Os ativistas climáticos e a comunidade científica precisam melhorar a compreensão de seu público e descobrir um jeito de narrar uma história simples que possa ser repetida com frequência.”

Nos últimos anos alguns cientistas climáticos vêm procurando converter surtos de mau tempo severo em ferramentas de ensino ao público. “Esta é a cara do aquecimento global”, disseram cientistas no verão de 2012, uma estação marcada por estiagens em áreas extensas, incêndios florestais e avisos públicos sobre calor extremo.

Em 2005, quando o furacão Katrina devastou Nova Orleans, muitos cientistas reagiram com cautela, dizendo que seria difícil atribuir um evento único ao aquecimento global. Alguns destacaram que as temperaturas oceânicas cada vez mais altas podem tornar os furacões mais destrutivos, em média, no futuro. Mas mesmo isso era bastante abstrato.

Essa mensagem vem mudando com o tempo. Isso ocorre em parte porque, à medida que os modelos climáticos vêm melhorando, cientistas têm podido demonstrar mais rigorosamente como as emissões crescentes de gases estufa intensificaram as ondas de calor e estiagens recentes ou elevaram suas chances de ocorrer. 

Mas essa estratégia pode funcionar nos dois sentidos. Os negadores da mudança climática também vêm usando as condições do tempo no dia a dia para moldar a percepção das pessoas. O senador republicano James Inhofe, do Oklahoma, chegou a levar uma bola de neve ao Senado um dia para sugerir que o aquecimento global não é problema. Quando ocorrem ondas de frio, Trump costuma ridicularizar as preocupações com a mudança climática.

Isso levanta a questão de se as divergências nas mensagens sobre eventos climáticos graves e mudança climática estão alterando as percepções públicas ou se cada lado está apenas pregando aos que já acreditam em sua mensagem.

Há alguns sinais de que a opinião pública esteja mudando, entretanto. Uma pesquisa recente de cientistas das universidades de Yale e George Mason constatou que 69% dos americanos estão “preocupados” com o aquecimento global —um aumento de 8% em relação à primavera do ano passado. 

Uma explicação possível do aumento, sugeriram os cientistas, é a onda de desastres climáticos extremos ocorridos em 2018, desde incêndios a furacões, somada aos esforços de cientistas e até mesmo de apresentadores de previsões do tempo na TV a apresentar o contexto climático maior desses eventos.

“Por muito tempo os americanos enxergaram a mudança climática como uma ameaça distante”, disse Edward Maibach, professor da universidade George Mason que trabalha com comunicação sobre mudança climática. “Mas, diante de nossa pesquisa mais recente, acho que não posso mais continuar dizendo isso. Estamos assistindo a uma mudança grande. Muitas pessoas compreendem que a mudança climática já está acontecendo.” 


Tradução de Clara Allain

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