Mudança climática gera ansiedade e faz casais desistirem de ter filhos

Para especialista, quem nega aquecimento global não sabe admitir vulnerabilidade; ansiedade pelo fenômeno tem se tornado mais comum

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Becca Milfeld
Washington | AFP

No Ártico, o derretimento do gelo ameaça a população local. O aumento do nível dos oceanos gera preocupação e reação nos litorais de todo o mundo. E em Rhode Island, Estados Unidos, Kate Schapira e seu marido decidiram não ter filhos

O medo da mudança climática está provocando ações em todo o mundo, mas um efeito em cadeia nos Estados Unidos está aumentando a ansiedade em questões que vão do uso de plásticos às disparidades ambientais baseadas em classes. 

Schapira, professora de 40 anos do departamento de inglês da Brown University, está abordando esse desconforto de várias maneiras. 

A decisão de não ter filhos não foi apenas por preocupação sobre o bem-estar futuro em meio à degradação ambiental, mas também por não querer que seu "senso de responsabilidade para com o mundo se reduzisse ao tamanho de uma pessoa". Schapira também diz que provavelmente não viajará mais de avião.

Ela disse que estava preocupada porque as pessoas estavam tratando seu medo climático como um problema pessoal, individual. "Queria ver se esse era realmente o caso."

Então, em 2014, Schapira começou a montar um "estande de ansiedade climática" em espaços públicos, como mercados de agricultores.

"Aconselhamento sobre ansiedade climática: cinco centavos", diz a placa do estande, que convida os transeuntes na cidade americana de Providence a falar sobre seus medos.

Schapira descobriu que não estava sozinha. Cerca de seis em cada dez americanos dizem que estão pelo menos um pouco preocupados com o aquecimento global e 23% dizem que estão muito preocupados, segundo uma pesquisa realizada pelas universidades de Yale e George Mason em março e abril deste ano.

Anthony Leiserowitz, diretor do Programa de Comunicação sobre Mudanças Climáticas de Yale, disse que os americanos podem ser divididos em seis categorias, de alarmados a desdenhosos, com base em sua reação às mudanças climáticas.

"O senso comum diz que apenas os liberais da classe média alta, brancos, instruídos e que bebem 'lattes' se preocupam com as mudanças climáticas. Acontece que isso não é verdade", disse Leiserowitz.

Nenhum dos seis grupos é majoritariamente motivado por um grupo demográfico, disse, com exceção dos "desdenhosos", onde prevalecem os "homens brancos conservadores bem-educados".

Eles são dramaticamente diferentes em termos de como percebem o risco do que todas as outras pessoas, em grande parte graças a uma visão de mundo que chamamos de individualismo, particularmente pronunciada nesse grupo, afirmou Leiserowitz.

Esse mesmo grupo demográfico também controla a Casa Branca, metade do Congresso e muitas das empresas mais ricas do país, incluindo as da indústria de combustíveis fósseis.

Enquanto os principais especialistas do mundo se dirigem à Espanha para a cúpula da ONU sobre mudança climática que começa na próxima segunda-feira (2), os americanos devem lidar com a ideia de que o presidente Donald Trump começou o trâmite para retirar os EUA do acordo climático de Paris.

Para Lise Van Susteren, psiquiatra de Washington que estuda os impactos da mudança climática na saúde mental há 15 anos, a recusa a reconhecer os riscos potenciais é comum para pessoas que estão tentando negar que também são vulneráveis.

"Na verdade, não hesito em dizer que, em algum nível, acredito que atualmente todo mundo tenha alguma ansiedade climática", disse Van Susteren.

As respostas psicológicas às mudanças climáticas, como evitar conflitos, fatalismo, medo, desamparo e resignação, estão crescendo, de acordo com um relatório de 2017 da American Psychological Association e da ecoAmerica.

E elas coincidem com uma série de impactos físicos na saúde, como asma e alergias. 

Em um happy hour para ambientalistas em Washington, Alicia Cannon, que trabalha no lobby de políticas ambientais, foi questionada se ela estava sentindo alguma ansiedade climática. Sua resposta: "Ó Deus, sim."

"Acho que muitas pessoas que trabalham com o clima sentem algum tipo de ansiedade climática, porque é uma questão de grande escala e é esmagadora, e você sente que é esmagadora por causa do desamparo", disse Cannon, de 23 anos.

Segundo Van Susteren, esses sentimentos podem levar as pessoas a questionar se suas ações individuais são significativas à luz da vasta natureza do problema.

"O que fazemos individualmente é contado coletivamente", disse, indicando que o comportamento de uma pessoa pode ajudar a estabelecer normas sociais consequentes.

Debbie Chang, 43, que organizou uma sessão de aconselhamento em grupo sobre como lidar com a ansiedade climática no National Mall em Washington em maio, também decidiu não ter filhos e tenta seguir uma política de desperdício zero.

Ela carrega talheres na bolsa para evitar utensílios plásticos de uso único, assim como um lenço para substituir os guardanapos de papel e leva um pote de metal para os restaurantes para levar as sobras para casa.

Chang disse que até pouco tempo atrás era difícil encontrar informações sobre ansiedade climática, tristeza climática, desespero climático ou aconselhamento climático. "Agora as pessoas estão começando a perceber que isso é uma questão", acrescentou.

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