Agrotóxicos são ameaça a anfíbios no Rio Grande do Sul

Estudo da Universidade de Passo Fundo apontou taxa de deformações acima do normal em sapos e rãs

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Porto Alegre

Sapo com três pernas traseiras, rã sem os dedos e perereca com membros encurtados. Uma pesquisa mostrou que deformações em anuros —os anfíbios citados acima— podem estar relacionadas à presença de agrotóxicos no ambiente natural dessas espécies.

O estudo realizado pela UPF (Universidade de Passo Fundo) indica também que as malformações são um risco para a preservação desses animais a longo prazo. O grupo já sofre com um decréscimo na sua população mundial.

Em março, a revista Science publicou artigo chamando a queda no número de anfíbios em escala global de catastrófica. São 501 espécies em declínio por causa de um fungo. Outras pesquisas estrangeiras também dão conta da contaminação do ambiente como causa dos problemas.

Anuro nas mãos de pesquisador
Pesquisadores da UPF estudaram 1.674 indivíduos de 31 espécies de anuros coletados entre 2001 e 2017 - Universidade de Passo Fundo/Divulgação

O trabalho da UPF estudou 1.674 indivíduos de 31 espécies de áreas de floresta, periurbana e rural, com plantação especialmente de soja e trigo, do norte do Rio Grande do Sul. As duas culturas, quando cultivadas de forma não orgânica como nesse caso, levam agrotóxicos, especialmente o glifosato. Diversos estudos feitos fora do Brasil já apontavam a toxicidade por glifosato para os anfíbios.

Segundo Noeli Zanella, uma das pesquisadoras e professora do Programa de Pós-Graduação de Ciências Ambientais da UPF, as deformações em até 5% das amostras podem ser consideradas normais. Porém, o estudo mostrou um resultado superior a 5% na área, o que é entendido um "hotspot", ou seja, um ponto crítico para a incidência dos problemas físicos.

Os humanos têm um bom motivo para se preocupar com o que acontece com os sapos. Esses bichos são indicadores ambientais, uma medida para saber se há equilíbrio ou desequilíbrio ecológico. "Os anfíbios são muito importantes porque atestam a saúde do ambiente. Se está bem preservado, tem anfíbios", explica Carlos Jared, pesquisador do Instituto Butantã e diretor do Laboratório de Biologia Celular.

Eles funcionam como um termômetro ambiental por causa da pele, que é altamente permeável. "Os anfíbios não têm essa capa de proteção de queratina ou quitina que nós temos e que outros animais possuem. Além disso, são dependentes da água. Se você colocar o anfíbio em ambiente sem água ele seca e morre", explica Jared.

É justamente a pele permeável e a dependência dos anfíbios da água a principal evidência da relação entre os agrotóxicos e suas deformações encontradas.

"Essa falta de proteção cutânea é grande. Qualquer medicamento entra. Por isso [o agrotóxico] é potencialmente um causador de problemas, sem dúvida. Pode ter acontecido", afirma o pesquisador do Butantã.

Segundo o estudo da UPF, três espécies do levantamento têm maior frequência de malformações. Mesmo com diferenças de habitat e características físicas, as espécies compartilham a necessidade da água para o desenvolvimento dos girinos.

As espécies Odontophrynus americanus e O. aromothyella deixam seus ovos diretamente na água parada para o crescimento. Por sua vez, Leptodactylus mystacinus faz a desova nos ninhos de espuma, também na água.

Zanella explica que se sabe que a água onde vivem os animais na região é afetada pelos agrotóxicos. Porém, uma nova fase do estudo vai testar amostras para identificar exatamente quais produtos estão presentes também no sangue dos anfíbios.

O grupo responsável pela pesquisa espera que esse e os demais resultados colaborem para um planejamento efetivo de conservação dessas espécies.

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