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Atenção para a crise do clima nos oceanos chegará tarde demais

Novo relatório do IPCC aponta impactos do aquecimento global nos mares e consequências graves para a vida na Terra

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São Paulo

O leitor mais provável da Folha, assim como três quartos da população brasileira, não mora em região costeira. Por isso é improvável que tome nota –mas deveria– dos riscos que corre com o impacto da crise do clima nos oceanos, tema de relatório científico divulgado quarta-feira (25).
 
Todas as populações da Terra dependem do mar, de uma maneira ou de outra. Eis a mensagem central da publicação “O Oceano e a Criosfera num Clima em Transformação”, do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), órgão criado em 1988 para relatar o estado da arte da pesquisa climatológica.
 
O texto, conhecido pela sigla em inglês SROCC, completa a trilogia de estudos encomendada ao IPCC em 2016, na esteira do Acordo de Paris. O primeiro contemplou consequências de não limitar o aquecimento a 1,5ºC, como recomenda o tratado (1ºC já se foi); o segundo, impactos dos usos da terra (agricultura, pecuária e florestas); agora, oceanos.
 
Para ter alguma chance de não cruzar esse limiar, seria preciso cortar pelo menos à metade a queima de combustíveis fósseis até 2030. No ano passado, calcula-se que elas aumentaram 2,7%. Nessa toada, no final do século poderá haver entre 2,9ºC e 3,4ºC de aquecimento.

 

Mares cobrem 71% da superfície do planeta e absorvem 90% desse calor adicionado à atmosfera com o aquecimento global. Sem esse serviço prestado por eles, já estaríamos fritos e torrados.
 
Líquidos aquecidos se expandem, aprende-se ainda no ensino fundamental. À medida que absorvem calor, os oceanos aumentam de volume, e seu nível médio se eleva.
 
Águas mais quentes fornecem energia para ciclones tropicais (furacões e tufões), tornando mais frequentes os de força máxima (5), como em 2018. Além disso, forçam a migração de espécies marinhas importantes para a pesca, que fornece 17% da proteína animal consumido na Terra.
 
Há outro fator a contribuir para a elevação do mar: derretimento de geleiras terrestres, as que repousam sobre a Antártida, a Groenlândia e as cadeias de montanhas, como os Andes. Esse componente, registra o SROCC, já ultrapassou a expansão térmica como motor da subida das águas oceânicas, acelerando-a.
 
No ritmo atual de lançamento de carbono (gases do efeito estufa) no ar, os oceanos se elevarão até 1,1 m nos próximos 80 anos. Pode parecer pouco a quem mora a mais de 700 m de altitude, como os paulistanos, mas tem efeitos desastrosos para a população costeira, suas propriedades e os responsáveis por sua infraestrutura.
 
Pergunte a um habitante de Santos (SP) o que está acontecendo na Ponta da Praia, como mostrou reportagem da série Crise do Clima em junho de 2018.
 
Há no planeta 680 milhões de pessoas, quase um décimo da população mundial, vivendo em áreas vulneráveis a erosão marinha e a marés meteorológicas (ressacas) cada vez mais destruidoras.
 
Há mais, contudo. Oceanos absorvem também parte do dióxido de carbono (CO2, principal gás do efeito estufa) e suas águas se tornam mais ácidas. Uma ameaça letal para organismos que formam conchas calcárias e para colônias de coral, como a Grande Barreira na Austrália e Abrolhos no Brasil, reduto de grande biodiversidade.
 
Outros 670 milhões de pessoas vivem em áreas montanhosas e dependem de geleiras em desaparição para obter água de uso humano, irrigação e pecuária. É o caso da maior parte da população do Peru, país que, de resto, depende da pesca oceânica tanto para alimentação quanto para exportações.
 
Além das geleiras terrestres, o aquecimento global está afetando as plataformas de gelo que se estendem sobre o mar e também o gelo marinho. Esta última camada, menos espessa, que se expande no inverno e se retrai no verão, encolhe de modo acelerado nos oceanos polares, o Ártico e o Austral.
 
No polo Norte, onde não há um continente, só gelo sobre o mar, o retrocesso assume ritmo dramático. Os dois recordes de menor superfície no mês de setembro (verão boreal) se verificaram nesta década, em 2012 e 2019 –vale dizer, neste exato momento.

Linha laranja (média de 1981 a 2010) mostra extensão maior de gelo no Ártico no passado
Marca laranja (média de 1981 a 2010) mostra extensão maior de gelo no Ártico no passado - NSIDC / NASA Earth Observatory

 
São partes da criosfera decisivas para o clima e a meteorologia, por exemplo no Sul e no Sudeste do Brasil. Uma mudança drástica nos padrões de chuva, ventos e temperatura, por aqui, sem dúvida atrairia mais atenção para o que ocorre nos oceanos mais distantes. Mas aí já seria tarde demais.
 

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