Descrição de chapéu The New York Times

Quanto tempo levará até os salmões desaparecerem?

Em um rio americano, população de peixes caiu de cerca de 50 mil em 1950 para 1.500 em 2019

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Jim Robbins
North Folk (Idaho) | The New York Times

O rio Middle Fork, afluente do Salmon, um dos rios mais selvagens da parte contígua dos Estados Unidos, é um habitat ideal para peixes. Águas frias e límpidas formadas pelo derretimento das neves descem dos montes Salmon River e vão engrossar o rio cheio de pedras, uma área de proteção ambiental federal.

Os últimos dos salmões Chinook de primavera-verão chegaram aqui em junho, depois de seguir um trajeto hercúleo de 1.300 quilômetros rio acima, para desovar. Agora os grandes peixes, que podem pesar até 14 quilos, estão concluindo seus rituais de procriação. No ano que vem haverá uma nova geração de Chinook.

Apesar deste refúgio montanhês intocado de 180 quilômetros de extensão, os peixes que há gerações incontáveis voltam para cá para se reproduzir e depois morrer correm risco sério.

Salmão à venda em peixaria
Salmão à venda em peixaria - Leonardo Wen/Folhapress

Cerca de 45 mil a 50 mil Chinooks de primavera-verão se reproduziam aqui na década de 1950. Hoje a média é de cerca de 1.500 peixes, e vem caindo. E não é apenas aqui: os peixes nativos estão em queda livre em toda a bacia do rio Columbia. É uma situação tão grave que muitas organizações estão pedindo a remoção de quatro grandes barragens, para evitar a perda total dos peixes.

“No passado o rio Columbia era o habitat selvagem de Chinooks mais produtivo do mundo”, disse Russ Thurow, pesquisador sobre pesca junto à Estação de Pesquisas Rocky Mountain do Serviço Florestal americano.

Falando às margens do rio Salmon, no Idaho, Thurow refletiu sobre a perspectiva de desaparecimento total dos peixes que ele passou a maior parte de sua vida estudando. “É difícil prever ao certo, mas estes peixes têm talvez quatro gerações pela frente até desapareceram de vez”, ele estimou. “Talvez uns 20 anos.”

Treze espécies de salmões e trutas “steelhead” (a forma anádroma das trutas-arco-íris costeiras) são classificadas como ameaçadas ou em perigo de extinção na bacia do rio Columbia, uma área que abrange partes do Idaho, Oregon, Washington, Montana e Colúmbia Britânica. O salmão é uma espécie fundamental nesta região, sendo crucial como fonte de alimento para animais que vão de ursos a águias e insetos.

Esse grupo de beneficiários inclui uma população ameaçada de orcas, ou baleias assassinas, que vivem na costa oeste dos EUA e sobrevivem alimentando-se de salmões Chinook no inverno e na primavera, comendo até 30 salmões por dia.

Muitos especialistas pensam que as orcas estão morrendo de fome em grande parte devido ao declínio dos salmões selvagens. Este ano apenas o número de orcas caiu de 76 para 73, preocupando cientistas e conservacionistas. No ano passado uma mãe orca carregou um filhote morto sobre as costas durante 17 dias. Presumiu-se que ela estivesse de luto.

“A melhor coisa que poderíamos fazer para colocar mais Chinooks de primavera ao alcance das orcas seria remover essas quatro barragens na parte inferior do rio”, disse Don Chapman, cientista aposentado especializado em peixes que trabalhou como consultor do setor da hidroenergia e defendeu as barragens e os esforços de mitigação.

Mas desde então, ele mudou de ideia em relação às barragens: “Elas matam muitos peixes jovens que estão descendo o rio e alguns adultos que estão voltando à cabeceira”.

Os salmões estão nadando em águas que estão ficando mais quentes, e as consequências disso ainda são incertas, segundo um estudo recente. Para Chapman, se as barragens fossem abertas, isso também ajudaria a manter a temperatura da água mais baixa, o que seria benéfico agora, com a mudança climática.

Temperatura da água em elevação

O Chinook, ou salmão-rei, é um peixe enorme e forte, o maior membro da família dos salmões na América do Norte. Os Chinooks de primavera-verão realizam uma migração épica de milhares de quilômetros, passando pelo rio Columbia para as águas em volta das ilhas Aleutas, no Alasca, e então voltando às elevações maiores das montanhas Rochosas.

Antes do século 20, acredita-se que entre 10 milhões e 16 milhões de salmões e trutas “steelhead” adultos voltassem anualmente ao sistema do rio Columbia. Segundo algumas estimativas, o número atual de peixes selvagens que retornam é apenas 2% disso.

A agricultura, a extração de madeira e especialmente a extração comercial de salmões no início do século 20, todos cobraram um preço dos salmões selvagens, mas o maior impacto isolado sobre eles vem de oito grandes barragens –quatro construídas no rio Columbia e quatro no rio Snake, importante afluente do Columbia.

As quatro barragens no rio Snake são usadas principalmente para criar reservatórios para a transporte em barcaças do trigo cultivado no Idaho até portos. Mas as barragens elevam a temperatura da água e bloqueiam as rotas migratórias dos peixes, elevando a mortalidade deles.

A mudança climática também elevou a temperatura da água tanto dos rios quanto do oceano, algo que pode ser mortal para os peixes. Em 2015, por exemplo, a água anormalmente quente matou estimados 250 mil salmões-vermelhos.

Especialistas vêm tentando há décadas reduzir a perda de peixes selvagens da bacia do rio Columbia, instalando escadas que permitem aos peixes desviar-se das barragens e colocando os peixes em barcaças e caminhões para transportá-los para o outro lado das barragens. Mas esses esforços enormes não reduziram o declínio, apesar de ter sido gastos mais de US$16 bilhões nas últimas décadas em esforços para recuperar os peixes.

Hoje a maioria dos cientistas defende a remoção das barragens. No outono passado, cientistas que estudam orcas pediram ao governador de Washington, Jay Inslee, e à Força-Tarefa de Orcas Meridionais Residentes, uma entidade do governo estadual, para começarem a remover as quatro barragens no rio Snake, para ajudar as baleias famintas.

“As orcas precisam de mais salmões Chinook disponíveis o ano inteiro, e precisam disso o mais rapidamente possível”, eles disseram, descrevendo a remoção das barragens como sendo “essencial para assegurar a sobrevivência das orcas”.

Mas as agências federais responsáveis pela gestão dos peixes no rio Columbia dizem que remover as barragens do rio Snake não é crucial à sobrevivência dos salmões e que peixes criados em estações de alevinagem compensam pela perda dos peixes selvagens com que as orcas se alimentam.

Em comunicado, o Centro de Ciência de Pesca do Noroeste, que faz parte da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), disse que as baleias assassinas meridionais residentes “não distinguem entre peixes selvagens e peixes criados em estações de alevinagem”.

O Serviço Nacional de Pesca Martinha propôs o abate de mais de 1.100 leões marinhos no rio Columbia, porque eles comem os salmões quando estes se reúnem para se reproduzir.

Os setores que querem conservar as barragens apontam para a mudança nas condições oceânicas como sendo o principal responsável pelo declínio dos salmões. A temperatura da água tem se elevado acima do comum nos últimos anos, fato que reduz as fontes de alimentos dos salmões. As autoridades federais acabam de anunciar que a onda de calor marinho retornou este ano.

Mas peixes criados em estações de alevinagem não são iguais, disse Deborah A. Giles, diretora científica e de pesquisas da organização Wild Orca, que estuda e defende a proteção das baleias. As orcas evoluíram alimentando-se de peixes selvagens de grande porte, consumindo entre 135 e 160 quilos de peixe por dia.

“Os peixes selvagens são muito maiores e muito mais ricos em lipídios”, ela explicou. “Quando a orca precisa capturar o equivalente a 160 quilos em peixes criados em cativeiro, que são menores e de qualidade inferior, isso representa um gasto muito maior de energia. A baleia precisa trabalhar muito mais para se alimentar.”

O estresse nutricional é parte da razão por que as baleias estão em declínio. Cerca de 70% das gravidezes de orcas meridionais residentes se perdem antes de os filhotes nascerem, segundo um estudo recente –uma porcentagem preocupante.

Desde 2001, tribunais federais vêm cobrando das agências responsáveis pela proteção dos salmões, incluindo a NOAA e o Corpo de Engenheiros do Exército, o fato de não estarem fazendo o suficiente para assegurar a sobrevivência dos peixes. Em 2016 o juiz Michael H. Simon, do Tribunal Federal Distrital do Oregon, ordenou a criação de um novo plano para restaurar a espécie, dizendo que os esforços anteriores violaram espécies ameaçadas e infringiram leis ambientais. A decisão judicial citou a recusa das agências em considerar a possibilidade de remover as barragens da parte inferior do rio Snake. O plano está previsto para 2021.

Agências federais e estaduais já lançaram números enormes de peixes criados em estações de alevinagem para substituir os peixes selvagens na bacia do rio Columbia. Mas alguns especialistas creem que os peixes criados possam afetar adversamente o genoma dos peixes selvagens remanescentes.

Em 2016 um estudo concluiu que na primeira geração de peixes criados em estações de alevinagem, 723 genes estavam operando de modo diferente que nos peixes selvagens, afetando funções como o sistema imunológico e a cura de feridas, na medida que os peixes criados se adaptam às condições de superlotação.

Para Thurow, as características que os peixes selvagens perdem ao reproduzir-se com peixes criados podem um dia mostrar-se importantes para a adaptação à mudança climática. A população de salmões do rio Middle Fork, aqui em Idaho, é uma das poucas que não sofreu influências genéticas dos peixes criados em estações de alevinagem.

Um percurso extenuante

A migração extrema dos salmões Chinook de primavera-verão é uma das grandes viagens do mundo natural.

Antes da construção das barragens, nas décadas de 1960 e 1970, os peixes nascidos no rio Middle Fork eram levados pelas correntezas fortes da primavera para 1.300 quilômetros de distância, no mar. Na época, a correnteza dos rios era rápida, entre 10 km/h e 16 km/h, e os peixes jovens chegavam às águas salobras do estuário do rio Columbia em cerca de 15 dias.

Durante esse trajeto, os salmões jovens de água doce passam por uma transformação profunda chamada “smoltification”, convertendo-se em “smolts”, ou salmões jovens capazes de viver na água salgada. Depois de sair do rio, os peixes nadam para o Pacífico Norte, perto das ilhas Aleutas.

Eles passam até quatro anos alimentando-se no mar, e então aqueles que sobrevivem à jornada marinha retornam à foz do rio Columbia. Suas modificações fisiológicas se revertem à medida que eles nadam rio acima, e eles voltam a ser peixes de água doce.

Quando sentem o cheiro de seu rio natal, eles lutam contra a correnteza e ficam sem se alimentar para seguir na viagem extenuante, durante a qual sobem quase 2.000 metros de altitude e superam barreiras físicas, fazendo o que biólogos descrevem como uma viagem heróica.

“Já vi salmões saltando por cima de corredeiras de 2,5 metros de altura, e é sabido que eles saltam até 3,5 metros”, disse Thurow. “Eles são a própria definição de persistência.”

Os salmões Chinook são conhecidos como reprodutores de “alta fidelidade”: eles não apenas voltam para o riacho onde nasceram, mas muitas vezes para o mesmo local exato nesse riacho. Em seus últimos dias de vida, enquanto os machos lutam pela dominância, as fêmeas escavam uma depressão nos seixos do leito do rio.

A fêmea libera suas ovas e o macho se aproxima, soltando seu esperma ao mesmo tempo. A correnteza mistura as ovas e o esperma, resultando na fertilização. Os ovos são adesivos e aderem ao cascalho do fundo do rio quando caem. A fêmea os enterra num bolsão de ova.

Esse processo se repete múltiplas vezes; ao todo, uma única fêmea pode liberar em torno de 5.000 ovos. “Quando ela termina, está a apenas um ou dois dias de morrer”, disse Thurow. Na primavera seguinte os salmões pequenos emergem e iniciam sua viagem em direção ao mar. Sempre uma trajetória de risco, hoje a migração é muito mais perigosa ainda. As oito grandes barragens ao longo dos rios Snake e Columbia criaram 520 quilômetros de águas quase paradas nos reservatórios. A velocidade média da correnteza rio abaixo caiu para menos de 2,5 km/h, e os peixes levam muito mais tempo para chegarem ao mar.

Quando os salmões jovens alcançam o lago de uma barragem ao longo do caminho, são obrigados a nadar em vez de serem levados pela correnteza; eles frequentemente ficam desorientados e tornam-se mais suscetíveis a predadores. Quando o percurso leva tempo demais, eles podem passar pelo processo de “smoltification” no momento errado.

Os salmões jovens se alimentam de plâncton e insetos. Mas as águas do Pacífico na costa oeste dos EUA vêm passando por um aquecimento incomum, o que reduziu a oferta alimentar disponível.

Antes da construção das barragens no rio Snake, três a seis de cada cem peixes que deixavam seus rios natais voltavam para casa, uma razão chamada de “retorno de smolt a adulto”. Hoje essa razão é de menos de um. Biólogos dizem que ela precisa chegar a quatro para que a população de peixes possa ser reconstituída.

Não são apenas as orcas que estão sofrendo com o declínio dos salmões. Estimadas 137 espécies dependem da proteína levada rio acima todos os anos pelos milhões de peixes. Os salmões também fornecem fósforo, nitrogênio e outros nutrientes que alimentam as grandes florestas do noroeste da América do Norte. Três quartos dos nutrientes de algumas árvores no Alasca e na Colúmbia Britânica são derivados dos salmões.

O rio Middle Fork, afluente do rio Salmon, será crucial à medida que as águas do rio Columbia forem se aquecendo, disse Thurow. A previsão é que os rios de altitudes maiores esquentem menos, e aqui os Chinooks encontrarão um refúgio em águas frias –e, se se adaptarem, uma base a partir da qual repovoarem outros rios.

“As perspectivas não são boas, mas esses peixes são o que me dá esperança”, disse Thurow. “Apesar de todos os obstáculos, eles ainda estão aqui.”

Tradução de Clara Allain

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