ONG aponta alta de 15% na taxa de desmate da Amazônia e confirma tendência

Áreas de alerta somam 5.054 km em um ano, segundo o Imazon; índice geralmente subestima taxa oficial do país

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Rafael Garcia
São Paulo

O SAD (Sistema de Alerta do Desmatamento), da ONG de pesquisa Imazon, reforça a tendência recente de aumento do desmate da Amazônia observada pelo Deter, o sistema do Inpe adotado oficialmente para fins de fiscalização.

Apesar de o projeto independente ter enxergado uma devastação menor —5.054 km² contra os 6.833 km² do— Inpe ambos indicaram aumento, de 15% e 50%, respectivamente. O estudo é feito com base em imagens feitas por satélites.

Segundo Carlos Souza Jr., pesquisador do Imazon que coordena o SAD, apesar de os dois sistemas terem diferenças metodológicas, é possível traçar um paralelo e afirmar que os mecanismos se confirmam.

"Historicamente a gente no SAD sempre detectou menos alertas que o Deter", afirmou. "O Deter tem uma metodologia um pouco mais detalhada que o SAD, porque olha para a floresta continuamente ao longo do mês, enquanto o SAD olha uma vez no início e outra no fim do mês."

Claudio Almeida, coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia do Inpe, que engloba o Deter, afirma que apesar das diferenças do Deter para o SAD, "as tendencias estão convergindo" em direção a uma alta no desmatamento.

Uma preocupação gerada por ambos é que o número obtido para este ano é bastante alto, considerando que os sistemas de alerta de desmatamento não cobrem toda a área devastada. A finalidade de ambos é gerar imagens rápidas para auxiliar fiscais, e as regiões cobertas por nuvens acabam escapando dos satélites naquele momento.

O sistema responsável por medir o desmatamento anual com precisão, o Prodes, também do Inpe, combina imagens obtidas em diferentes momentos para alcançar uma cobertura maior, mas só é divulgado depois de setembro.

"Mas os dados acumulados pelo SAD no ano são preocupantes demais", diz Souza Jr. "Isso mostra uma probabilidade alta de o Prodes fechar com o aumento."

No ano-calendário passado, foram confirmados 7.536 km² de desmate, pelo Prodes. 

Almeida afirma que o Deter não pode ser considerado um substituto para o Prodes, mas destaca que ele tem sido um bom indicativo.

"Durante os 15 anos de programa Deter, quase sempre que ele mostrou uma tendência de alta, ela se confirmou", disse. "Nos únicos dois anos em que isso não aconteceu, o desmatamento era mais baixo, a variação era menor e, dentro da margem de erro, era mais difícil enxergar se o desmatamento aumentou ou diminuiu."

Não é o caso daquilo que ocorre agora. O SAD e o Deter apontam que o mês de julho, por exemplo, foi bastante problemático na Amazônia. O Imazon está apontando um aumento de 66% em relação a julho do ano passado, enquanto o Inpe apontou um aumento de 278% nos alertas de desmate. Apesar da disparidade maior (que é normal em dados mensais), ambos os sistemas apontam variações grandes.

Fora do arco

Outro dado preocupante observado pelo SAD é um certo deslocamento dos pontos tradicionais de corte raso da mata, geralmente concentrados no chamado "arco do desmatamento", linha que percorre o norte do Mato Grosso e o leste do Pará.

A maior parte das manchas de devastação vistas pelo SAD está no Pará, mas muitas delas no oeste. E o desmatamento na região de Lábrea e Humaitá, no sudeste do Amazonas, está se intensificando. "É como se fosse um descolamento do arco", diz Souza Jr.

Os dados divulgados pelo Imazon na manhã desta sexta-feira saem um mês após o embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o Inpe, que culminou na exoneração de seu diretor, Ricardo Galvão. Bolsonaro disse à época que os dados do Inpe indicando a explosão dos números de desmate não eram verdadeiros e que Galvão deveria estar a “serviço de alguma ONG.”

Souza Jr., que está efetivamente, a serviço de uma ONG, afirma que é preciso olhar objetivamente para os dados gerados antes de criticar quem os gerou.

"Nós somos uma ONG, somos um instituto de pesquisa e submetemos nossos dados a publicações internacionais", diz o pesquisador. "Os dados que a gente gera de forma independente até ajudam a aferir os dados que o governo está reportando. Em alguns momentos a gente teve discordância, mas quando existe transparência na divulgação dos dados, é possível confrontá-los e entender as diferenças, sem embate ideológico."

A Folha procurou Ricardo Galvão, que agora trabalha exclusivamente na USP, onde é professor, para comentar os dados do Imazon, mas o físico diz que não queria se manifestar.

Claudio Almeida afirma que o projeto do Imazon cumpre um papel importante na sociedade civil e que o considera transparente em sua metodologia.

"É bom que existam outros dados de monitoramento do desmate para que não exista um dado único, porque quando há disparidades grandes, é possível perceber se algum projeto está com algum problema", diz. "O Carlos Souza Jr. é um cientista com muitas publicações e uma carreira de respeito."

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