Americanos cada vez mais veem a mudança do clima como crise, diz pesquisa

Maioria dos entrevistados não está disposta a pagar do próprio bolso por possíveis soluções

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Brady Dennis Steven Mufson Scott Clement
Washington | The Washington Post

Número cada vez maior de americanos descreve a mudança do clima como crise, e dois terços deles dizem que o presidente Donald Trump não está fazendo o suficiente para enfrentar o problema.

Os resultados de uma pesquisa conduzida pelo The Washington Post e pela Kaiser Family Foundation (KFF) apontam para um crescente distanciamento entre os americanos preocupados com o aquecimento do planeta e os integrantes do governo Trump, que vem reduzindo agressivamente a regulamentação ambiental da era Obama e deixou de lado o papel dos Estados Unidos como líder mundial na ação quanto ao clima.

A pesquisa constatou que a maioria dos americanos —cerca de oito em cada dez dos entrevistados— acredita que as atividades humanas alimentam o aquecimento global, e cerca de metade deles acredita que ação é urgentemente necessária dentro dos próximos dez anos, se a humanidade deseja evitar os piores efeitos da mudança no clima.

Quase quatro em cada dez entrevistados dizem que a mudança do clima é uma "crise", ante menos de um quarto deles cinco anos atrás.

"Tenho muito medo, não pelos meus filhos, mas pelos filhos de meus filhos e o que eles terão de enfrentar", disse Mechaella DeRicci, 50, técnica de assistência respiratória em Bristol, Connecticut. "O que estamos deixando como legado exceto uma tremenda confusão?"

Ainda que os americanos estejam cada vez mais preocupados com a mudança do clima, menos de quatro em cada dez deles dizem acreditar que a solução do problema exigirá que façam "grandes sacrifícios". E a maioria dos entrevistados não está disposta a pagar por isso do próprio bolso.

Por exemplo, enquanto quase metade dos adultos dizem que estariam dispostos a pagar uma taxa de US$ 2 (cerca de R$ 8) por mês em suas contas de energia para ajudar a combater a mudança do clima, apenas pouco mais de um quarto deles se declarou disposta a pagar US$ 10 (R$ 40) adicionais por mês.

E, embora dois terços dos entrevistados apoiem padrões mais rigorosos de consumo de combustível para os carros e caminhões do país, aumentos nos impostos sobre a gasolina continuam fortemente impopulares.

Em lugar disso, uma maioria clara dos entrevistados diz que preferiria que as iniciativas sobre o clima fossem bancadas por um aumento dos impostos pagos pelos domicílios ricos e pelas companhias que queimam combustíveis fósseis.

A pesquisa do The Washington Post e da KFF surge em um momento no qual o planeta já mostra mais de um grau Celsius de aquecimento desde a Revolução Industrial, e cientistas dizem que estamos a caminho de efeitos catastróficos, a menos que as pessoas ajam rapidamente para reduzir suas emissões de dióxido de carbono.

Países importantes de todo o mundo, com exceção dos Estados Unidos, prometeram trabalhar juntos para combater a mudança do clima como parte do Acordo de Paris, assinado em 2015, mas o mundo continua muito distante das metas acordadas.

A pesquisa também surge em meio à aceleração da campanha presidencial dos democratas, na qual a mudança do clima é uma questão central. O ex-aspirante a uma candidatura e governador do estado de Washington, Jay Inslee, um democrata que fez da ação contra o clima a peça central de sua campanha, atraiu pouco apoio e recentemente abandonou a disputa. Mas seu foco em ação quanto ao clima persiste nas propostas de alguns dos candidatos restantes.

Para Trump, a mudança do clima também pode se provar uma questão relevante, mesmo para sua base eleitoral republicana. Ainda que os eleitores democratas e independentes apresentem maior probabilidade de acreditar que a mudança do clima é causada pela atividade humana, a maioria dos republicanos —60%— diz que também acredita nisso, a pesquisa constatou. E 23% dos republicanos dizem desaprovar a maneira pela qual Trump vem conduzindo o assunto, ante apenas 9% dos republicanos que desaprovam o seu desempenho geral.

Tiffany Hickman, 42, vice-presidente e gerente geral de vendas da Holston Valley Broadcasting Corp., do Tennessee, é eleitora registrada do Partido Republicano e acredita que a mudança do clima é real e está ligada à atividade humana. Perguntada se apoiava Trump, Hickman respondeu que "eu não diria que sim, mas não diria que não".

Hickman disse que ela estaria disposta a pagar 15% mais pela eletricidade para combater a mudança no clima, e comparou a decisão a "comprar uma salada por US$ 10 e um hambúrguer por US$ 3".

"Sei qual deles é mais barato", ela disse, "mas também sei qual deles é mais saudável".

Os pesquisados dão à condução da questão do clima por Trump o maior nível de desaprovação entre seis questões avaliadas na pesquisa do The Washington Post e KFF, e 67% deles dizem que estão insatisfeitos com o desempenho do presidente.

Nos últimos anos, diversas outras pesquisas nacionais constatam crescente preocupação pública sobre a mudança do clima. A pesquisa do The Washington Post e KFF constatou que 79% das pessoas acreditam que a atividade humana causa o aquecimento global, um total significativamente superior a algumas pesquisas recentes.

A pesquisa do The Washington Post e KFF pediu uma resposta sim ou não à seguinte afirmação: "A atividade humana está ou não está causando mudanças no clima do planeta, entre as quais uma elevação na temperatura média".

Em contraste, uma pesquisa realizada em abril pelas universidades Yale e George Mason constatou que 69% dos entrevistados responderam que "o aquecimento global está acontecendo", e 55% responderam sim a uma segunda pergunta sobre ele ser causado "por atividades humanas" e não por "mudanças naturais no meio ambiente".

A pesquisa do The Washington Post e KFF também revela uma mistura de otimismo sobre a inovação e altos níveis de ansiedade sobre a mudança no clima. A literatura e filmes populares muitas vezes retratam um futuro distópico, e muitos jovens imaginam se devem ou não trazer filhos a um planeta cada vez mais quente.

Mas sete em dez dos entrevistados dizem que é provável ou razoavelmente provável que avanços tecnológicos evitem a maior parte dos efeitos negativos da mudança do clima —ainda que nenhum avanço tecnológico em larga escala esteja no horizonte.

A crença na inovação não é muito firme; apenas pouco mais de dois em dez entrevistados consideram provável que a tecnologia traga a salvação. Ao mesmo tempo, seis em dez acreditam que terão de fazer sacrifícios individuais modestos —se algum— para ajudar a combater a mudança do clima.

Christa Moseng, 41, já mudou sua vida cotidiana. Ela não tem mais carro e se desloca de ônibus, trem e bicicleta. Paga alguns dólares a mais por mês me sua conta de eletricidade para garantir que sua energia venha de fontes renováveis.

"Quanto mais tempo esperarmos, mais o obstáculo se tornará intransponível", disse Moseng, que é democrata e vive em Minneapolis. "Precisamos tratar a situação como crise."

A pesquisa do The Washington Post e KFF sublinha o senso de urgência de muitos americanos. Quarenta por cento dos entrevistados dizem que é preciso agir para combater a mudança do clima no começo da próxima década, se desejamos evitar as piores consequências, mas 12% deles acreditam que já seria tarde demais.

"Há provas científicas reais, razoáveis, de que se não promovermos mudanças dentro de um ou dois anos, os danos serão irreversíveis", disse Kristen Bailey, 30, bibliotecária em Macon Geórgia, que se descreve como independente em termos de preferências políticas.

Bailey disse que se sente frustrada pela falta de ação em Washington e que o clima será "uma das maiores prioridades" para ela na eleição de 2020. "Não estamos fazendo nem perto do suficiente", ela disse.

Mas muitos americanos preferem que as empresas e os ricos arquem com o peso financeiro do combate à mudança no clima. A pesquisa constatou que:

- Quase 70% dos entrevistados dizem que a ação quanto ao clima deve ser bancada por um aumento dos impostos sobre os domicílios ricos. Essa proposta é apoiada por 83% dos democratas, 69% dos independentes e 44% dos republicanos.

- Seis em cada dez favorecem aumentar os impostos sobre empresas que queimam combustíveis fósseis, com 74% de apoio pelos democratas, 64% pelos independentes e 39% pelos republicanos. (Os entrevistados foram informados de que as empresas poderiam repassar os impostos aos consumidores na forma de preços mais altos.)

- Cerca de quatro em cada dez entrevistados apoiam elevar a dívida nacional para pagar por programas de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa. O apoio cai a 32%, porém, caso o respondente seja informado de que a dívida do governo dos Estados Unidos já atinge os US$ 22 trilhões (cerca de R$ 88 trilhões).

A pesquisa do The Washington Post e KFF foi conduzida online e por telefone de 9 de julho a 5 de agosto, entre uma amostra nacional de 2.293 adultos, por meio do Amerispeak, um painel de pesquisa recrutado por meio de seleção aleatória de domicílios nos Estados Unidos pelo Centro Nacional de Pesquisa de Opinião (Norc, na sigla em inglês), da Universidade de Chicago. Os resultados gerais têm margem de erro de mais ou menos quatro pontos percentuais.

Edward Joe Wroten, 64, que trabalhava com enfermagem e é firme eleitor republicano no Arizona, votou em Trump em 2016 mas não está certo de que votará de novo nele. Impressionado por fotos e vídeos que mostram o derretimento das calotas de gelo polares, Wroten disse que as questões climáticas "subiram para perto do topo", nas preocupações dele.

"São coisas muito importantes", ele disse. "Não há muita coisa que eu possa fazer sobre isso agora. Mas posso votar."

Trump tem bolsões de apoio à sua posição sobre a mudança do clima: cerca de um em cada quatro adultos diz que a seriedade do aquecimento global e da mudança do clima vem sendo "em geral exagerada". Essa posição é mantida por 56% dos republicanos, 24% dos independentes e 5% dos democratas.

Richard Merritt, 53, que trabalha com pesca comercial no Maine, é um dos céticos quanto ao clima. Embora "algumas coisas tenham mudado", ele disse, em sua opinião os padrões alterados dos caranguejos, moluscos e "quahogs"podem ser apenas ciclos naturais.

"Creio que é a Mãe Natureza", ele disse, acrescentando: "Mas posso estar errado".

Merritt continua a ser forte partidário de Trump, dizendo que "apoio tudo que ele faz". Ele disse que até tem um adesivo em seu carro que mostra Trump fazendo um gesto rude na direção de Nancy Pelosi, a presidente democrata da Câmara dos Deputados. "Mas não vou falar disso", disse.

Uma pesquisa da KFF diz que duas vezes mais americanos confiam no Partido Democrata do que no Partido Republicano para lidar com a mudança do clima, 38% a 17%. Mas 35% deles dizem não confiar em qualquer dos partidos quanto a isso —um sentimento compartilhado por 56% dos eleitores independentes. E ainda que 66% dos americanos digam que Trump está fazendo muito pouco para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, 56% dizem o mesmo sobre o Partido Democrata.

Mas em entrevistas complementares, diversos dos respondentes se declararam frustrados com o desdém expresso por Trump quanto aos cientistas do clima e seus alertas severos.

"É absurdo. Dados científicos são dados científicos", disse DeRicci.

"Estou chocada por termos abandonado o Acordo de Paris sobre o clima. Estamos diante de um incêndio grave e deveríamos ter agido a respeito anos atrás", ela afirmou.

Tradução de Paulo Migliacci

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