Descrição de chapéu The New York Times

Nível do mar sobe 2,5 vezes mais rapidamente do que no século 20, diz relatório da ONU

Texto também aponta alta de temperatura da água, o que coloca ecossistemas em risco

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Brad Plumer
Nova York | The New York Times

Os oceanos do planeta estão sofrendo grande desgaste por conta da mudança no clima, alerta um importante relatório novo da ONU, e isso coloca diversas coisas em risco, da capacidade de explorar frutos do mar ao bem-estar das centenas de milhões de pessoas que vivem perto das costas.

A alta das temperaturas está contribuindo para uma queda nas populações de peixes de diversas regiões, e os níveis de oxigênio do oceano estão em queda, enquanto o nível de acidez está em alta, o que representa risco para importantes ecossistemas marinhos, de acordo com um relatório divulgado na quarta-feira pelo Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), um grupo de cientistas formado pela ONU a fim de orientar os líderes mundiais na formação de políticas.

 

Além disso, as águas mais quentes dos oceanos, quando combinadas a uma alta no nível do mar, ameaçam alimentar ciclones tropicais e inundações ainda mais poderosos, afirma o relatório, colocando regiões costeiras em risco e agravando o fenômeno que já está contribuindo para tempestades como o furacão Harvey, que devastou Houston dois anos atrás.

"Os oceanos estão nos enviando muitos sinais de alerta de que precisamos colocar as emissões sob controle", disse Hans-Otto Pörtner, biólogo marinho do Instituto Alfred Wegener, da Alemanha, e um dos autores do relatório."Os ecossistemas estão mudando, as redes de alimentação estão mudando, os estoques de peixes estão mudando, e todo esse tumulto afeta os seres humanos".

O relatório dos especialistas do IPCC da ONU sobre o estado de saúde dos oceanos e das zonas glaciais foi adotado na terça-feira (24), após uma noite de debates contidos pelas objeções sauditas. 

Os sauditas queriam descartar as referências ao relatório especial do IPCC de outubro de 2018, que mostrava as grandes diferenças de impacto entre um mundo com +1,5°C e com +2°C.

O alerta dos cientistas explicava que seria necessário reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa em quase 50% até 2030 para permanecer no limite de +1,5°C, objetivo ideal do Acordo de Paris sobre o Clima.

Por décadas, os oceanos vêm servindo como proteção crucial contra o aquecimento global, absorvendo cerca de um quarto do dióxido de carbono que o seres humanos emitem com suas usinas de energia, fábricas e carros, e absorvendo mais de 90% do calor excedente aprisionado na Terra pelo dióxido de carbono e outros gases causadores do efeito estufa. Sem essa proteção, as áreas terrestres estariam se aquecendo muito mais rápido.

Mas os oceanos mesmos estão esquentando, e perdendo oxigênio como resultado, de acordo com o relatório. Se os seres humanos continuarem bombeando gases causadores do efeito estufa para a atmosfera em ritmo cada vez mais intenso, os riscos para a segurança alimentar humana e para as comunidades costeiras crescerão acentuadamente, especialmente porque os ecossistemas marinhos já enfrentam ameaças da poluição por plástico, práticas de pesca insustentáveis e outros desgastes causados pelo homem.

"Somos um mundo oceânico, dirigido e operado por um único oceano, e estamos levando esse sistema de apoio à vida ao seu limite extremo por meio do aquecimento, da desoxigenação e da acidificação", disse Dan Laffoley, da União Internacional pela Conservação da Natureza, uma importante organização ecológica que acompanha a situação de espécies vegetais e animais, em resposta ao relatório.

O relatório, que foi escrito por mais de cem especialistas internacionais e se baseia em mais de 7.000 estudos, representa a mais extensa observação até hoje do efeito da mudança do clima sobre os oceanos, camadas de gelo, cobertura de neve das montanhas e a camada "permafrost".

Mudanças nas profundezas do oceano ou no alto das montanhas não são sempre tão perceptíveis quanto alguns dos outros sinalizadores do aquecimento global, tais como as ondas de calor em terra, os incêndios de áreas de vegetação e as secas. Mas o relatório deixa claro que aquilo que acontece nessas regiões remotas terá efeito cascata em todo o globo.

Por exemplo, o derretimento das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida causa alta do nível do mar, o relatório afirmou, e isso fará com que inundações extremas, que aconteciam raramente no passado, passem a surgir em média uma vez por ano ou mais, em muitas regiões costeiras, neste século. Com que velocidade isso acontecerá depende em boa medida da capacidade humana de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, que estão aquecendo o planeta.

Em todo o mundo, as geleiras das montanhas estão passando por rápido recuo, o que afeta a disponibilidade de água para milhões de pessoas que dependem de água que é conduzida encosta abaixo pelo derretimento para seu suprimento de água potável, para a irrigação de terras aráveis e para a produção de eletricidade via represas e energia hidrelétrica.

Linha laranja (média de 1981 a 2010) mostra extensão maior de gelo no Ártico no passado
Linha laranja (média de 1981 a 2010) mostra extensão maior de gelo no Ártico no passado - NSIDC / NASA Earth Observatory

Mas alguns dos alertas mais severos se referem ao oceano, no qual grandes mudanças já estão em curso.

A frequência das ondas de calor marinhas— que podem matar peixes, aves aquáticas, recifes de corais e vegetação submarina— dobrou, da década de 1980 para cá. Muitas populações de peixes estão migrando para longe de seus locais usuais a fim de encontrar águas mais frias, o que causa desordenamento nos setores locais de pesca. O gelo que flutua no Oceano Ártico está se reduzindo em um ritmo "sem precedentes nos últimos mil anos", de acordo com o relatório.

Também houve surpresas ainda mais desagradáveis. O relatório aponta que alguns patógenos estão proliferando em águas mais quentes, entre os quais a bactéria vibrião, que pode infectar ostras e outros crustáceos, e que a cada ano causa doenças a cerca de 80 mil americanos que comem frutos do mar crus ou mal cozidos. "Esse é um bom exemplo de como mudanças no oceano podem afetar até mesmo pessoas que vivem longe das costas", disse Sherilee Harper, especialista em saúde pública na Universidade de Alberta e uma das autoras do relatório.

O relatório alerta que mudanças ainda mais dramáticas podem estar por vir. Se as emissões causadas por combustíveis fósseis continuarem a subir rapidamente, por exemplo, a quantidade máxima de peixes que poderão ser capturados no oceano pode cair substancialmente, em até um quarto, até o final do século. Isso teria implicações graves para a segurança alimentar do planeta: peixes e frutos do mar respondem por cerca de 17% da proteína animal do mundo, e milhões de pessoas em todo o planeta dependem da pesca como ganha pão.

E as ondas de calor no oceano devem se tornar de 25 a 50 vezes mais frequentes neste século, a depender de o quanto aumentem emissões dos gases causadores do efeito estufa.

O potencial de que essas ondas de calor causem caos em comunidades costeiras já está se tornando perceptível em áreas como o norte do Oceano Pacífico, onde o que se tornou conhecido como uma "bolha" de água incomumente quente, em parte alimentada pelo aquecimento global, em 2013 e 2014 matou milhares de aves marinhas e ajudou a causar o florescimento de algas tóxicas que forçaram o fechamento de pesqueiros da Califórnia à Colúmbia Britânica [costa oeste do Canadá].

No ano passado, as autoridades do Golfo do Alasca tiveram de reduzir em 80% as cotas autorizadas de pesca de bacalhau, para permitir uma reposição de estoques depois dos efeitos da onda de calor, o que prejudicou o setor local de pesca.

"Quando isso acontece, é como um soco no estômago", disse Brett Veerhusen, 33, consultor de pesca e pescador comercial que trabalha em Seattle e em Homer, Alasca. "E não são só os pescadores que são afetados, é toda a cadeia de suprimento, das fábricas de processamento aos sistemas de transporte, lojas de mantimentos e restaurantes".

As mudanças no oceano também ameaçam desordenar os complexos e muitas vezes delicados ecossistemas que servem de base aos ambientes marinhos. O relatório aponta que as camadas superiores do oceano aberto perderam entre 0,3% e 0,5% de seu oxigênio da década de 1970 para cá, com a alta das temperaturas. E, à medida que os oceanos absorvem mais dióxido de carbono, está se tornando mais ácido, o que pode dificultar para os corais, ostras, moluscos e outros organismos o desenvolvimento de suas crostas duras.

A acidificação e a queda dos níveis de oxigênio já estão afetando a Corrente da Califórnia, um padrão de correntes marinhas ricas em nutrientes, no Oceano Pacífico, que sustenta uma das áreas de pesca mais lucrativas do planeta, o relatório aponta. Os cientistas ainda estão tentando compreender o pleno efeito dessas mudanças, mas um risco é de que alterações na cadeia alimentar possam causar migrações de peixes.

"Se os peixes se forem, isso afetará as pequenas frotas pesqueiras que temos percorrendo a costa da Califórnia", disse Gretchen Hofmann, professora de biologia marinha na Universidade da Califórnia em Santa Barbara, que não esteve envolvida no relatório. "E com isso existe o risco de problemas econômicos e sociais reais".

Gotas de água pingam da geleira Wolverine nas montanhas Kenai, perto de Primrose, no Alasca - Joe Raedle - 6.set.2019/AFP

Embora o relatório recomende que os países do mundo reduzam as emissões de gases causadores do efeito estufa, para reduzir a severidade da maioria das ameaças, também aponta que os países terão de se adaptar a muitas mudanças que agora se tornaram inevitáveis.

Mesmo se, por exemplo, os países reduzirem rapidamente suas emissões de gases causadores do efeito estufa nas próximas décadas, para limitar o aquecimento global a bem menos de 2° C ante os níveis pré-industriais —uma meta encapsulada no Acordo de Paris, um pacto entre nações para combater o aquecimento global —, os oceanos e áreas congeladas do planeta pareceriam muito diferentes no final do século do que são hoje. Os recifes de corais ainda enfrentariam devastação, em águas quentes. O nível dos mares no planeta ainda poderia subir entre 30 e 60 centímetros neste século, com o derretimento de geleiras e calotas polares. As populações de peixes ainda poderiam migrar, criando vencedores e perdedores entre as nações pesqueiras, o que poderia causar novos conflitos, apontou o relatório.

Para enfrentar esses problemas, cidades costeiras precisarão construir muros de proteção dispendiosos e muitas pessoas provavelmente terão de se mudar de áreas baixas, o relatório afirma. Os administradores de pesca terão de reprimir práticas insustentáveis, a fim de impedir o colapso dos estoques de peixes e frutos do mar. Os países também poderiam expandir as áreas oceânicas protegidas para ajudar os ecossistemas marinhos a manter a resistência contra a mudança de condições.

Mas o relatório deixa claro igualmente que, se emissões de gases causadores do efeito estufa continuarem a subir, muitas dessas medidas de adaptação poderiam perder a efetividade. No pior cenário que o relatório oferece quanto a emissões, sob o qual os gases causadores do efeito estufa continuarão a se acumular descontroladamente na atmosfera pelo resto do século, os níveis do mar poderiam continuar a subir incansavelmente por séculos, chegando a cinco metros ou mais por volta de 2300, segundo o relatório.

"Nosso destino provavelmente ficará entre os dois extremos, os melhores e piores casos possíveis quanto a emissões propostos pelo relatório", disse Michael Oppenheimer, cientista do clima na Universidade de Princeton e principal redator do capítulo do relatório sobre o nível do mar. "Mas se você pensar na possibilidade de uma alta por prazo indefinido, e talvez cada vez maior, do nível do mar pelos próximos séculos, isso seria um péssimo presságio para a civilização costeira".

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