Portaria do ICMBio concentra decisões em conselho formado por PMs

Com ação até sobre pinguins recolhidos, comitê pode inviabilizar gestão de áreas protegidas, dizem servidores

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São Paulo

De um pinguim recolhido numa praia do Rio Grande do Sul à solicitação de reforço policial contra grileiros em Rondônia. 

Uma portaria publicada nesta quinta-feira (27) no Diário Oficial concentrou praticamente todas as decisões do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) nas mãos de um conselho gestor formado por cinco PMs de São Paulo nomeados pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles

A portaria 298 prevê que cabe ao conselho gestor “a análise e manifestação prévia de aprovação” de 13 temas, entre os quais “planos de manejo de espécimes (indivíduos) de quaisquer espécies, em vida livre ou em cativeiro”.

Coronel Homero de Giorge Cerqueira (Foto: Divulgação/Polícia Ambiental)
O comandante da Polícia Ambiental de São Paulo, coronel Homero de Giorge Cerqueira, que é presidente do ICMBio - Divulgação/Polícia Ambiental

Entre as novas atribuições do comitê gestor —até agora dispersas em diversas instâncias do ICMBio— estão a aprovação de planos de combate a incêndios, a constituição de conselhos das unidades de conservação, licença ambiental e regularização fundiária.

A redação da portaria foi considera confusa pelos servidores do órgão consultados pela reportagem. No caso dos “planos de manejo de espécimes”, alguns interpretaram que caberá ao comitê até o destino de animais apreendidos. Outros acreditam que se referira apenas a destinações mais amplas, como pinguins resgatados ou a regulamentação da caça de javalis, espécie exótica no Brasil. 

Todos, no entanto, foram unânimes em dizer que a portaria deve inviabilizar a gestão das 334 unidades de conservação do ICMBio espalhadas pelo país. Somadas, correspondem a 9,1% do território continental e a 24,4% da área marinha nacional.

O conselho gestor do ICMBio é formado pela presidência e por quatro diretorias: Planejamento, Criação e Manejo de Unidades de Conservação, Ações Socioambientais e de Pesquisa. 

Todos esses cargos estão ocupados desde abril por PMs de São Paulo por indicação de Salles. Em janeiro, ele já havia colocado um major da PM paulista para chefiar a Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama, cuja área de atuação é sobretudo na Amazônia.

A reportagem da Folha questionou Ministério do Meio Ambiente sobre as alterações, mas não houve resposta até a conclusão deste texto. Desde o início do ano, por determinação de Salles, a assessoria de imprensa do ICMBio está proibida de responder diretamente a questionamentos de jornalistas. 

PMs inativos

Em outra iniciativa nesta semana, o presidente do ICMBio, o coronel da PM Homero Cerqueira, está buscando PMs inativos para chefiar unidades de conservação

“O caráter técnico-pragmático de tais profissionais poderiam contribuir em fomentar o desenvolvimento desta importante estratégia que é a definição de espaços territoriais especialmente protegidos, representados pelas UCs”, escreveu Cerqueira, em mensagem que teria sido distribuída a comandos de PMs de todos o país. 

O presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), Denis Rivas, classificou as mudanças de “cenário surreal”.

“Os servidores do ICMBio são concursados, fizeram treinamento específico e têm anos de formação ao longo da carreira. De repente, chega um presidente que mal conhece a instituição e sai catando PMs aposentados”, afirma. “Parece um desprezo com a mão de obra existente e com o próprio patrimônio ambiental.”

Sobre a portaria, Rivas acha difícil que o comitê gestor tenha capacidade para analisar decisões cotidianas e urgentes, como planos de manejo de fogo e licenciamento ambiental. “Todos esses assuntos vão perder o dinamismo ou não serão tratados com o devido cuidado.”

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