Frans Krajcberg antecipou a vergonha que estamos vivendo, diz líder indígena

Ailton Krenak participou de debate na pré-estreia de documentário sobre o artista na terça (8)

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São Paulo

A obra e o ativismo ecológico de Frans Krajcberg (1921-2017), artista plástico polonês naturalizado brasileiro, foram um alerta para as ameaças ainda maiores que a Amazônia enfrentaria anos mais tarde, segundo o líder indígena Ailton Krenak.

“Para os olhos dele, era escandaloso ver a mata queimando e a floresta sendo destruída. Mas ele chegou ao Brasil no meio de uma história de depredação que nunca parou e que continua acontecendo. Ele antecipou o tempo vergonhoso que estamos vivendo”, disse Krenak durante a pré-estreia do filme “Frans Krajcberg - Manifesto”, dirigido por Regina Jehá. 

O evento, promovido pela Folha, aconteceu no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca, em São Paulo, e contou com a presença da diretora do documentário e do artista plástico Bené Fonteles, em uma conversa mediada pela jornalista Iara Biderman.

O filme alterna depoimentos de Krajcberg, imagens de arquivo e registros feitos durante os preparativos para a participação do artista na 32º Bienal de São Paulo, em 2016, um ano antes de sua morte. 

A revolta de Krajcberg contra a destruição da natureza e tudo o que considerava errado está documentada em suas palavras e nas atitudes capturadas pelas câmeras. “Eu sou homem muito revoltado. Aliás, sempre fui. Porque eu fui revoltado contra homens, agora eu estou revoltado contra os crimes que estão fazendo com o planeta”, diz o artista em um certo momento do documentário.

A diretora conta que na última entrevista que Krajcberg concedeu, o artista se soltou para falar sobre coisas guardadas há tempos, como o episódio no qual sua família foi morta pelos nazistas.

Nascido na Polônia, Krajcberg viveu como refugiado na antiga União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial. Morando no Brasil desde 1948, o artista participou da primeira Bienal de São Paulo, em 1951. Em 1972, passou a viver em Nova Viçosa, no sul da Bahia, e fez frequentes viagens para a Amazônia e o estado de Mato Grosso, de onde trazia inspiração e materiais para suas obras. 

Em 2009, recebeu o grande prêmio da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Morreu em 2017, aos 96 anos de idade, no Rio de Janeiro. 

Para Krenak, o filme apresenta um personagem complexo e instigante, que fez de sua obra e vida uma narrativa só. “Ele apresentava uma visão culta, mas ingênua ao mesmo tempo, de insistir em teimar contra os acontecimentos”, disse.

“Krajcberg nunca precisou ser parte de um movimento, ele era o próprio movimento e a denúncia que fazia era muito forte”, completou Fonteles.

Um dos momentos mais marcantes da vida de Krajcberg foi a elaboração, em 1978, do “Manifesto do Naturalismo Integral”, escrito ao lado dos amigos Sepp Baendereck, artista plástico iugoslavo, e Pierre Restany, crítico de arte francês. O documento propõe uma relação maior dos artistas com a natureza durante as produções. 

Para Regina Jehá, o manifesto falava de ir além do combate às ameaças concretas contra a natureza, como os incêndios criminosos e a mineração desenfreada. “Ele falava de combater uma poluição interna também. Dizia que a humanidade deveria passar por um renascimento, que implicaria uma mudança cognitiva radical e o surgimento de um novo homem. Só através dessa mudança interior é que conseguiríamos nos dar conta do que é a humanidade”, disse.

“Como Krajcberg dizia, precisamos fazer uma análise de nós mesmos para podermos viver em harmonia com o planeta”, completou.

Essa mudança, que poderia resultar em um maior cuidado com o ambiente, passa por uma transformação nas relações entre as pessoas, segundo Krenak. 

“O que pode fazer uma grande diferença é a gente admitir que existem outras pessoas além de nós mesmos, e que essas outras pessoas não são cópias de nós. Este é um desafio imposto principalmente pela diversidade cultural. Se não entendermos isso, vamos continuar protelando a possibilidade de um entendimento entre as pessoas”, concluiu Krenak.

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