Bolsonaro diz que desmatamento é cultural no Brasil e não acabará

Ministro do Meio ambiente, contudo, diz que governo espera reduzir destruição ilegal em 2020

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Brasília e São Paulo

Após um crescimento recorde da destruição da vegetação amazônica, o presidente Jair Bolsonaro minimizou nesta quarta-feira (20) o aumento do desmatamento e disse que ele não acabará no Brasil.

Na saída do Palácio do Alvorada, onde parou para cumprimentar um grupo de eleitores, ele afirmou que tanto os desmatamentos como as queimadas são práticas culturais no país. O presidente foi perguntado se adotaria alguma medida para reduzir o desflorestamento. "Você não vai acabar com o desmatamento nem com as queimadas. É cultural", disse.

No período de agosto de 2018 e julho de 2019, o Brasil bateu o recorde nesta década de destruição na floresta amazônica. Segundo o sistema de monitoramento Prodes (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia), foram desmatados 9.762 km², um aumento de 29,5% em comparação com o ano anterior.

O presidente criticou a ex-ministra do Meio Ambiente e sua adversária na última disputa eleitoral, Marina Silva. Ela afirmou recentemente que o cenário é preocupante para 2020 e que Bolsonaro quer entregar a Amazônia para a destruição.

 

"Eu vi a Marina Silva criticando anteontem. No período dela, tivemos a maior quantidade de ilícitos na região amazônica", disse o presidente, que não apresentou, no entanto, dados para provar a sua afirmação.

Durante a gestão de Marina Silva (2003-2008), no governo Lula, o desmatamento chegou em 2004 ao segundo maior valor da série histórica, 27.772 km². No ano em que saiu do ministério (2008), a taxa de destruição foi de 12.911 km². 

Segundo Carlos Nobre, pesquisador aposentado do Inpe e membro da Academia Brasileira de Ciências, há desde a chegada dos portugueses ao Brasil uma cultura do desmatamento. Ele explica que durante a ditadura militar, por exemplo, era necessário desmatar as propriedades doadas pelo governo para se obter empréstimos do Banco do Brasil para a produção agropecuária.

“Os portugueses quando chegaram aqui desmataram a Mata Atlântica, os europeus também. Não há dúvida que existe uma cultura de desmatamento, agora, estamos no século 21. E além da cultura de desmatamento, também há a de quem comete o crime ambiental e sabe que não haverá punição”, diz.

Nobre aponta que o desmatamento ilegal acontece, essencialmente, de duas formas. A primeira é  promovida por proprietários de terra que não solicitam autorização para o desmate. A segunda é o roubo de terra (grilagem). “Isso acontece sempre com a expectativa de que um dia a terra será legalizada. O que sempre foi feito é que, depois da grilagem, o governo faz a regularização e dá aquela terra para quem cometeu o crime ambiental. Praticamente todo mundo que cometeu ilegalidades até 2008 foi perdoado”, afirma. 

O pesquisador se refere a anistia prevista no Código Florestal, reformulado em 2012, e julgada constitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2018. 

O diretor executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Andre Guimarães, diz que a cultura da impunidade prevalece, mas discorda que haja cultura de desmatar. “Em primeiro lugar, de acordo com os dados do Ipam, em torno de 35% do desmatamento acontece em áreas públicas não destinadas, ou seja, patrimônio brasileiro. Já as áreas públicas destinadas, como as unidades de conservação, o percentual é de 10%. Os dados contradizem o presidente porque mais de 45% do desmatamento é ilegal”, aponta. 

Apesar de o presidente Bolsonaro tratar como cultural a questão do desmatamento, o ministro Ricardo Salles disse, também nesta quarta (20), que o governo espera reduzir a destruição ilegal do bioma já em 2020. Ele, contudo, não apresentou uma meta. 

“O nosso objetivo de redução tem como base a evolução histórica”, declarou Salles, após uma reunião com os governadores da Amazônia Legal. “Mais importante do que estabelecer metas numéricas é estabelecer uma estratégia, que é o alinhamento do governo federal com os estados. Isso ficou 100% estabelecido hoje”, disse.

O ministro convocou o encontro com os governadores para discutir uma reação conjunta ante o aumento do desmatamento na Amazônia verificado pelo sistema de monitoramento Prodes (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia). 

"A nossa expectativa é reduzir o desmatamento ilegal da Amazônia já para o próximo Prodes no próximo ano. E também, do ponto de vista de tendência, eliminar o desmatamento ilegal. Sabemos que é uma dificuldade muito grande numa vastidão como a da Amazônia”, declarou o ministro. 

Na reunião entre Salles e os governadores, realizada na sede do ministério em Brasília, também foram discutidos os critérios para a aplicação de um fundo da Lava Jato constituído pelas multas acertadas pela Petrobras nos Estados Unidos. A expectativa é que cerca de R$ 1 bilhão desse montante seja destinado para ações de combate ao desmatamento. 

De acordo com o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), os 430 milhões reservado aos estados deverão ser aplicados na prevenção e repressão de ilícitos ambientais, além de regularização fundiária. 

O governador do Pará Helder Barbalho (MDB), por sua vez, disse que os governadores se encontrarão ainda nesta quarta com o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), para pedir que o dinheiro desse fundo seja diretamente repassado às secretarias estaduais do meio ambiente, num esforço de desburocratizar e agilizar a aplicação dos recursos. 

Em sua fala, Salles argumentou que a o crescimento do desmatamento na Amazônia observado desde 2012 ocorre, principalmente, pela “ausência de dinamismo econômico na região”. 

Nesse sentido, ele defendeu uma série de medidas classificadas por ele como “ambientalismo de resultado”. “É preciso incluir as pessoas para que elas se sintam parte desse esforço de preservação da Amazônia”, disse.

Ele também afirmou que faz parte do plano do governo nessa área um plano de regularização fundiária —o Planalto está preparando uma MP que deve conter a possibilidade da autodeclaração para a titularidade da posse.  

Na reunião, os ministros e os governadores discutiram ainda a estratégia do Brasil na Conferência das Nações Unidos sobre Mudanças Climáticas, a COP 25 —o encontro ocorrerá em Madri, na Espanha, entre 2 e 13 de dezembro. 

Segundo Salles, a delegação brasileira cobrará dos países desenvolvidos mais aportes para a aplicação no desenvolvimento da região da Amazônia.  “É necessário que recursos em volume considerável compatíveis com o desafio de preservação da Amazônia passem a fluir para os países em desenvolvimento”, disse Salles.

"Seguimos sem um plano concreto para conter o desmatamento na Amazônia O ministro Ricardo Salles apresentou um conjunto de ideias que não serão suficientes para conter o atual ritmo de destruição da Amazônia”, afirma Mauricio Voivodic, diretor-executivo da ONG WWF-Brasil. "Não existe ambientalismo de resultados sem metas, prazos, atribuições e recursos. Sem isso, nenhum plano é efetivo."

Segundo nota da ONG, em ocasiões anteriores, quando o desmatamento da Amazônia atingia picos, eram deflagradas ações e planos concretos, com metas, prazos, atribuições e recursos. Essas respostas ainda não foram dadas pelo atual governo. 

Para Marcio Astrini, coordenador da ONG Greenpeace, as propostas apresentadas por Salles não vão atenuar o desmatamento. "Enquanto o ministro do Meio Ambiente fez um discurso para enganar a plateia, no mundo real o governo trabalha para implementar medidas que poderão incrementar ainda mais o desmatamento, como a liberação do plantio de cana na Amazônia, a medida provisória de premiação da grilagem de terras, a promessa de abertura de terras indígenas para garimpo e mineração, a proibição do Ibama realizar a queima de equipamentos de criminosos ambientais e a tentativa de redução dos limites de unidades de conservação."

O aumento percentual do desmatamento amazônico deste ano é o terceiro maior da história. Um aumento tão acentuado só foi visto nos anos de 1995 e 1998. No primeiro, o crescimento foi de 95% e a taxa alcançou o pico histórico: 29.100 km² de área devastada. Já em 1998 o aumento do desmate foi de 31%. 

Na campanha presidencial, Bolsonaro criticou repetidas vezes a fiscalização ambiental feita pelo Ibama e afirmou que o país tem muitas unidades de conservação e terras indígenas. 

No cargo, não diminui o tom do discurso. Ele exonerou fiscal do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) que lhe aplicou uma multa ambiental em 2012 e disse que atenderá a pedido de garimpeiros para que maquinários não sejam destruídos em operações de fiscalização.

Para o Observatório do Clima, a alta no desmatamento "coroa o desmonte ambiental" praticado na gestão do presidente e de seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

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