Brasil não destina royalties do petróleo para prevenir desastres como o atual

País também não assinou convenção internacional que funciona como um seguro para vazamentos

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Cabo de Santo Agostinho (PE) treina voluntários para recolher óleo de praias com roupa especial
Cabo de Santo Agostinho (PE) treina voluntários para recolher óleo de praias com roupa especial - Veetmano Prem/Fotoarena/Agência O Globo
Rio de Janeiro

Mesmo com o aumento da receita do petróleo e diante da projeção de crescimento das exportações, o Brasil não tem previsão de destinação obrigatória dos royalties para prevenção e remediação de desastres como o que atinge as praias do Nordeste desde o fim de agosto.

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, o crescimento da produção do pré-sal e, consequentemente, das exportações de petróleo do país cria a necessidade de estabelecer fontes de recursos e uma estrutura de resposta a emergências.

Na crise atual, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) vem usando recursos de outras fontes para cobrir os custos. Responsável pela operação nas praias, a Petrobras está gastando dinheiro do próprio caixa sob a promessa de reembolso, já que não é responsável pelo vazamento.

Procurado para comentar o assunto, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu a pedido de entrevista.

Ainda não há estimativas sobre o custo total com a remediação das praias atingidas, mas a coordenadora-geral de Emergências Ambientais do Ibama, Fernanda Pirillo, fala em milhões de reais. “O ideal seria ter um fundo para casos de emergência, que possa ser usado de forma mais rápida”, diz ela.

Entre os custos estão o de deslocamento de técnicos para coordenar os trabalhos, contratação de mão de obra para retirar o óleo, equipamentos de segurança, transporte do óleo recolhido e uso de aeronaves e embarcações durante a emergência.

Na quinta (24), Ministério Público do TCU (Tribunal de Contas da União) pediu abertura de fiscalização para apurar a conduta do governo federal. O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado solicitou o acompanhamento de recursos que eventualmente sejam pagos pelos responsáveis pelo desastre ambiental.

O Plano Nacional de Contingência prevê que um coordenador operacional seja responsável pela contabilização dos gastos para cobrança de eventuais poluidores. Caso a origem permaneça desconhecida, o Ministério Publico entende que a conta é da União.

Até 2012, a lei que rege a distribuição dos royalties do petróleo previa que parte dos recursos destinados aos ministérios do Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia fossem investidos em prevenção e resposta a poluição e danos causados ao meio ambiente pela indústria do petróleo.

Especialista em petróleo do escritório Trench, Rossi e Watanabe, a advogada Gabriela Bezerra Fischer lembra que a lei que alterou as regras, criando o Fundo Social e destinando parte da receita para educação e saúde, eliminou essa obrigação.

O texto aprovado no governo Dilma Rousseff cita o meio ambiente apenas na obrigação de investimentos em programas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Em 2013, ano seguinte à mudança, a receita com royalties e participações especiais sobre a produção de petróleo no Brasil foi de R$ 42,9 bilhões, em valores corrigidos pela inflação até dezembro de 2018. No ano passado, atingiram o recorde de R$ 53 bilhões.

Em 2018, o Ministério do Meio Ambiente ficou com R$ 551 milhões e o Ministério de Ciência e Tecnologia, com R$ 1,2 bilhão.

“Já passou da hora de destinarmos parte das receitas dos royalties para estruturar um sistema sério, que envolva todos os estados, de resposta a esse tipo de acidente”, diz o economista Cláudio Porto, da consultoria Macroplan, que é especializado em royalties do petróleo.

O consultor Adriano Pires, do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), lembra que o Brasil se tornará exportador de petróleo, com inevitável aumento no tráfego de petroleiros. Em uma década, segundo a Empresa de Pesquisa Energética, a produção nacional deve subir dos atuais 3 milhões para 5,5 milhões de barris por dia.

“O Brasil vai produzir cada vez mais óleo e os navios venezuelanos vão continuar passando em frente ao Nordeste, então temos que criar uma política responsável para responder a acidentes”, afirma Pires. “Esse caso mostra claramente que não estamos preparados.”

Embora tenha criado uma estrutura de resposta a desastres com petróleo, o Plano Nacional de Contingência não especificou as origens dos recursos. Um dos órgãos responsáveis pelo tema, o comitê de suporte, foi extinto pelo governo Bolsonaro em abril.

A obrigação de investimento de royalties em prevenção tem surgido em debates no Congresso sobre nova distribuição dos recursos do petróleo. 

“A receita dos royalties tem entrado em contas totalmente distintas de suas finalidades”, diz o deputado federal Christino Áureo (PP-RJ), que planeja um projeto sobre o tema.

Mesmo quando tinham destinação obrigatória, dizem os entrevistados, os recursos geralmente eram contingenciados pelo governo. Agora, acabam sendo usados para custear despesas correntes ou aposentadorias, como é o caso do Rio, principal beneficiário.

A preocupação maior se dá com relação a desastres de navios, já que a legislação prevê estrutura de combate a vazamentos em plataformas de produção. Cada projeto de produção deve ter uma embarcação de contenção disponível de forma permanente.

Especialista em emergências com experiência de 35 anos na Petrobras e professor da Coppe/UFRJ, Marcus Lisboa questiona a necessidade de manter tantas embarcações próximas a plataformas enquanto não há estrutura para atender emergências em regiões não produtoras.

Segundo ele, são cerca de 50 barcos de apoio dedicados a emergências em operação atualmente no litoral do Sudeste. No Golfo do México, onde se concentra a produção marítima nos Estados Unidos, diz, são seis. “E ficam atracadas à espera de emergências.”

Ele diz ainda que o Brasil é um dos poucos países costeiros não signatários de convenção internacional que funciona como uma espécie de seguro para poluição causada por vazamentos em navios, conhecida como CLC 92.

Financiada por países importadores, a convenção antecipa recursos para a contenção e remediação de desastres para depois cobrar ressarcimento dos responsáveis pela poluição. “O país não precisaria ficar procurando culpados, já teria sido ressarcido”, diz.

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