Pelo clima, jovens da Noruega querem parar petroleiras

País nórdico optou por não explorar petróleo na região das ilhas Lofoten

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Nerijus Adomaitis
Reuters

Quando o maior partido político da Noruega decidiu que as ilhas Lofoten, ao norte da costa do país, não deveriam ser abertas à exploração petroleira, um calafrio percorreu a espinha do setor de energia.

A decisão do Partido Trabalhista, de oposição, no final da semana passada, na prática põe fim a qualquer perspectiva de perfuração experimental, no futuro próximo, em uma área de grande beleza natural que, segundo executivos do setor de energia, é importante para o futuro da produção petroleira norueguesa.

Homem pula na água com imagem do sol ao fundo
Ilhas Lofoten, na Noruega - Olivier Morin/AFP

Foi um exemplo severo da mudança de prioridades que vem acontecendo em um país que se tornou um dos mais ricos do planeta por conta do petróleo. Os jovens parecem especialmente preocupados com a mudança do clima e vêm pressionando por restrições à exploração, e muitos deles acreditam no impensável: fechar de vez o setor petroleiro.

"O clima vem primeiro, o dinheiro depois", disse Simon Sand, 16, em uma manifestação diante do Parlamento durante um recente protesto sobre a mudança do clima, inspirado pela ativista adolescente sueca Greta Thunberg.

Embora haja quem descarte esses protestos como exemplos de rebeldia juvenil, fica bem claro que a juventude está pressionando por mudanças.

A decisão dos trabalhistas, que tradicionalmente são aliados do setor petroleiro, de retirar seu apoio à exploração das ilhas Lofoten se deve basicamente a uma campanha interna conduzida pela sua organização de juventude, AUF.

"Nessa área a natureza precisa vir em primeiro lugar", disse Ina Libak, 29, líder da AUF, à Reuters. "Porque ela é muito vulnerável e por causa do setor pesqueiro e outros setores."

De fato, as alas jovens de sete dos nove partidos políticos representados no Parlamento norueguês apelaram por restrição ou paralisação completa das atividades petroleiras, de acordo com uma revisão pela Reuters dos programas das organizações juvenis.

A ala jovem do Partido Conservador, que governa o país, não apela por restrições, mas diz presumir que o setor venha a passar por uma redução, "causada pelo mercado e pela preocupação ambiental". A AUF, do Partido Trabalhista, quer que o setor petroleiro encerre de vez suas atividades, no máximo em 2035.

A decisão dos trabalhistas quanto às Lofoten, que criou uma maioria parlamentar contra a exploração, causou consternação no setor de petróleo e gás natural. As estimativas são de que a área contenha 5% dos recursos totais não descobertos de energia na plataforma continental norueguesa, e além disso os executivos de energia temem que o lobby ambiental em breve avance para novos objetivos, como impedir a exploração do mar Ártico.

Os sindicatos colocaram em destaque os riscos econômicos de eliminar o setor petroleiro e de gás natural, que emprega 170 mil pessoas e é a principal fonte de receita do país; o governo projeta que ele deva responder por 17% do Produto Interno Bruto (PIB) norueguês este ano.

"Todo governo responsável, de esquerda ou de direita, terá de equilibrar o orçamento, e dependerá de receitas do petróleo e gás natural", disse Frode Alfheim, líder do maior sindicato dos trabalhadores petroleiros noruegueses, Industri Energi.

"Não será possível substituir essa arrecadação por outras fontes. Boa parte do custeio da previdência vem desse setor", ele disse à Reuters.

Outro sinal da oposição cada vez mais dura aos combustíveis fósseis, especialmente entre as pessoas mais jovens, e de seu impacto sobre o setor de energia é a falta de mão de obra qualificada para substituir os trabalhadores do setor de petróleo e gás natural que estão chegando à aposentadoria.

A gigante estatal do petróleo, Equinor, maior produtora de petróleo do país, espera que cerca de metade de seus 21 mil trabalhadores se aposente nos próximos 10 anos. Mas o número de matrículas no programa de geociência e engenharia de petróleo na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, em Trondheim, o principal curso do país nessa área, caiu a 33 em 2018, ante 420 em 2013 —ainda que a queda no preço do petróleo cru entre 2014 e 2016 talvez também possa ter influenciado a tendência.

"Será difícil para nós fornecer profissionais em número suficiente para as empresas de petróleo, nos próximos cinco anos", disse Egil Tjaaland, diretor do departamento de geociência e petróleo da universidade, à Reuters.

"Será que isso foi uma resposta à queda no preço do petróleo ou a razões ambientais, ou talvez políticas? Os jovens de hoje querem empregos seguros, empregos com futuro —como sempre aconteceu", ele acrescentou.

"O pior que podemos fazer pelas pessoas que trabalham no setor de petróleo e gás natural é ignorar o que está acontecendo no exterior e dizer 'boa sorte com isso'", disse Libak, da AUF.

"Quando a Europa deixar de usar petróleo e gás natural e adotar outras fontes de energia, e isso está acontecendo muito rápido, seríamos afetados. Realmente me preocupo com a possibilidade de termos desemprego elevado, dentro de 20 anos, se não planejarmos agora."

Ada Johanna Arnstad, 26, líder da ala jovem do Partido de Centro, uma organização ruralista, questionou de que forma a Noruega poderia manter uma produção elevada de petróleo e gás natural se os países cumprirem suas metas de redução na emissão de poluentes, sob o Acordo de Paris quanto ao clima. Isso causaria queda na demanda por combustíveis fósseis.

"No momento, nós [a Noruega] estamos planejando para colocar em vigor o Acordo de Paris. Se isso acontecer, teremos questões sérias por aqui, caso continuemos a acreditar que a produção de petróleo e gás natural durará por mais 50 anos", disse Arnstad.

A família dela conhece bem o setor de energia. Sua tia, Marit Arnstad, foi ministra do petróleo e membro do conselho da Equinor.

A gigante estatal do setor mudou de nome no ano passado (antes se chamava Statoil), em parte para se tornar mais atraente aos olhos dos jovens ao enfatizar suas credenciais no segmento de energia renovável.

"É preciso encarar os fatos; a pressão cada vez mais intensa e as expectativas maiores [quanto às empresas de petróleo] não vêm só de segmentos políticos estreitos e ativistas, como costumava acontecer", disse Eldar Saestre, presidente-executivo da Equinor, a executivos petroleiros em Houston, no mês passado.

"Agora ela vem também de setores políticos mais amplos, de mais e mais investidores, e especialmente dos jovens", ele diz.

De um país pobre caracterizado pela emigração e por depender da pesca e da agricultura, a Noruega se tornou uma nação próspera depois da descoberta de petróleo em Ekofisk, no Mar do Norte, em 1969.

Hoje, sua renda per capita é cerca de duas vezes maior que a do Reino Unido, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2018, e o governo prudentemente aplicou o dinheiro ganho com o petróleo na constituição de um fundo nacional de investimento que hoje detém US$ 1 trilhão (cerca de R$ 3,9 trilhões) em ativos —o maior do planeta.

Mas, em um sinal dos tempos, o gigantesco fundo de investimento agora está reduzindo sua presença em companhias de petróleo e gás natural, para minimizar a exposição ao risco de um declínio permanente nos preços do petróleo.

Para o banco central norueguês, que administra o fundo, dono de cerca de 1,4% das ações em circulação no planeta, não é questão de se o setor petroleiro desaparecerá, mas de quando.

"Sempre soubemos que as atividades de petróleo e gás natural chegariam ao fim, mais cedo ou mais tarde", disse Oeystein Olsen, o presidente do banco central norueguês, em uma reunião da elite política e empresarial do país em fevereiro.

"Uma política mundial mais severa quanto ao clima significa que isso deve ocorrer antes do que se previa no passado", ele disse, ainda que tenha acautelado contra esforços ativos para reduzir o tamanho do setor.

Tradução de Paulo Migliacci

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