Descrição de chapéu

No momento, óleo ameaça mais pescadores do que baleias e corais

Em Canavieiras (BA), região de Abrolhos, há 12 mil pessoas que vivem de peixes, camarões, caranguejos e mariscos

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São Paulo

A frase “óleo em Abrolhos” prenuncia uma catástrofe ambiental, sem dúvida, se o derramamento chegar em grandes quantidades ao banco de corais com maior diversidade de espécies do Atlântico Sul. Antes, porém, prepara-se um desastre social.
 
As manchas de piche começam a aparecer, ainda pequenas, no litoral de Canavieiras, município baiano que marca o limite norte da região de Abrolhos. Não confundir com o parque nacional marinho que protege o arquipélago de cinco ilhas a dezenas de quilômetros da costa, que não teria ainda sido atingido pelo óleo.
 
Em Canavieiras há pelo menos 12 mil pessoas que vivem da pesca e da coleta de caranguejos e mariscos numa reserva extrativista marinha com o tamanho de 2/3 do município de São Paulo. Dos 100 mil hectares, 15% são manguezais e ilhas habitados por centenas de milhões de crustáceos e moluscos.

 

 
Há três semanas pescadores e marisqueiros da Associação Mãe dos Extrativistas de Canavieiras (Amex) comemoraram a ausência de investidores interessados em 4 dos 36 blocos de exploração ofertados na 16ª rodada da Agência Nacional de Petróleo. Afastava-se o risco de um derramamento nas quatro áreas da bacia Camumu-Almada.
 
Comemoraram cedo demais.
 
Defensores da exploração petrolífera na bacia, como o presidente do Ibama, Eduardo Bim (que liberou o leilão contrariando recomendação de técnicos subordinados), alegam que os blocos ficavam longe de Abrolhos e dos manguezais.
 
O óleo de agora prova do que são capazes correntes marinhas, em termos de dispersão de substâncias tóxicas. Supõe-se que o derramamento, no caso, tenha ocorrido muito mais longe, a centenas ou até um milhar de quilômetros da costa brasileira.
 
Para pôr em colapso a subsistência dos extrativistas, nem é imperativo que o derrame de óleo ganhe as proporções de um Exxon Valdez ou um Deepwater Horizon. O esforço de voluntários para limpar as praias nordestinas seria inútil nos densos manguezais.
 
Cada árvore, ali, se apoia sobre dezenas de raízes aéreas banhadas pelas marés. Acima da linha d’água, elas fervilham com caranguejos. Abaixo, cobrem-se de ostras e mariscos. Nem um exército chinês armado com escovas de dentes poderia livrar aquele emaranhado vivo da substância viscosa.
 
Mesmo que a mortandade de organismos seja limitada, o prejuízo de imagem para o pescado se torna inevitável. Quem se disporá a comprar peixes, camarões e mariscos da região, sabendo que ela foi poluída pelo petróleo?
 
“Se derramar esse troço aí, esta comunidade vai pro pau. Não queremos viver de cesta básica”, disse à Folha em setembro João Gonçalves, pescador que preside a Amex. O azar e o governo federal, contudo, não têm muito mais para lhes oferecer agora.

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