Salles corta 77% de Conselho Ambiental, retira ICMBio e fará sorteio de vagas

Entidades civis foram reduzidas de 22 para 4 e serão escolhidas por sorteio; ICMBio e ANA deixam de integrar Conama

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São Paulo

A composição do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) foi alterada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) e pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. O conselho, antes composto por 96 integrantes —entre entidades públicas e ONGs—, passa a ter 23 integrantes, e o governo federal passa a ter mais força.

Isso porque o decreto, publicado nesta quarta (29), aumenta a presença do poder federal no conselho de 29% dos integrantes para 44%. Ao mesmo tempo, a representação da sociedade civil caiu de 22 assentos para 4. As entidades civis serão escolhidas a partir de sorteios (antes havia uma eleição para a escolha dos representantes) e terão mandato de um ano —hoje são dois. 

O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e ANA (Agência Nacional de Águas) deixaram de integrar o Conama. 

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente - Amanda Perobelli/Reuters

O Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental) afirmou que enviará para Raquel Dodge, Procuradora-Geral da República, uma representação assinada por mais de 30 entidades contra o decreto.

“Essa medida é para destruir a representação da sociedade civil. Essa parece ser a intenção do governo”, diz Carlos Bocuhy, presidente do Proam, segundo o qual os mandatos curtos podem impactar nas ações do conselho, que também perde representação regional com a diminuição dos assentos.

Também foram retirados do conselho representações indígena, científica (que era indicada pela SBPC, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e sanitária.

Paulo Martini, que representava a SBPC no conselho, afirma que Salles não teria legitimidade dentro do órgão frente às diversas vozes que o compunham. “Ou você transforma o Conama em um boneco, que não tenha significado nenhum, ou você joga o jogo democrático onde essas forças vivas [entidades governamentais, empresas e ONGs] afloram. Pela maneira como o ministro está levando, ele está indo pelo pior caminho”, diz.

O Conama foi implantado em 1984 e tinha voz importante na elaboração e implementação da política ambiental brasileira, ajudando a definir normas para licenciamento ambiental e controle de poluição, por exemplo. Seu principal articulador foi Paulo Nogueira Neto, criador da política ambiental brasileira que morreu em fevereiro deste ano. 

Com as mudanças recentes, especialistas temem pelo futuro do conselho. “A impressão é que querem calar mesmo ou fazer um negócio chapa branca”, diz Martini, que descarta possíveis efeitos positivos na diminuição do número de representantes. “Não vai ter mais a discussão, a dialética. Estão transformando em uma máquina decisória do governo.”

“A importância histórica do Conama na construção de políticas públicas ambientais é incomparável, é única”, diz Fabiola Zerbini, coordenadora regional TFA (Tropical Forest Alliance) para América Latina. “Grande parte do reconhecimento internacional do Brasil quanto à sua legislação ambiental de qualidade tem a ver com o Conama.”

Segundo Zerbini, o conselho, devido a participação e escuta de entidades de diversos setores, é importante para formulação de normas efetivas, de “lei que vai pegar”.

A advogada do TFA e o representante da SBPC alertam para o papel do conselho de imbuir ciência e tecnicidade em decisões políticas, o que poderia também estar em risco com as mudanças do decreto de Salles e de Bolsonaro.

“Tememos porque o resultado pode ser um enfraquecimento da efetividade e da qualidade do arcabouço jurídico ambiental e da sua implementação”, diz Zerbini.

Nesta quarta, o PSOL entrou com um projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos da decisão de Salles de reduzir o Conama. "Esse decreto se insere num contexto de desmonte, por parte do
governo Bolsonaro, das estruturas de fiscalização que atuam em defesa do meio
ambiente", diz a projeto. 

Possíveis mudanças na estrutura do Conama já eram ventiladas há meses dentro da gestão Salles. A relação do Conama com o governo Bolsonaro começou de forma problemática desde o primeiro encontro neste ano do órgão. Na ocasião, o ministro Salles ignorou o regimento interno do conselho e só permitiu que participassem do encontro conselheiros titulares. Os suplentes só podiam participar caso os titulares estivessem ausentes. Um suplente tentou entrar e foi agredido por seguranças.

Salles também marcou os assentos da reunião com nomes, o que foi criticado por entidades e apontado como uma tentativa de evitar aproximação entre determinados participantes. O ministro também ignorou pedidos de intervenção.

principal articulador do Conama foi Paulo Nogueira Neto, criador da política ambiental brasileira que morreu em fevereiro deste ano e cuja trajetória já foi elogiada por Salles.

Na cerimônia de inauguração do órgão, o ministro do Interior, Mário Andreazza (1979-1984), não conseguiu disfarçar sua surpresa quando Nogueira Neto, ao discursar, afirmou durante seu pronunciamento que o novo conselho era o único em que o governo não tinha maioria.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado anteriormente, os assentos no ​​Conama passaram de 96 para 23, e não 22. Dessa forma, a participação do governo federal no órgão é de 44%, não 41% como havia sido informado.

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