Pantaneiro sonha em fazer 'oásis' no Pantanal

Inundação permanente causada pelo assoreamento dos rios expulsou fazendeiros e ameaça fauna e flora

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São Paulo

Aos 57 anos, Ruivaldo Nery de Andrade acumula histórias sobre a vivência no Pantanal, onde ele possui terras às margens do rio Taquari. A missão do pantaneiro, entretanto, tem sido fazer com que uma dessas histórias —a fragilidade do Pantanal— seja ouvida pelo maior número de pessoas possível. 

Ruivaldo conta que criou os três filhos para amar a região. Sua preocupação é com o legado que vai deixar aos descendentes. “O que eles vão fazer se a gente já destruiu tudo? O que vai ser se a gente não fizer nada?”, questiona. A destruição a que o pantaneiro se refere tem relação com a expansão da atividade agropecuária que ameaça a subsistência dos ecossistemas. O assoreamento dos rios interrompeu o ciclo natural de cheias e vazantes do Pantanal, provocando inundações permanentes e comprometendo tanto a biodiversidade quanto a ocupação humana. 

A reflexão de Ruivaldo foi feita durante o debate realizado após a exibição gratuita do documentário “Ruivaldo, o Homem que Salvou a Terra”, no Espaço Itaú de Cinema Augusta, em São Paulo, na segunda-feira (25). 

Além do pantaneiro que dá título ao filme, participaram Jorge Bodanzky e João Farkas, diretor e codiretor da obra, respectivamente. O debate foi mediado pelo colunista da Folha Vinicius Torres Freire. O filme mostra que centenas de fazendeiros abandonaram suas terras, a vegetação não resistiu à inundação permanente e os peixes também não sobreviveram.

Pantaneiros ouvidos no documentário dizem que, sem a correnteza, o rio está morto. “Eu não tinha conhecimento da profundidade do desastre", conta Bodanzky. Para o diretor, o questionamento principal durante as filmagens era encontrar possíveis soluções. “Qual é o sentido de fazer um filme sem apresentar uma saída para o problema?” Segundo ele, o sentido veio ao conhecer a história de Ruivaldo. 

O pantaneiro se recusou a deixar suas terras e, para impedir que a enchente tomasse toda a sua propriedade, construiu um sistema de diques. Utilizando sacos cheios de restos de materiais de construção, Ruivaldo conteve o avanço da água. “Eu já assisti a filmes de desertos, em que o cara vai indo e acha um oásis. Então eu vou fazer da minha fazenda um oásis. A turma vai vir andando num mar de água e encontra o mato. Vai ser uma bolinha, mas vai ficar viva essa floresta aqui”, diz ele em um trecho do documentário. 

Além de codiretor do filme, Farkas realizou uma série de expedições ao Pantanal para registrar em fotografias o que ele chama de uma “mudança absolutamente vertiginosa e silenciosa”. Para ele, o Pantanal corre um risco maior que a Amazônia, porque é um ecossistema mais frágil. 

“Como o Brasil tem a Amazônia, o litoral e os oceanos, o Pantanal é uma espécie de ‘patinho feio’. A gente esquece e sofre de uma cegueira cognitiva”, afirma Farkas. O fotógrafo também é autor do livro “Amazônia Ocupada”, que mostra o impacto da ocupação humana na floresta nas décadas de 1980 e 1990. 

“Ruivaldo, o Homem que Salvou a Terra” faz parte de um conjunto de iniciativas do projeto Documenta Pantanal, rede formada por fotógrafos, cientistas, pesquisadores e produtores rurais para trazer visibilidade às mudanças que vêm ocorrendo no Pantanal. 

Entre outros projetos, o Documenta Pantanal lança, no final de janeiro, mais um documentário em curta-metragem chamado “Taquari” e, em fevereiro, um livro de fotografias de João Farkas sobre o Pantanal.

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