Descrição de chapéu The New York Times

Mais de 1 milhão de espécies estão em risco de extinção, diz ONU

Relatório é o mais amplo já feito sobre o tema e envolveu 145 cientistas e 15 mil fontes

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Nova York | The New York Times

Os seres humanos estão alterando as paisagens naturais da Terra de forma tão dramática que agora há pelo menos 1 milhão de espécies de animais e plantas em risco de extinção, o que representa grave ameaça a ecossistemas de que povos de todo o mundo dependem para sua sobrevivência, de acordo com um novo e abrangente panorama publicado pelas Nações Unidas.

O relatório de 1.500 mil páginas, compilado por importantes especialistas internacionais e baseado em milhares de estudos científicos, representa a observação mais abrangente até o momento quanto ao declínio da biodiversidade em todo o planeta e o risco que isso acarreta para a civilização humana.

Um sumário das constatações, aprovadas por representantes dos Estados Unidos e 131 outros países, foi divulgado na segunda-feira em Paris. O relatório completo deve ser lançado neste ano.

As conclusões são sombrias. Na maior parte dos habitats terrestres, das savanas da África às florestas tropicais da América do Sul, a abundância média de vida animal e vegetal caiu em 20% ou mais nos últimos cem anos. Com a população humana ultrapassando os sete bilhões, atividades como a agricultura, exploração madeireira, caça clandestina, pesca e mineração estão alterando o mundo natural "em ritmo sem precedentes na história humana".

Ao mesmo tempo, uma nova ameaça está emergindo. O aquecimento global se se tornou grande propulsor do declínio na vida natural, constatou a avaliação, ao mudar os climas naturais nos quais muitos mamíferos, aves, insetos, peixes e plantas evoluíram e aprenderam a sobreviver.

Como resultado, a perda de biodiversidade deve se acelerar até 2050, especialmente nos trópicos, a menos que os países acelerem fortemente seus esforços de conservação.

O relatório não é o primeiro a pintar um retrato preocupante dos ecossistemas da Terra. Mas vai além de estudos precedentes ao detalhar até que ponto o bem-estar humano está relacionado ao destino de outras espécies.

"Por muito tempo, as pessoas pensavam em biodiversidade como uma forma de salvar a natureza para o benefício da natureza", disse Robert Watson, presidente da Plataforma Intergovernamental de Política Científica para a Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, que conduziu a avaliação a pedido de governos nacionais. "Mas o relatório deixa claras as conexões entre biodiversidade e natureza, de um lado, e coisas como a segurança alimentar e a água limpa, de outro, tanto nos países ricos quanto nos países pobres.

Um relatório anterior da organização estimou que, nas Américas, a natureza oferece cerca de US$ 24 trilhões em benefícios não monetizados aos seres humanos, a cada ano. A selva tropical amazônica absorve quantidades imensas de dióxido de carbono e ajuda a desacelerar o ritmo do aquecimento global. Áreas alagadas purificam a água potável. Recifes de coral sustentam o turismo e a pesca no Caribe. Plantas tropicais exóticas servem de base a numerosos remédios.

Mas o definhamento e a perda de riquezas biológicas por essas paisagens naturais significam que os serviços que elas prestam aos seres humanos estão se reduzindo.

Os seres humanos vêm produzindo mais comida que nunca, mas a deterioração da terra já prejudica a produtividade agrícola em 23% da área terrestre do planeta, aponta o novo relatório. O declínio das abelhas selvagens e outros insetos que ajudam na polinização de frutas e legumes está colocando em risco safras em valor anual de até US$ 577 bilhões. A perda de manguezais e de recifes de coral ao longo das costas pode expor até 300 milhões de pessoas a risco adicional de inundação.

Os autores apontaram que a devastação da natureza se tornou tão severa que esforços localizados para proteger espécies individuais ou criar refúgios para a vida selvagem já não serão suficientes. Em lugar disso, eles apelam por "mudanças transformadoras", que incluiriam reduzir o consumo perdulário, reduzir o impacto ambiental da agricultura e reprimir a pesca e exploração madeireira ilegal.

Já não basta concentrar a atenção na política ambiental, disse Sandra Diaz, da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina. "Precisamos incluir considerações sobre biodiversidade em nossas decisões sobre comércio e infraestrutura, e incluir a saúde e os direitos humanos em cada aspecto do processo decisório, social e econômico".

Os cientistas catalogaram apenas uma fração das criaturas vivas, cerca de 1,3 milhão de espécies. O relatório estima que possam existir oito milhões de espécies de plantas e animais no planeta; os insetos são maioria. Desde o ano de 1500, pelo menos 680 espécies se extinguiram, entre as quais a tartaruga marinha gigante pinta, das ilhas Galápagos, e a raposa voadora de Guam.

Ainda que especialistas externos tenham acautelado que fazer previsões exatas pode ser difícil, o relatório alerta para uma crise de extinção iminente, com número de extinções dezenas ou centenas de vezes mais altos do que em qualquer momento dos últimos 10 milhões de anos.

"As ações humanas agora ameaçam número muito maior de espécies de extinção do que era o caso no passado", o relatório conclui, estimando que "cerca de um milhão de espécies já estão em risco de extinção, algumas delas dentro de poucas décadas, se não forem tomadas providências".

A menos que os países acelerem seus esforços para proteger os habitats naturais que restam, podemos ver o desaparecimento de 40% das espécies anfíbias, um terço dos mamíferos marinhos e um terço dos corais formadores de recifes. Mais de 500 mil espécies, afirma o relatório, já não têm habitat natural suficiente para garantir sua sobrevivência em longo prazo.

Nos últimos 50 anos, a perda mundial de biodiversidade foi propelida primariamente por atividades como a queima de florestas para abrir terras para agricultura, a expansão de rodovias e cidades, exploração madeireira, caça, pesca excessiva, poluição da água e transporte de espécies invasivas entre diferentes porções do planeta.

Na Indonésia, a substituição da floresta tropical por plantações de palmeiras destruiu o habitat de orangotangos e tigres de Sumatra, duas espécies ameaçadas. Em Moçambique, caçadores em busca de marfim ajudaram a abater quase sete mil elefantes entre 2009 e 2011. Na Argentina e Chile, a introdução do castor norte-americano, na década de 1940, devastou árvores locais (ainda que isso tenha ajudado outras espécies a prosperar, como o picapau de magalhães).

No cômputo geral, cerca de três quartos da área terrestre do planeta foi alterada significativamente por seres humanos, constatou o relatório, e 85% das áreas alagadas do planeta desapareceram, do século 18 para cá.

E com a queima continuada de combustíveis fósseis pelo seres humanos para produzir energia, o aquecimento global deve agravar os danos. Cerca de 5% das espécies mundiais estão ameaçadas de extinção por fatores climáticos, se a temperatura média mundial subir em dois graus Celsius ante a média da era pré-industrial, o relatório aponta. (O mundo já se aqueceu em um grau.)

"Se a mudança do clima fosse o único problema que temos de enfrentar, muitas espécies poderiam trocar de região e se adaptar", diz Richard Pearson, ecologista do University College de Londres. "Mas se as populações já são pequenas e estão perdendo diversidade genética, se as paisagens naturais já se fragmentaram, e se as plantas e animais não podem se movimentar em busca de novos habitats adequados, temos uma verdadeira ameaça em mãos".

O número cada vez menor de espécies não só tornará o mundo menos colorido e maravilhoso como também representa risco para as pessoas, aponta o relatório.

Hoje, os seres humanos confiam em número cada vez menor de plantas e animais para produzir alimento. Das 6.190 variedades de mamíferos domesticados usadas na agricultura, 559 se extinguiram e outras mil estão sob ameaça. Isso significa que o sistema alimentar está se tornando menos resiliente contra pragas e doenças. E no futuro pode se tornar mais difícil criar novas safras, mais resistentes, e novos animais domesticados capazes de resistir aos extremos de calor e às secas que o aquecimento global causará.

"A maioria das contribuições da natureza não são plenamente substituíveis" o relatório aponta. A perda de biodiversidade "pode reduzir permanentemente nossas opções futuras, tais como espécies selvagens que poderiam ser domesticas na forma de novas safras e usadas para melhora genética".

O relatório contém vislumbres de esperança. Quando governos reagiram vigorosamente para proteger espécies ameaçadas, como o órix árabe ou o tordo tagarela das ilhas Seychelles, eles conseguiram evitar a extinção, em muitos casos. E os países protegeram mais de 15% das terras do planeta e 7% do mar, por meio de reservas naturais e áreas protegidas.

Ainda assim, apenas uma fração das áreas mais importantes para a biodiversidade foram protegidas, e muitas reservas naturais aplicam as proibições à caça, pesca e exploração madeireira ilegal de maneira frouxa. A mudança do clima também pode solapar os refúgios de vida natural existentes, mudando o alcance geográfica das espécies que vivem neles.

Assim, além de advogar a expansão das áreas protegidas, os autores delineiam uma série de grandes mudanças cujo objetivo é limitar os propulsores da perda de biodiversidade.

Agricultores e pecuaristas teriam de adotar novas técnicas para cultivar mais comida em terras menores. Os consumidores nos países ricos teriam de desperdiçar menos comida e ganhar eficiência em seu uso de recursos naturais. Governos de todo o mundo teriam de reforçar e aplicar rigorosamente as leis ambientais, reprimindo a pesca e exploração madeireira ilegais e reduzindo a contaminação ambiental por metais pesados e resíduos líquidos não tratados.

Os autores também apontaram que os esforços para limitar o aquecimento global terão papel crucial, ainda que acautelem que o desenvolvimento de biocombustíveis para reduzir emissões possa prejudicar a biodiversidade ao destruir ainda mais as florestas.

Nada disso será fácil, especialmente porque muitos países em desenvolvimento enfrentam pressões por explorar seus recursos naturais, como parte de seu esforço para deixar a pobreza para trás.

Mas ao detalhar os benefícios que a natureza pode prover para as pessoas, e ao tentar quantificar o que se perde quando a biodiversidade se reduz, os cientistas por trás da avaliação esperam ajudar os governos a encontrar um equilíbrio melhor entre desenvolvimento econômico e conservação.

"Não se pode dizer aos líderes da África que não haverá novo desenvolvimento e que o continente todo deveria ser transformado em parque natural", disse Emma Archer, que liderou a avaliação do grupo de pesquisa sobre a África, anteriormente. "Mas podemos mostrar que existe um toma lá, dá cá, que se eles não levarem em conta o valor que a natureza provê, o bem-estar humano pode terminar comprometido.

Nos dois próximos anos, diplomatas de todo o mundo se reunirão em diversas ocasiões, sob os auspícios da Convenção sobre Diversidade Biológica, para discutir formas de acelerar os esforços de conservação. Mas mesmo sob o mais otimista dos cenários propostos no relatório, até 2050 os países do planeta conseguiriam no máximo desacelerar o declínio na biodiversidade, e não detê-lo.

"Por enquanto", disse Jake Rice, cientista que estuda questões de pesca e liderou um esforço de pesquisa anterior sobre a biodiversidade nas Américas, "nossas opções são todas referentes a controle de danos".

Outros dados do relatório

  • Três em cada quatro ambientes terrestres e cerca de 66% dos ambientes marinhos foram significantemente alterados pela ação do homem. Na média, esses impactos foram menores ou inexistentes em áreas de ocupação indígena e de comunidades locais. 
  • Mais de um terço da superfície terrestre e cerca de 75% das fontes de água doce estão reservadas para agricultura ou pecuária
  • A degradação do solo reduziu a produtividade em 23% da superfície
  • Mais de U$ 577 bilhões anuais em plantações estão em risco, devido a perda de polinizadores, e uma população entre 100 e 300 milhões de pessoas sob ameaça de enchentes e furacões, por causa da perda de habitat marinhos, que servem de proteção à costa. 
  • A poluição por plástico aumentou dez vezes desde 1980

Tradução de Paulo Migliacci

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